Escritoras negras de Pernambuco contam suas histórias em web série

No último dia 05 de dezembro foi disponibilizado o último episódio da Web Série “Escritoras Negras de Pernambuco”, projeto de Odailta Alves, escritora negra, lésbica, educadora, atriz e ativista dos Direitos Humanos.

As médias metragens abordam trajetória de oito escritoras negras de cidades da região metropolitana, agreste e sertão de Pernambuco

Por Andressa Franco

Imagem: Divulgação

No último dia 05 de dezembro foi disponibilizado o último episódio da Web Série “Escritoras Negras de Pernambuco”, projeto de Odailta Alves, escritora negra, lésbica, educadora, atriz e ativista dos Direitos Humanos. Em seu canal no YouTube foram publicados diariamente desde o dia 30 de novembro oito episódios contando um pouco da história e das obras de: Inaldete Pinheiro, Adelaide Santos, Sophia William, Joaninha Dias, Crislaine Venceslau, Manu Monteiro, Francisca Araújo e Dayse Moura.

Com duração de 10 a 15 minutos cada episódio, e com interpretação para linguagem de sinais (libras), a produção realizada com incentivo do Funcultura Audiovisual tem por objetivo visibilizar escritoras que “demonstram um cenário literário negro pernambucano que não recebe o devido reconhecimento”.

Falta de reconhecimento essa que, para Odailta, se deve ao racismo. Isso porque, explica, a sociedade projeta a imagem de pessoas negras sempre no espaço da marginalidade e dos empregos subalternizados. Logo, a imagem da mulher negra dentro de um contexto de intelectualidade, escrita, poesia, romance, não é de interesse para a sociedade que se alimenta do racismo.

“Enquanto eram pessoas brancas falando sobre pessoas pretas tudo bem, as editoras muito solícitas. Mas quando são pessoas pretas falando sobre si, vem o processo de silenciamento. A gente vai desenvolvendo estratégias, aquilombamentos literários para sobreviver a esse processo”, desabafa.

Com uma equipe majoritariamente formada por pessoas negras e lgbti+, Odailta dá continuidade à sua experiência enquanto diretora, roteirista e apresentadora através dessa web série.

Nos vídeos, as participantes apresentam os diversos contextos sociais e familiares que existiram enquanto se construíam escritoras negras e contam suas histórias de dentro de seus lares. O principal objetivo é contribuir para que mais pessoas possam conhecer e ter interesses pelas obras dessas e outras mulheres negras pernambucanas, além de apresentar mais referências literárias e possibilidades de futuro para as pessoas negras que gostam de escrever.

Todas as personagens da web série fazem parte do Coletivo de Escritoras Negras de Pernambuco, que foi criado com o intuito de auxiliar a compreensão e realizações dessas mulheres como as escritoras que são.

Escritoras Negras de Pernambuco: as personagens

Para alcançar reconhecimento por seu trabalho literário, Odailta observa que para as mulheres negras o primeiro desafio é compreender que “o que você escreve é potência, não é o fato de publicar que vai te tornar escritora”. Isso porque o processo editorial, ressalta, não é fácil.

Além de vencer o processo de invisibilidade sobre as obras e conseguir projeção, é preciso ainda vencer o racismo, e a xenofobia no contexto do Nordeste. Por isso mesmo a web série tem gerado grandes expectativas não só em Odailta, mas entre todas as envolvidas.

A intenção da produtora, também doutoranda em Linguística, é distribuir o material para as Secretarias de Educação tanto do estado como de Recife, solicitando e orientando o trabalho com esse material nas escolas. “Nossos estudantes também precisam se ver, ver que tem gente preta do estado trazendo suas narrativas pra que sirva de inspiração pra esses estudantes da rede pública, maioria preta.”

A escritora projeta ainda a possibilidade de distribuir o conteúdo em algum canal de televisão, ou quaisquer outros canais, contanto que circule de maneira gratuita e alcance o máximo de pessoas possível.

Capítulo 01- Inaldete Pinheiro – Escritora negra e idosa e moradora do centro do Recife. Tem 76 anos, é cidadã Recifense e receberá o título de cidadã Pernambucana. É fundadora do Movimento Negro Unificado em Pernambuco. Escritora independente, com mais de 10 livros publicados. Em 2022, teve seu primeiro livro publicado pela Companhia das Letras, Uma aventura do Velho Baobá.

Capítulo 02 – Adelaide Santos – Escritora, cantora, negra, mãe e periférica. Além de artista, é uma das principais articuladoras do movimento Boca no Trombone, que promove inclusão social por meio da arte realizando batalhas de poesia e de rima para jovens de Água Fria e adjacências.

Capítulo 03 – Sophia Andrade – Escritora negra, transsexual, multiartista, performer, poetisa, roteirista, preparadora de elenco, arte-educadora, produtora cultural. Formada em Licenciatura em Dança pela Universidade Federal de Pernambuco, produtora e integrante do Coletivo de Dança-Teatro Agridoce. Assistente de produção e produtora de diversos festivais de Pernambuco.

Capítulo 04 – Manu Monteiro – Escritora negra, lésbica e de Caruaru. Graduanda em psicologia pela Uninassau. Poeta, pintante dos sentimentos e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Capítulo 05 – Francisca Araújo – Escritora negra do Sertão de Pernambuco. É poetisa, declamadora e glosadora nos eventos culturais do Pajeú. Gosta de compor sobre o cenário sertanejo, mas transita por outras temáticas. Participou de diversas coletânea e tem um cordel publicado intitulado “Respeito não é somente no dia internacional”, escrito em homenagem aos 14 anos da promulgação da Lei Maria da Penha.

Capítulo 06 – Crislaine Venceslau – Escritora negra quilombola de São Lourenço da Mata, turismóloga, mestranda em antropologia, poeta e membro do clube de leitura floriterárias. Como pertencente à comunidade tradicional de pescadores, agricultores, cortadores de cana e quilombolas, desde criança observa e escreve o que a perpassa. Lançou o zine Atravessamentos (2022) e participou de três antologias: TORRE: Antologia de poesia confessional, cartas e diários íntimos; Nós Cartonera; Poesia Agora Outono.

Capítulo 07 – Dayse Moura – Escritora negra, mãe e professora universitária. Possui Doutorado em Educação, Pós Doutorado em Literatura negra. Compõe a equipe gestora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFPE. É autora de 3 livros, dois de literatura infanto-juvenil e um livro acadêmico. E também participação em coletâneas.

Capítulo 08 – Joaninha Dias – Escritora negra, poeta, periférica, gorda, professora, panssexual e poliamorista, candomblecista e juremeira. Escritora erótica, autora de atividades pedagógicas afrocentradas e empenhada na luta diária contra o racismo e na garantia de segurança alimentar, dignidade e justiça para o povo preto.

Literatura negra brasileira

No Brasil, a literatura negra escrita tem quase a mesma idade da chegada da imprensa no território, e é conhecida através dos poucos representantes que conseguiram apresentar suas ideias por meio de folhetos, jornais, livros. Por estes instrumentos, são conhecidas as escritas de Maria Firmina dos Reis (1825-1917); Machado de Assis (1839-1908); Luiz Gama (1820-1882); Cruz e Souza (1861-1897); Lima Barreto (1881-1922).

Maria Firmina revela-se como a primeira voz da afrodescendência, com o seu livro “Úrsula”, cuja primeira edição data de 1859 – é o primeiro romance escrito por uma mulher negra no Brasil e publicado em todos os países de Língua Portuguesa. “Quantas pessoas o leram? Pouco se fala da autora e do livro, seja nos cursos de letras ou os leitores em geral”, Odailta indaga.

No século 20, várias vozes negras se fizeram registrar, de Pernambuco, revelou-se para o mundo Solano Trindade e o Brasil inteiro tem registro de suas expressões. O que se ressalta, porém, são as vozes masculinas. Nos dias atuais, nacionalmente, encontramos um número maior de mulheres negras escrevendo e publicando, com destaque para Conceição Evaristo que ganhou o prêmio Jabuti.

“O cenário da literatura negra aqui no estado de Pernambuco se configura a partir de um processo de muita resistência, sendo produzida muitas vezes independente do poder público”, pontua a escritora, que compreende que o estado não tem avançado no quesito publicação, apensar do grande número de mulheres negras escrevendo. Diante dessa realidade, o lançamento da WEBSÉRIE se somo às estratégias de quebrar a invisibilidade das escritoras negras no mercado editorial local e nacional.

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