Tradicional bloco de Salvador é conhecido pela violência de gênero e falta de respeito dos integrantes
Por Daiane Oliveira
Imagem: Reprodução
Criado em 1965 com a ideia de levar alegria para a avenida com homens travestidos de mulheres, um conceito que já nasceu ultrapassado e segue questionável até a atualidade, o bloco “As Muquiranas” deixa um rastro de destruição e vítimas de assédio no Carnaval de Salvador. Em 2023 não foi diferente, além das denúncias de violência, assédio sexual e as pistolas com água que são utilizadas para importunar quem apenas quer se divertir na folia carnavalesca, os integrantes do bloco também protagonizaram brigas e destruição do patrimônio público.
Na madrugada desta quarta-feira (22), quando muitos foliões ainda se despediam do Carnaval de Salvador, a influenciadora digital e doutoranda em Literatura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) utilizou as redes sociais para denunciar a agressão sofrida pelos associados do bloco As Muquiranas.
“Hoje eu e um grupo de amigas vivemos a pior experiência do carnaval de salvador. fomos atacadas por um grupo de homens do bloco “as muquiranas” que não só nos molharam inteiras como nos agrediram verbal e fisicamente. Ao chegarmos no Campo Grande ficamos presas frente ao bloco e viramos as costas para não sermos atacadas, não adiantou. Em grupo as agressões começaram diante de tantas campanhas por respeito, combate ao assédio às mulheres no carnaval, porque manter um bloco que nos violenta?”, questiona Samira Soares.
A jovem ainda relata que o grupo de mulheres agredidas receberam apoio dos cordeiros e cobrou por punição. “O que precisará acontecer para esse bloco ter a devida punição? homens vestidos de mulheres que odeiam mulheres é o que se vê no carnaval de salvador.”
A Campanha citada por Samira Soares que combate a importunação sexual foi levada às ruas da capital baiana pelo Ministério Público. Curiosamente, na terça-feira (21) o locutor das “Muquiranas” anunciou que “Não ao beijo forçado e não ao passar a mão. Não é não e sim é sim”, sinalizando que o bloco aderiu à campanha “Não é não”. Só esqueceram de combinar com os associados.
Em um vídeo registrado ainda na terça-feira, durante a passagem do bloco pelo circuito do Campo Grande, uma mulher aparece cercada por diversos integrantes do bloco, que a intimidam com tiros de pistola d’água, tradicional acessório utilizado pelos integrantes. A mulher que inicialmente parece se defender de um dos homens. Ao ser cercada e sem qualquer tipo de ajuda de quem acompanhou a cena, tenta se proteger de todas as formas sem sucesso. A Guarda Municipal de Salvador chegou em poucos segundos e conseguiu fazer a proteção da vítima, que ainda precisou justificar o que aconteceu para o agente.
Durante a passagem, os integrantes do bloco subiram na estrutura do ponto de ônibus localizado defronte ao Teatro Castro Alves (TCA), no Campo Grande, para dançar enquanto o trio passava. Foliões gravaram o momento em que a parte superior do teto cede e um dos homens cai. Os integrantes do bloco são conhecidos por se pendurarem em grades, subirem em prédios, derrubarem tapumes e promover assim a destruição do patrimônio público, privado ou o que estiver pela frente.
Histórico de violência contra a mulher dos associados das Muquiranas
Em 2018, a produtora audiovisual Maria Carolina e a fotógrafa Paula Fróes compartilharam, por meio de uma rede social, um relato de agressão contra um grupo de foliões do bloco As Muquiranas. As vítimas relataram agressões com pistolas de água e violência verbal. A publicação obteve centenas de compartilhamentos e outros relatos de mulheres que passam pelo mesmo.
Os agressores jogaram água na câmera fotográfica de Paula Fróes enquanto ela tentava registrar a situação. Um ambulante tentou ajudar as mulheres, mas também foi agredido pelos foliões, segundo a denúncia. A partir dessas experiências em 2018 surgiu a campanha nas redes sociais, “#UmCarnavalSemMuquiranas”, que questiona as agressões e assédios de foliões do bloco.
Muquiranas e a LGBTfobia ignorada no Carnaval de Salvador
Em 2020, o jornalista Jorge Gauthier, escreveu sua experiência de ser um homem gay no bloco. No título do artigo “Um viado nas Muquiranas: foram sete horas de insultos homofóbicos, tapas na bunda e até cantada“, Jorge já resume o que muitos outros membros da comunidade LGBTQIA+ também relatam sobre os associados das Muquiranas.
“Se é viado mesmo, gosta disso, né?”, disse o senhorzinho grisalho ao segurar um pênis de borracha e roçar na minha cara. Foi o primeiro insulto homofóbico que ouvi e senti ao desfilar junto aos outros 2 mil foliões d’As Muquiranas, primeiro a ter homens vestidos com ‘roupas femininas’ no Carnaval de Salvador”, escreveu o jornalista apontando o ambiente hostil e tóxico para um homem gay assumido no bloco.
Em 2021, inclusive, o empresário Luciano Paganelli, um dos diretores do bloco As Muquiranas, usou seu perfil no Instagram para proferir mensagem homofóbica. Nas publicações, Paganelli criticou a campanha dos Correios da Noruega, que mostra o Papai Noel em um relacionamento gay.
Paganelli publicou a imagem da campanha ao lado de uma foto da capa da Playboy de dezembro de 2000, que mostra a ex-dançarina do Tchan, Carla Perez, seminua sendo abraçada por um homem vestido de Papai Noel. “Tempos sombrios. Papai Noel da Minha geração | Papai Noel nessa geração de merda”, escreveu.
Em outra publicação, o herdeiro das Muquiranas diz: “Primeiro foi Jesus Cristo. Depois o super homem. Papai Noel, o bom velhinho!! Agora dá o rabo. Na próxima Páscoa, o coelhinho vai virar biba-boneca-menina. Se preparem!! Você que está lendo essa mensagem. Você poderá ser o próximo”.
Em nota, ainda em 2021, o bloco “As Muquiranas” afirma que repudiam opiniões pessoais de quem esteja ligado ao bloco e faltem com “respeito” para com os outros. “Discordamos e repudiamos toda e qualquer opinião pessoal que pessoas ligadas ao bloco tenham e/ou faltem com respeito a quem quer que seja, se expondo em suas redes sociais pessoais”, afirmam ignorando que homofobia, LGBTfobia, é crime e não opinião pessoal.