Educafro entra com Ação Civil Pública contra o Metrô de Salvador por morte de homem negro após abordagem dos seguranças

Edmar Santos Costa foi imobilizado por agentes de segurança da CCR Metrô Bahia. O caso aconteceu no dia 6 de janeiro, e um ato pedindo por justiça está marcado para a próxima quarta-feira (24)

Edmar Santos Costa foi imobilizado por agentes de segurança da CCR Metrô Bahia. O caso aconteceu no dia 6 de janeiro, e um ato pedindo por justiça está marcado para a próxima quarta-feira (24)

Por Andressa Franco e Karla Souza*

Imagem: Reprodução

Um homem negro morreu ao ser imobilizado por seguranças do sistema metroviário no Terminal de Ônibus Acesso Norte, em Salvador (BA). Edmar Santos Costa Moreira sofreu uma parada cardiorrespiratória durante a abordagem dos agentes no dia 6 de janeiro, mas o caso só veio a público na última sexta-feira (19), quando imagens de câmeras de segurança que registraram o momento repercutiram nas redes sociais. Edmar, de 38 anos, era porteiro e deixou três filhos.

Em resposta ao caso, está previsto um ato para pedir justiça por Edmar na próxima quarta-feira (24) às 9h na Estação CCR Acesso Norte. Em nota, o Movimento Negro Unificado – Bahia, que convocou o ato, classificou a morte de Edmar como evidência cruel do racismo estrutural que se manifesta “de maneira letal nas mãos de agentes que deveriam garantir a segurança” e exigiu investigação imparcial e rigorosa.

“Não aceitaremos desculpas ou promessas vazias. Queremos ações concretas para romper com a impunidade que historicamente permeia casos de violência policial contra a população negra na Bahia.”

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Também em reação ao caso, a Educafro entrou nesta segunda-feira (22) com uma ação civil pública contra o Metrô de Salvador por danos coletivos à comunidade negra. 

“Se fosse um homem branco, não teria sido tratado dessa forma. Por isso entendo que há racismo no caso sim. É mais um ato repugnante, mais um caso clássico de racismo, e independente da causa mortis, o tratamento dado pelos seguranças do metrô foi totalmente abusivo”, aponta Marinho Soares, coordenador-geral da EDUCAFRO Bahia. De acordo com ele, no entanto, nenhum advogado da Bahia está assinando a ação. 

Entenda o caso

As imagens das câmeras de segurança mostram que Edmar estava no Terminal Acesso Norte, onde há integração entre metrô e ônibus por volta das 6h da manhã do dia 6 de janeiro, horário em que costumava ir para o trabalho. O porteiro cai em uma das entradas do terminal e recebe ajuda das pessoas que estavam no local. Depois de se reerguer, ele volta a caminhar.

Na sequência, um homem deixa um cooler na estação de ônibus. Edmar pega a caixa térmica, e entra em um ônibus segundos depois, quando é agredido por outro homem, que tenta impedi-lo de entrar no coletivo, e uma briga começa no local.

A confusão é contida em poucos segundos, o homem que havia deixado o cooler no terminal o recupera, e nesse momento dois seguranças da CCR Metrô arrastam Edmar até a calçada, onde é arremessado ao chão. Um dos agentes algema Edmar, e então coloca os dois joelhos nas costas do porteiro.

A cena dura um minuto, até que o segurança percebe que a vítima não está mais se mexendo. Nesse momento, chega mais um segurança com uma maca para colocarem Edmar. Em seguida, levam a vítima na maca e saem da área de captação da câmera.

A empresa declarou em nota que os seguranças conduziram Edmar para a sala de Atenção Primária à Saúde (APS) ao constatar o mal súbito, onde acionaram o Samu. De acordo com o Samu, uma equipe de saúde fez manobras de reanimação, mas não conseguiu salvar o paciente.

CCR ainda não enviou as imagens das câmeras corporais dos seguranças para a investigação 

De acordo com os advogados da família, nem a CCR ou qualquer órgão ligou para comunicar os familiares ao menos para qual hospital o porteiro havia sido levado, embora estivessem com os seus documentos. Ele só foi encontrado pela família 12 horas depois, já no Instituto Médico Legal (IML), que começou as buscas depois de os chefes de Edson terem entrado em contato para avisar que ele não havia aparecido no trabalho.

Em entrevista ao Correio 24H, a irmã da vítima, que preferiu não ser identificada, criticou o excesso na abordagem. “Era o meio de transporte que ele pegava pra poder trabalhar. Me fica a dor da perda e, sabendo o que aconteceu, a dor da injustiça. Poderia ser evitado, ele já estava contido, algemado, não precisava desse excesso que provocou toda situação.”

O caso está sendo investigado pela Polícia Civil, e a CCR Metrô Bahia informou em nota que instaurou um procedimento interno de apuração dos acontecimentos.

O advogado da família, Dielson Monteiro, no entanto, afirma que a empresa, apesar de lamentar a morte em nota, não prestou nenhum tipo de solidariedade à família, ou buscou oferecer qualquer suporte. Além disso, Monteiro afirma que entre os requerimento feitos para colaborar com a elucidação dos fatos, estão as câmeras corporais dos agentes, que ainda não foram enviadas pela CCR Metrô.

“Quando eles levam o Edmar de maca para uma possível sala, afirmam que essa sala tem todo o preparo para os primeiros socorros. Mas as imagens enviadas pela CCR não mostram essa sala, o que tem nela, onde fica, ou qual o procedimento feito para tentar a reanimação do Edmar”, questiona.

Segundo a CCR, os agentes que participaram da ocorrência foram afastados de suas funções operacionais até a conclusão das investigações. Eles também já prestaram depoimento à polícia.

Testemunhas estão sendo ouvidas, e laudos periciais vão complementar as investigações. A causa da morte ainda não foi definida pelo Departamento de Polícia Técnica, que tem um prazo de 30 dias, a partir da data do ocorrido, para emitir o documento.

O advogado da família acrescenta que o processo só deve avançar após a finalização do inquérito policial e do resultado do laudo definitivo que confirme a causa da morte. 

CCR Metrô Bahia acumula casos de racismo 

Embora a CCR Metrô Bahia tenha afirmado em nota que investe em um programa contínuo de capacitação e treinamentos para os seus colaboradores, essa não é a primeira vez que a concessionária é cenário de violência contra pessoas negras.

Em 2022, por exemplo, o jovem negro Aleff Bernardes utilizou as redes sociais para denunciar que foi agredido e perseguido por um segurança da CCR. 

“Assim que cheguei na estação Tamburugy fui rápido ao banheiro e quando estava saindo fui abordado pelo segurança sem nenhum motivo. […] Na tentativa de filmar a identificação fui agredido e perseguido dentro da estação, porque o objetivo dele era apagar as imagens do meu celular”, relata Aleff. O vídeo gravado pelo jovem mostra o momento da agressão, quando o segurança também derruba seu celular. O segurança envolvido foi demitido na época. 

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Em 2021, o faxineiro Caíque Vitor Paiva, de 29 anos, declarou que o racismo determina que uma pessoa tem “cara de bandido”, depois de sofrer agressão e injúria racial por seguranças do metrô. O jovem estava na Estação Rodoviária, onde relatou ter encontrado todas as máquinas de recarga do cartão de transportes inutilizadas. Ele se dirigiu à uma funcionária para perguntar qual seria a solução, e foi violentamente imobilizado pelos guardas, e depois entregue a policiais militares, que o conduziram até a Central de Flagrantes – onde permaneceu por cerca de três horas sob acusações de desacato. 

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Em 2020, ganhou repercussão nacional a denúncia de Sandra Weydee na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca), por uma ofensa racista sofrida por suas filhas gêmeas no metrô de Salvador (BA). O caso foi tipificado como crime de injúria racial. As crianças, na época com três anos, foram chamadas por um segurança da estação de “bucha um e bucha dois”, comparando o cabelo no estilo black power das meninas com a palha de aço usada para limpeza. Segundo relato de Sandra, ao avistar as garotas, o agente gritou: “Misericórdia. Bucha um e bucha dois”, e começou a rir. 

Imagem: Reprodução

*Com contribuições de Patrícia Rosa

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