Por Marry Ferreira / Imagem: SHENANDOAH UNIVERSITY
O Mês da História Negra (Black History Month) é uma celebração estadunidense anual que acontece em fevereiro, e é dedicada a destacar o papel central das pessoas negras na história dos Estados Unidos. A celebração surgiu da “Semana da História do Negro”, como uma forma de ensinar alunos e jovens sobre as contribuições e aumentar a visibilidade da luta e do legado deste povo.
No início do século 20, enquanto o historiador Carter G. Woodson obtinha um mestrado pela Universidade de Chicago e um Ph.D. de Harvard, ele testemunhou como os negros eram sub-representados nos livros e conversas que moldavam o estudo da história dos Estados Unidos, sendo deixados fora das narrativas e das contribuições para construção do país. Woodson questionava que um grupo que não tem sua história marcada e destacada na construção do país, poderia correr o risco de ser exterminado.
Após participar de uma celebração em Illinois pelo 50º aniversário da 13ª Emenda, que aboliu a escravidão em 1863 nos estados confederados, com uma multidão de seis a doze mil pessoas em celebrações que duraram três semanas, Woodson se inspirou para criar estratégias que estimulassem o estudo das conquistas dos negros americanos. Ele queria mostrar que as pessoas negras haviam desempenhado papéis importantes na criação do país e, portanto, mereciam ser humanizadas e tratadas igualmente como cidadãos. Então em 1915, ele e Jesse E. Moorland fundaram a Associação para o Estudo da Vida e História do Negro, que hoje é Associação para o Estudo da Vida e História Afro-Americana, ou ASALH. A organização visava promover o estudo da história negra como uma disciplina e celebraria as realizações dos afro-estadunidenses.
Com a ASALH, Woodson esperava estimular ainda mais o interesse por meio da criação da Semana de História do Negro. Ao celebrar figuras históricas heróicas, ele e seus companheiros essencialmente esperavam impulsionar um futuro mais justo e igual para todes, rompendo com o silenciamento e com as narrativas negativas propagadas em jornais, livros e universidades.
Nas décadas que se seguiram, prefeitos de cidades em todo o país começaram a emitir proclamações anuais reconhecendo a Semana da História do Negro. Antes que o Mês da História Negra durasse um mês inteiro, a data só era comemorada por uma semana em fevereiro. Foi só na década de 1960 que faculdades e universidades começaram a expandir o reconhecimento da história afro-estadunidense por todo o mês. No final dos anos 60, graças ao movimento dos direitos civis, a Semana da História do Negro evoluiu para o Mês da História Negra (Black History Month), tomando conta de muitos campi universitários e espaços não academicos.
No caso dos Estados Unidos, essa tradição não veio somente de Woodson. Mulheres negras já atuavam com o poder das narrativas há muitos anos. Em 1864, Charlotte Louise Bridges Forten Grimké, ativista, poetisa e educadora abolicionista afro-estadunidense, já ensinava crianças que foram escravizadas na Carolina do Sul sobre a Revolução Haitiana e estratégias de resistência negra.
É importante perceber que, assim como outras comemorações e conquistas coletivas, a Semana da História do Negro não nasceu do nada. A década em que ela foi criada foi marcada por um crescimento da divulgação da cultura negra, como por exemplo, com o movimento chamado Renascença do Harlem, em Nova York. Naquela época, houve um crescimento de escritores que falaram sobre as experiências da negritude, houve um crescimento de expressões culturais afro-estadunidenses na região, além de artistas que criavam imagens que celebraram a negritude e forneceram imagens mais positivas da experiência afro-estadunidense.
Muitos historiadores dizem que a escolha do mês de fevereiro aconteceu porque marca o aniversário de Frederick Douglass, que escapou da escravidão e se tornou um abolicionista e um dos líderes dos direitos civis. Embora sua data de nascimento não seja conhecida, ele a celebrou em 14 de fevereiro. Fevereiro também se tornou o mês que marca o nascimento de mulheres negras que influenciaram fortemente a história norte americana, como Rosa Parks, ativista cuja prisão deu início ao boicote aos ônibus de Montgomery; Alice Walker, novelista que escreveu A Cor Púrpura pelo qual ganhou o National Book Award e o Prémio Pulitzer de Ficção; e Toni Morrison, primeira mulher negra escritora a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. O mês também marca os quando a Câmara dos Representantes aprovou a Lei dos Direitos de 1964 por uma votação de 290-130, e o mês que a 15ª Emenda, que garantia o direito de voto, foi enviada ao Estados para ratificação.
A importância da criação desta data acontece pela criação de currículo nas escolas, mas também para combater uma manipulação das narrativas que tentavam (e ainda tentam) desumanizar e construir um imaginário em torno do que significava ser uma pessoa negra no país. Os líderes educacionais brancos controlavam todos os aspectos estruturais educacionais, dando pouco poder ou influência aos educadores e acadêmicos negros que optaram por pensar independentemente dos interesses dos brancos. Assim como os veículos de mídia negra hoje constroem novas narrativas de igualdade e liberdade no Brasil, o Black History Month nasceu para disputar espaços usados historicamente para manutenção do sistema. Esse mês pode ser visto como um farol de mudança e esperança à medida que olhamos para as vastas contribuições e avanços do povo negro estadunidense. Mudanças significativas aconteceram desde a criação da Semana da História do Negro, e o caminho á frente a se percorrer na luta ainda é longo.