Dona Odete Figueira: A matriarca empreendedora nata e seus 95 anos de história

Na segunda reportagem da série Anônimas Guerreiras Brasileiras, apresentamos a pernambucana Dona Odete

Por Andressa Franco e Patrícia Rosa

No dia 29 de maio, um outono de 1926, nasceu  Maria Odete Figueira Queiroz, na cidade de Itambé, localizada na Zona da Mata de Pernambuco, cerca de 88 km da capital Recife. Hoje, a senhora de 95 anos, de fala rápida e precisa, traz na memória as lembranças da vida.

Dona Odete vem de uma família de 8 irmãos, e faz questão de lembrar dos 13 primos, que eram os parceiros das traquinagens da infância. Ela diz não recordar tanto das memórias da meninice, vivida na sua cidade natal,  já que saiu de lá ainda muito pequena, mas em nossa conversa ela dividiu o tanto que lembrou: “Em Itambé a gente morava no Engenho Cordeiro. Na minha infância lá a gente só ficava trepado nos pés de azeitona, de goiaba. Fim de semana a gente ia pra casa do meu avô na cidade, mas morava mesmo no Engenho Cordeiro. Não tinha coisa pra gente brincar, não tinha boneca, nada. Minha diversão e das minhas primas era  tomar banho no rio, brincar de roda”. Dona Odete ainda cantarola a cantiga que embalava a brincadeira, cuja  letra tem na ponta da língua:

 

“Eu amei, amei

Eu também sei amar 

Você morre, mas não tira a fulô do juá

Você morre, mas não tira a fulô do juá”

 

Aos 9 anos, por volta de 1936, ela partiu para cidade de Olinda. Seu irmão mais velho tinha ido antes, conseguiu um emprego, comprou uma casa no bairro de São Benedito, e voltou para buscar toda a família  na cidade natal. Aos 12 anos, Dona Odete começou a trabalhar em uma fábrica de doces em conserva, Amorim da Costa & Cia, empreendimento que nasceu no ano de 1894 e durou até 1960, e era instalado no histórico Mercado Eufrásio Barbosa, construção do século XVI, que serviu como Casa da Alfândega Real do Império Marítimo Português em Olinda.

Lá, a menina fazia a separação de goiabas, como um controle de qualidade, apesar do tamanho para a função: “eu era tão pequena que o homem colocava um caixote para eu alcançar o galpão das goiabas”. 

Entre festas e procissões tradicionais da cidade, se deu o resto de infância de Dona Odete. Mas tinha uma mãe rigorosa, daquelas que cuspiam no chão para esperar os filhos voltarem da padaria, e se secasse antes disso, já sabiam o que os esperava. 

“Eu gostava de dançar, tempo de carnaval eu gostava de fazer passe em Olinda, nos clubes, mas mãe não deixava, então a gente saía escondido, quando chegava levava uma surra! Levava uma surra, mas já tinha brincado era muito”, conta aos risos nossa Anônima Guerreira Brasileira.

Uma das travessuras da pequena Odete acabou lhe rendendo um apelido pelo qual os irmãos passaram muito tempo lhe chamando: “Esmoler”. Isso porque se juntava com algumas senhoras pedintes na Igreja de São Francisco, que fica no Centro de Olinda. Nessa brincadeira ela ganhava do padre pães e frutas-pão, as frutas ela distribuía para não levar para casa e assim evitar que a mãe desconfiasse da possibilidade de a filha estar pedindo esmola, mas os pães ela logo comia. Um belo dia, uma das senhoras pedintes apareceu bem em sua porta para pedir água, a reconheceu, e foi quando a travessura foi descoberta. 

Aos 19 anos Odete se casou e parou de trabalhar para se dedicar aos cuidados com a família. Mas aos 28 anos tornou-se viúva, com oito filhos para criar, contando apenas com a ajuda dos irmãos, tios das crianças. Para sustentar os oito, não faltou criatividade, o empreendedorismo está na veia da família, já que o pai de Dona Odete era dono do “Barracão do Engenho”, um tipo de armazém do local, e a vida de trabalho da filha foi voltada para as suas  raízes.

Tendo que aprender uma forma de trabalho, ela entrou em um curso de corte e costura, onde se formou costureira. A jovem contava com o apoio  da prima, que cuidava das crianças, enquanto ela estudava. Com o tempo, ela investiu em seis máquinas de costura e assim abriu sua confecção, era ela quem organizava tudo, e cita de cór todos os modelos de máquina que teve.

“Fiz um bocado de roupa, fiz vestido de noiva para aquele pessoal que era mais pobre e não podia pagar um figurinista, as moças se casavam tão bonitas. Eu tirava tudinho da revista e fazia, hoje em dia nem me lembro mais”. Até hoje algumas de suas antigas costureiras perguntam se ela não vai voltar ao ofício, e ela dá risada.

Com o crescimento do negócio, Dona Odete viajava para estados vizinhos para buscar confecções e vender à prestação. Mas, uma cheia afetou o empreendimento de Dona Odete e levou todas as máquinas e confecções da costureira, que tinha passado cheques em um dos seus investimentos, e para quitar a dívida, precisou vender a casa. A empreendedora não ficou parada. Sem dinheiro, correu atrás de ajuda para conseguir financiar o aluguel de um prédio no centro da cidade de Olinda, montando assim a sua hospedaria de estudantes para rapazes que funcionou durante cerca de 5 anos.

“Depois, em 1977, eu comprei o Hotel Brasil, era na Praça Maciel Pinheiro, com tempo eu fechei e  comprei a Churrascaria Codorna”.

Assim nasceu o último empreendimento de Dona Odete: uma churrascaria. E ela manteve uma freguesia nada trivial, “O governador da época tinha casa de campo em Palmares e a churrascaria era lá, a segurança dele toda fazia refeição lá. Os sargentos, comandantes e os capitães, tudinho me conheciam, eu levava galinha assada pra eles comerem. Eu recebia toda semana muito dinheiro naquela época”. A fartura durou até a casa de campo do governador mudar para Porto de Galinhas e, apesar de ter perdido a freguesia, não se deixou abater, vendeu a churrascaria, e voltou para onde começou, nas confecções, hoje ela está aposentada  e passou o posto na administração para a filha, Neide Figueira .

“Até hoje tenho uma lojinha de confecção. Até 2 anos atrás eu ainda viajava para comprar material, mas agora não viajo mais, é minha filha quem vai, ela é professora aposentada e é ela quem toma conta”.

 

 

Dona Odete já tomou a primeira dose da vacina da Covid-19 e espera ansiosa por mais uma fase da imunização. Ela atravessa a pandemia na base dos cuidados e carinhos dos filhos e netos, mas não economiza na prevenção. Basta ouvir baterem no portão que a máscara já está no rosto. “Se eu me contaminar foi alguém que trouxe, porque eu não saio de casa. Se for sair pra adoecer, é melhor ficar em casa”. Dona Odete conta que sua maior tristeza durante a pandemia foi parar de frequentar a clínica onde fazia fisioterapia. Apesar de manter os exercícios em casa, ela sente muita falta do passeio. Em compensação, a matriarca tem 17 netos e 10 bisnetos para distraí-la: “Já deixo os confeitos em casa esperando por eles”.

Mas essa não é a sua única distração, No auge dos seus 95 anos, ela é uma amante da leitura. “Eu gosto muito de ler, agora mesmo eu tô sem livro, todos os que eu tinha na prateleira já li tudinho, o último que eu li foi o de Elza Soares. Agora eu tô escolhendo algum de um bom autor. Toda vida eu gostei de ler”. Quando não tem um bom livro em casa, ela se arrisca nos seus coloridos crochês. Modesta, diz que faz apenas uns paninhos, mas quando ela nos mostra seu trabalho, percebemos que o que não falta é capricho. 

 

Uma mulher de Fé, ela faz parte do Movimento Gnóstico Cristão Universal do Brasil, há cerca de 10 anos. Dona Odete   conta  que seu único medo é o de morrer sem salvação, de resto, nada consegue abalar Dona Odete: “nem de morrer eu tenho medo”. Também pudera, se tem uma coisa que a história da pernambucana de Itambé não deixa dúvidas, é o quanto é destemida.

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