Por Karla Souza*
A recusa de um motorista de aplicativo em buscar uma mãe de santo em um terreiro de Candomblé, em João Pessoa (PB), em março de 2024, resultou em uma decisão judicial que hoje é questionada pelo Ministério Público da Paraíba (MP-PB). No último dia 25 de setembro, o juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível da capital, entendeu que a ialorixá Lúcia de Fátima, vítima de racismo religioso, teria cometido intolerância ao considerar ofensiva a mensagem enviada pelo motorista. A sentença, que negou o pedido de indenização e atribuiu à vítima a responsabilidade pela intolerância, levou o magistrado a ser denunciado por racismo religioso.
O caso teve início quando Lúcia solicitou uma corrida pelo aplicativo da Uber, informando que o ponto de partida seria o seu terreiro. O motorista respondeu: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”, e cancelou a viagem. Em seguida, a religiosa registrou boletim de ocorrência na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Étnico-Raciais e Delitos de Intolerância Religiosa e entrou com uma ação contra o motorista e a empresa. O caso foi judicializado e, mais de um ano depois, resultou na decisão do juiz Adhemar Ferreira Neto, que isentou o motorista de responsabilidade.
Na sentença, o juiz afirmou que “a autora, ao afirmar considerar ofensiva a frase ‘Sangue de Cristo tem poder’, denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria”. Segundo o magistrado, a mensagem do motorista seria uma “livre manifestação de crença” e não teria relação com o cancelamento da corrida. A decisão gerou reação de organizações religiosas, que enxergam na justificativa do juiz um exemplo de como o racismo religioso se expressa também por meio de instituições do Estado.
A mãe de santo declarou ter recebido a decisão com “profunda comoção e indignação”, e afirmou que a sentença afetou não apenas a ela, mas todo o seu terreiro e outras casas religiosas de matriz africana.
O caso chegou ao Ministério Público da Paraíba, que abriu apuração para analisar a conduta do juiz e o possível descumprimento do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A promotora Fabiana Lobo enviou o processo à Corregedoria do CNJ e ao Tribunal de Justiça da Paraíba, além de oficiar a Delegacia de Repressão aos Crimes Étnico-Raciais e o Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula, para levantamento de casos semelhantes no estado. Segundo a promotora, a decisão do juiz reforça a estrutura de discriminação e negação da liberdade de culto garantida pela Constituição.
*Com informações do G1


