Por Matheus Souza
Em maio de 2023, Mamadou Gaye, ex-cônsul honorário da França que atuava na Bahia, foi vítima de um crime de ódio em um ataque virtual que passou a disparar diversas ofensas de cunho racial e difamatório para o seu e-mail e de outras entidades de Salvador. Os ataques racistas partiram de Fabien Liquori, também francês, que era uma das muitas pessoas atendidas por Mamadou em seu gabinete. No início de junho deste ano, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) apresentou uma denúncia formal contra Fabien por injúria racial. Agora o caso passa a ser julgado na esfera criminal ao invés da cível.
“Ele [Fabien] sempre utilizava um tom exigente e agressivo, mas segui acompanhando seu caso e tentando resolver. Até que, numa ocasião, ele ficou insatisfeito por não poder atender a um de seus pedidos, e então voltou para casa e começou a enviar esses e-mails”, conta Mamadou, que ainda tem dificuldade em falar sobre o assunto e tenta compreender o que teria motivado tal atitude.
Ao receber os emails, que dentre muitas ofensas o chamavam de “tirano africano”, o diplomata avisou ao racista que, se a situação continuasse, ele acionaria a Justiça, porém de nada adiantou. Fabien continuou a enviar as ofensas e ameaças não só para Mamadou, mas para diversas instituições de Salvador e do país, tentando prejudicar a reputação do então cônsul. “Ele continuou enviando os emails com discriminações raciais e injúrias para difamar minha reputação, e pedindo que eu fosse demitido do meu cargo. Enviou para o Consulado Geral da França, que fica em Recife (PE), e também às instituições de Salvador”, explica.
Junto com seu advogado, Mamadou decidiu recorrer à Justiça Civil, por ser a alternativa mais simples e rápida. No entanto, em janeiro de 2024, a decisão emitida pelo órgão foi considerada irrisória e desrespeitosa pelo ex-cônsul. “Depois da decisão entrei com recurso, afirmando que a justiça não se pronunciou sobre o meu pedido de retratação pública e propuseram como pena o valor de apenas R$ 3 mil, sendo que quando um voo atrasa, por exemplo, os valores por danos morais e reparação são muito maiores”, conta indignado.
Agora, a denúncia realizada pela promotora de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz, traz uma nova esperança de justiça para o caso. Nela, o MP-BA qualifica as ofensas como crimes de injúria com motivação racial, previstos na Lei Caó e no Código Penal Brasileiro, e determina o pagamento de R$ 20 mil por danos morais.
“A denúncia do Ministério Público foi muito importante, porque a primeira e segunda decisões da Justiça Civil revelaram que a injúria racial que sofri, é uma questão de sociedade. Um caso de racismo é uma questão pública, que interessa a instituição”, ressalta o diplomata.
Na decisão, o MP-BA considerou que Mamadou estava exercendo função de representação de um país estrangeiro em solo nacional, e que, diante da falha da Justiça Civil, a instituição achou importante se manifestar. O governo francês inclusive não se pronunciou sobre o caso, postura que o ex-cônsul lamenta. “Não somos muitos negros nessa rede diplomática e acho que deveria ter tido uma atenção maior. Ouvi de forma informal que por ser a justiça de outro país eles não poderiam se manifestar, mas não há dúvidas sobre o que aconteceu.”
Mamadou, nascido no Senegal e naturalizado na França, foi diretor da Aliança Francesa na Bahia e hoje é doutorando no Programa Multidisciplinar de Cultura e Sociedade da UFBA. Além da nota de apoio emitida pela universidade, o diplomata revela que muitas pessoas têm prestado apoio, principalmente nas redes sociais.
“Quando a Justiça Civil não fez seu trabalho, a sociedade fez. Essa é uma questão que tem a ver com democracia. Quando direitos são negados à uma pessoa, é papel da justiça, junto com a sociedade, condenar essas ações”, finaliza.