Por Karla Souza
Na última semana, uma trabalhadora doméstica de 34 anos foi resgatada de condições análogas à escravidão no bairro Ponta Negra, em Manaus (AM). Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), os patrões deverão indenizar a vítima pelos danos causados ao longo de mais de duas décadas. O valor não foi divulgado, e os responsáveis ainda poderão responder criminalmente. A ação foi realizada por uma força-tarefa formada por Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), MPT, Polícia Federal (PF) e Defensoria Pública da União (DPU).
A vítima começou a trabalhar na residência aos 12 anos, com a promessa de que cuidaria de uma idosa, teria acesso à educação e seria acolhida. No entanto, a promessa nunca se concretizou. Ao longo de 22 anos, ela prestou serviços a diferentes membros da mesma família, sem carteira assinada, sem salário fixo e sem acesso à escola. Atuava também na produção de doces vendidos por seu empregador. Em troca, recebia comida, moradia precária e pagamentos esporádicos. Um ciclo de exploração sustentado por uma narrativa de pertencimento que encobria uma estrutura de violência.
As investigações começaram após denúncias anônimas feitas no fim de maio, e resultaram em uma operação na última quinta-feira (5). A equipe de fiscalização encontrou a mulher em um quarto sem guarda-roupa, sem ar-condicionado, com más condições de higiene. Ela relatou que chegou a trabalhar descalça e, por um período, sequer tinha xampu à disposição. A ausência de vínculos formais e o confinamento prolongado reforçaram a constatação da situação análoga à escravidão.
Após o resgate, a trabalhadora recebeu atendimento psicossocial oferecido pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC) e retornou ao convívio de seus familiares biológicos.
O caso reforça os dados da campanha nacional permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), De Olho Aberto para Não Virar Escravo, que registrou quase 3.500 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão no Brasil em 2023. Destas, 3.288 foram resgatadas por ações diretas. Embora o número de mulheres seja menor que o de homens, os marcadores racial e de gênero revelam uma desigualdade contundente: das 972 mulheres resgatadas entre 2016 e 2023, 765 eram negras, cerca 80% do total.
Ainda segundo a CTP, o estado do Amazonas liderou o ranking de trabalhadores resgatados no primeiro semestre de 2024. Das 441 vítimas no Brasil neste ano, 100 foram libertadas no Amazonas, principalmente em regiões de desmatamento e garimpo ilegal.
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma anônima e sigilosa pelo Sistema Ipê. Os dados oficiais estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo, ferramenta pública de monitoramento das ações.