Bairros mais ricos e de maioria branca são praticamente imunes às entradas da polícia, e contam com maior proteção jurídica
Da Redação
Imagem: Márcia Foletto
Bairros mais pobres e com população predominantemente negra concentram maioria das entradas da polícia em domicílio e busca de drogas, enquanto bairros nobres com população majoritariamente branca estão praticamente imunes a esse tipo de ação.
A constatação foi feita pelo estudo “Entrada em Domicílio em Caso de Crimes de Drogas: geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos tribunais da Justiça estadual brasileira”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na última segunda-feira (8).
A pesquisa foi feita a partir do projeto que analisou o perfil do processado e a produção de provas em ações criminais por tráfico de drogas, desenvolvido pelo Ipea em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A partir de dados de processos criminais de drogas com decisões terminativas em 2019, o levantamento revela que em 56% dos casos de entrada em domicílio, não foram apresentadas informação sobre o consentimento, enquanto 34% alegaram consentimento para a entrada. Já a recusa ou negativa à entrada foi observada em apenas 3% dos processos.
Ao olhar para o perfil racial dos réus, 46,2% são negros, já os brancos representam apenas 21,2%, o que equivale a menos da metade. Nos casos de entrada em domicílio, também há grande diferença: 23,6% referentes a réus brancos e 44,3% a réus negros.
Residências de pessoas brancas têm maior proteção jurídica
Os dados permitem concluir que há maior proteção jurídica às residências de pessoas brancas, já que as entradas em domicílio de pessoas negras tendem a acontecer dispensando autorização judicial prévia.
A principal justificativa para as abordagens é o patrulhamento de rotina ou abordagem com base em comportamento suspeito (32,5% dos processos), seguido pela denúncia anônima (30,9% dos processos), denúncia não anônima (7,2% dos processos) e cumprimento de mandados de busca e apreensão (6,0% dos processos).
“A hipótese, já bem conhecida na discussão acadêmica sobre as políticas de drogas, é que as entradas em domicílio se concentram nas casas de pessoas que vivem nas regiões mais periféricas e pobres das cidades, sendo mais frequente em bairros cujos moradores possuem cor/raça predominantemente negra”, escreveram os pesquisadores.
91% das invasões de domicílios pela polícia ocorrem em bairros pobres
As cinco capitais com o maior número de entradas em domicílio (Brasília, Curitiba, Manaus, Fortaleza e Rio de Janeiro), também são as cidades onde as ações policiais ocorrem nos bairros mais pobres e com população majoritariamente negra, segundo o estudo. As estatísticas também mostraram alta incidência (84,7%) dessas abordagens em áreas com renda domiciliar mensal per capita de até um salário mínimo.
Nessas capitais, de 307 entradas da polícia em domicílios em busca de drogas, 91,2% ocorreram em bairros com renda domiciliar mensal per capita de até um salário mínimo. Apenas seis foram em bairros com renda de cinco a dez salários mínimos, das quais metade foram respaldadas por autorização judicial. Em bairros com renda superior a dez salários mínimos, não houve nenhum registro de entrada domiciliar.
O levantamento do Ipea lembra um outro estudo, focado apenas no território de Salvador. O estudo “Eu sou parte de você, mesmo que você me negue”, produzido e divulgado pela Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas em 2021, mostra que embora os números de apreensão de drogas sejam superiores em territórios ricos e brancos da capital baiana, como Barra e Pituba, os tiroteios em ações policiais acontecem nos bairros que têm maioria da população residente negra.