Eu não sei da cor de seus olhos, e outro dia lendo o poema olhos d’água de uma escritora negra chamada Conceição Evaristo, recordei que diferente dela eu não conheci os seus o suficiente para esquecer, e, nem sei onde a senhora está agora para poder ir ao seu encontro, como ela fez.
Aos meus cuidados restou a memória em honra da maternagem de todo dia, potentes registros das referências que conheci; venho compartilhar com a senhora a gratidão que tenho às iyás que me fizeram gente todos os dias: mães simbólicas, mães culturais, mães amigas, mães ouvidos, mães palavras… À todas as mães que me acompanharam até aqui para que eu não esquecessem o quanto é bom ter mãe, o quanto é bom ser filha. A gratidão pelas mulheres que sedimentam minha força e não me deixaram ignorar tua existência enquanto reconheceram a importância da minha.
Em teu nome, mãe, eu honro também a minha própria maternagem, o meu modo de “ser de Oxum”, porque mesmo ao revés da parição, aceitei a cuia, o pedaço da cabaça que já está em mim e segui comprometida em dar aos outros e a mim mesma o amor de mãe que não pude ter.
A despeito das minhas mães preferidas eu reafirmo a honra a todas as mães esquecidas: as desencarnadas, as orfãs dos filhos (vivos ou assassinados) as Mães de Maio, as geledés, as yabas, e em nome de oxum mesma (a Yalodè que invade a reunião dos Oborós, ocupa espaço e, chama as outras) eu alerto: MÃES SÃO MULHERES… Meu pai mesmo, já me deu banho, comida na boca, chorou (e chora) ao me ver chorar e, sei que como ele, ALGUNS homens cuidam como mães de seus filhos (como mães, mas, não são).
Crescida, experienciando a poética bruta do cotidiano, aprendi a amar os homens que sabem cuidar das suas mães, e observo… Talvez, tenha aprendido com as ausências o valor da oferenda, que diariamente alimenta a alma e diz do zelo, do amor não obrigado. Na figura de meu pai, gratidão também aos homens pretos (ostra onde minha pérola mora), que mesmo quando pais, dignos de honra, não me deixam esquecer: MÃES-SÃO-MULHERES!
Sem mais eu me despeço. Minha melhor oração é guardar o amor que não pude te dar, e ainda assim estar viva, sobrevivendo às dores, às faltas, à doença física que adquiri com a emocional; à política bandida e inoperante que rege esse país, ao genocídio que nos ameaça todo dia; e, agora, mãe, a essa pandemia que tem escancarado nossas mazelas, mas em contrapartida, também a nossa força.
FORTE. É como desejo continuar pra que um dia a senhora tenha notícias da mulher que me tornei e, como eu, reverencie a memória da mãe que também não pode ter, resistindo e apesar disso, amando.
* Vanessa Jesus de Oliveira é uma mulher preta, sertaneja, candomblecista, terapeuta, pedagoga e aprendiz de curandeira. Filha de Oxum, nascida pro aye através de Eliete Maria de Jesus e Almir Neris de Oliveira, criada em Ichu – município do semiárido baiano; atualmente reside em trânsito de feira a Salvador, onde cursa licenciatura em Dança, a arte que lhe mantém viva.