Enquanto sofre com desconfianças e descréditos de setores da sociedade, a juventude negra se mobiliza para pensar num futuro melhor para seus pares
Por Andressa Franco e Patrícia Rosa
Imagem: Marcelo Rocha
Quais as preocupações, interesses e ambições da juventude negra no Brasil atual? Educação de qualidade; oportunidades; acesso à saúde e segurança; representatividade política e políticas públicas; podem ser algumas das respostas. São pautas que se atualizam de forma constante. E despertam nessa parte da sociedade inquietação quanto às várias violências, a falta de acesso aos direitos básicos, criminalização de vidas vulneráveis, escolarização em condições de pobreza, racismo.
Desses cenários negativos, aparecem muitos nomes dispostos a transformar a realidade, especialmente a que vêm sendo apresentada para a juventude negra. É o caso do ativista climático Marcelo Rocha, de 24 anos, que está em Glasgow, na Escócia, acompanhando a COP26, principal cúpula da ONU para debater as questões climáticas. O evento teve início no dia 31 de outubro e acontece até o dia 12 de novembro.
O ativista climático hoje atua no Fridays for Future Brasil (FFF), ou ‘Sextas-feiras pelo Futuro’, movimento que ganhou notoriedade global com a ativista ambiental sueca Greta Thunberg; e é diretor executivo do Instituto Ayika, ONG que se dedica às temáticas: clima, raça, território e juventude.
Nesta sexta-feira (5), após quase uma semana de discursos e promessas de líderes mundiais durante a COP26, cerca de 25 mil jovens protestaram para pressionar por mais ações contra a mudança climática, justamente na marcha ‘Sextas-feiras pelo Futuro’. Thunberg discursou para a multidão, definindo a COP como um fracasso, com muitas promessas e pouca ação. O sábado (6) também foi marcado por protestos na cidade escocesa.
Marcelo esteve presente na marcha ao lado de jovens brasileiros da Coalizão Negra por Direitos, que, em conjunto com 250 entidades, lançou a carta: “Para controle do aquecimento do planeta – desmatamento zero: titular as terras quilombolas é desmatamento zero”.
Quem também decidiu disponibilizar seu nome para atuar em prol das demandas da juventude, é Gleide Davis, eleita co-vereadora de Salvador em 2020 junto com a Laina Crisóstomo e Cleide Coutinho na mandata coletiva Pretas Por Salvador (PSOL). Feminista, antirracista, bissexual, socialista, candomblecista e suburbana, aos 28 anos, é graduada em Administração, estudante de Serviço Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e pesquisa juventude, raça e conflito com a lei.
O Brasil é um país perigoso e dificil para jovens negros. Um levantamento nacional, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) indica que 80% das mortes violentas ocorridas com jovens entre 15 e 19 anos no país entre 2016 e 2020, são de negros.
“Pensar a juventude dentro da política institucional é trazer novas proposições que atendam aos interesses de uma maioria que hoje é marginalizada, assassinada, violentada pela polícia, estigmatizada pela sua orientação sexual, religiosidade e afins”, defende Gleide.
A insegurança da juventude negra e a importância da atuação coletiva
Entre as organizações que se estruturam com o objetivo de pautar a juventude e criar perspectivas de futuro, o grupo de Minas Gerais “Movimentação Juventude Negra Política” (JNP) encontra espaço para dar início às suas atuações em 2019.
Iniciativa dos ativistas Leonardo Marques e Dú Pente, que tinham como sonho transferir tecnologias cívicas e sociais para jovens lideranças negras das quebradas sociais para jovens lideranças negras das quebradas. A pauta principal é a incidência política sobre a distribuição, a movimentação visa urgente ocupação em espaços de decisão, por mulheres e homens negros, indígenas, jovens e o público LGBTQIA+.
A organização surge a partir do projeto “Juventude Negra Política, Jovens Negros Pensando o Futuro”, e hoje conta com 38 membros. Adriane Assis, 35 anos, coordenadora de comunicação da movimentação, conta que ao observar os resultados da experiência com o desenvolvimento dos jovens que passaram pelo projeto, não querem perder a oportunidade de seguir com a atuação.
“A insegurança é muito comum nos jovens negros que chegaram pra gente, mas não temos esse discurso de ‘vamos dar voz aos jovens negros’. Eles já têm voz, só precisam ser ouvidos, e a gente tem que saber aproveitar a potencialidade de cada um”, pontua Assis. A coordenadora já está caminhando para passar o bastão para sua sucessora de 23 anos, a estudante do 8º de jornalismo Milena Geovana.
Como membro do FFF e fundador de um instituto, Marcelo conhece a importância do trabalho em grupo. O ativista sempre chamou atenção para os processos de mudanças climáticas e como eles atingem cada território de maneiras diferentes, e foi pensando nisso que fundou o Instituto Ayika em agosto deste ano. No intuito de debater todos esses processos, buscando soluções a partir das juventudes (no plural), para destacar as diferenças entre juventude negra, branca, branca em contexto periférico, indígena, quilombola, e outras.
“Não tem como eu propor a mesma mudança para quem mora no 25º andar de um prédio de luxo, para alguém que está morando numa palafita. Enquanto a gente pensar a cidade apenas como contexto urbano e periferia, a gente está criando um equívoco na hora de construir uma cidade”, pontua. “A gente tem que pensar em territórios, porque cada pessoa vive o seu privilégio e a sua ausência de privilégio dentro desse espaço”, completa.
Já a JNP tem hoje ações como a “Bota a Cara”, que tem como objetivo produzir conhecimento e trocar experiências através de lives, onde os integrantes conversam com especialistas de diferentes regiões do país, e levantam temas atuais do cotidiano da juventude negra. Um segundo projeto organizado foi o “Jovem líder do futuro”, com formações virtuais nas áreas de autoconhecimento e liderança, práticas políticas e comunicação. Para que os workshops semanais ocorressem, a iniciativa custeou uma bolsa auxílio de internet no valor de R$100 para que os 17 jovens selecionados pudessem participar das formações.
Da juventude Para juventude
Para pensar políticas públicas efetivas cheguem para esse grupo da sociedade, a presença da juventude trabalhando em favor da juventude se torna indispensável. Fazer isso ocupando cargos de poder é um dos caminhos para isso.
Davis acredita que, hoje, a juventude vem tentando se colocar primeiramente dentro dos movimentos sociais. “A juventude meio que cansou. A gente tá aqui servindo de base política, fazendo candidatura, segurando bandeira de candidatos, que muitas vezes são eleitos e não atendem os nossos interesses”. A co-vereadora defende que a juventude da periferia tem muito a acrescentar para além dos relatos sobre vivências violentas, e muito a dizer sobre formas de fazer política.
Adriane Assis destaca a história da sua sucessora na JNP, Milena, como um dos exemplos de resultados do legado de aprendizado, construção política na movimentação, na construção de seu aprendizado. “É um movimento cíclico que vai e volta, e quando volta, vem maravilhoso. A gente trabalha com o contraponto de mostrar que é possível uma mulher negra está num cargo de poder, que é possível um homem negro ser eleito vereador”, finaliza.
Desafios e Esperança
Como uma mulher, jovem e negra, Gleide conhece bem os obstáculos que desmotivam seus pares a seguir pelo mesmo caminho. Entre eles, ser vista como alguém que não tem conhecimento político suficiente para ocupar o lugar que ocupa.
“Uma das minhas maiores reclamações é que eu sou muito chamada para falar sobre racismo, que é um assunto que não se esgota, óbvio. Mas eu estudo política institucional, conjuntura política, economia internacional, e não consigo ter uma imagem, um estereótipo de uma pessoa que tenha conhecimento suficiente para falar sobre”, desabafa a co-vereadora. Ela diz que ainda costuma ser descredibilizada pela idade. “‘Ah, mas você é tão novinha’, como se a gente estivesse lá brincando, quando na verdade isso tem custado muito de nós, inclusive nossa própria saúde mental”.
Mas nem tudo são espinhos. A oportunidade de compor uma mandata coletiva tem hoje para Davis o significado de experiência. Ela comenta que utiliza o espaço para pensar estratégias que tragam outros jovens para a política.
Justiça Climática e Racial: “A juventude não consegue perceber futuro”
Mas não é só a ocupação de espaços de representação política que estão mantendo a juventude atenta e preocupada. Existem outras fronteiras em que se fazem necessárias a luta por uma perspectiva de futuro.
A percepção de Marcelo sobre a importância de se mobilizar em prol dessas temáticas, se deu ainda na adolescência, no município de Mauá (SP). “Aquecimento global e mudanças climáticas são tratados como uma questão apenas ambiental, e se perde às vezes o processo socioambiental sobre mudanças climáticas. Que isso afeta cada pessoa, território e comunidade de forma diferente”, afirma. “Isso nos é negado enquanto informação, mas assim que eu descobri o quanto isso me afetava e às pessoas que estavam ao meu redor, isso começou a mexer muito comigo”.
Aos 14 anos, ele foi eleito conselheiro municipal de juventude da sua cidade, foi quando começou a se discutir a questão de trazer uma estação de tratamento de esgoto para o município O objetivo era começar a revitalizar o Rio Tamanduateí, que tem foz no Rio Tietê. A partir daí passou a entender a necessidade da preservação para aquele território.
“As previsões apocalípticas têm acontecido no cotidiano, e lutar pelo clima é lutar pela vida. E pelo bem viver, porque a gente quer viver, mas não de qualquer forma. Isso já era o mote da Marcha das Mulheres Negras lá em 2015. A gente quer poder pensar um futuro que seja construído a partir do lugar de trocas efetivas entre seres, que não parta do lugar da exploração da terra, das pessoas e do consumo desenfreado”, finaliza o jovem.