Por Matheus Souza
Realizado pela Fiocruz, o 1º Informe epidemiológico sobre a situação de saúde da juventude brasileira: violências e acidentes revela o quão acentuada é a desigualdade racial entre os jovens brasileiros quando o assunto é violência. A pesquisa faz parte da Agenda Jovem Fiocruz (AJF) e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) para 2025. A equipe de pesquisadores utilizou as bases de dados do SUS e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 e 2023.
Segundo o estudo, jovens negros representam 73% dos óbitos por causas externas na juventude – de 15 a 29 anos – totalizando mais de 61 mil mortes no período de 2022 a 2023. O estudo qualifica as causas externas em grandes grupos, como acidentes de transporte; lesões e acidentes; lesões autoprovocadas; agressões/homicídios; intervenções legais e operações de guerra; complicações da assistência médico-cirúrgica; entre outras.
O risco de morte por causas externas entre jovens homens negros chega a 227,5 para cada 100 mil habitantes, que é 22% maior que a taxa do conjunto da população jovem (185,5), e mais do que 90% maior que a taxa de mortalidade de jovens homens brancos e amarelos.
A diferença é ainda mais acentuada à medida que essa faixa etária cai para entre 15 a 19 anos. As taxas de mortalidade por causas externas para negros (161,8 óbitos para cada 100 mil habitantes) e indígenas (160,7) são praticamente o dobro das taxas para brancos (78,3) e amarelos (80,8).
A morte violenta atinge mais os jovens do sexo masculino, cuja taxa de mortalidade é oito vezes maior do que a das mulheres jovens. Entretanto, as maiores vítimas das violências notificadas pelo SUS são as mulheres, tanto em termos proporcionais como na taxa de incidência, em todas as Unidades da Federação (UFs), especialmente entre as mais jovens, de 15 a 19 anos. Agressões por arma de fogo e objetos penetrantes/cortantes são as principais causas de morte violenta entre jovens. Porém, entre as causas de óbito de mulheres jovens também se destacam a morte por enforcamento, estrangulamento e sufocação.
Para Gabriela Ashanti, advogada e ativista do Odara – Instituto da Mulher Negra, a pesquisa é importante para criação de políticas públicas voltadas à população negra no país. Porém ressalta que é imprescindível que o poder público não ignore os movimentos sociais que também atuam no levantamento de dados de diferentes grupos sociais.
“É importante que os dados produzidos pela sociedade civil que chegam às instituições públicas sejam olhados com atenção, pois nós que estamos aqui fazendo militância nos territórios é que sabemos como acessar determinadas dimensões da experiência desse sujeito que precisa de atenção”, afirma a advogada, que argumenta ainda que o racismo institucional está entranhado a nível municipal, estadual e federal, pois foi assim que o Brasil se constituiu enquanto nação. “Não há uma só instituição da administração pública que escape, ainda que alguns gestores tenham uma visão antirracista.”

Entre os fatores que contribuem para o panorama apresentado pela Fiocruz, a ativista pontua que os jovens negros estão em maior situação de insegurança social, mais expostos à violencia urbana, mais vulneráveis a cooptação por organizações faccionadas que realizam comércio ilegal de drogas e mais suscetíveis a abordagens policiais violentas.
A Bahia tem apresentado um escalonamento alarmante na morte desse grupo, principalmente no âmbito da letalidade policial. Segundo levantamento realizado no ano passado pelo Fundo da Nações Unidas Para a Infância (UNICEF), 9 em cada 10 adolescentes e jovens assassinados em Salvador são negros.
O instituto Odara, do qual Gabriela faz parte, acompanha de perto a realidade da população negra do estado e realiza ações preventivas com a juventude negra para o enfrentamento à violência a partir do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar. Entre as estratégias, está o trabalho com o acolhimento psicossocial a mães de vítimas de violência, especialmente policial, além de uma assessoria jurídica que realiza o acompanhamento dos casos. O Instituto também integra o Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia, produzindo documentos que mostram os contextos de violência nos estados do Nordeste.
“Trabalhamos para que esses jovens conheçam os próprios direitos, e saibam que determinadas situações são fruto de um fenômeno maior que uma violência focada no indivíduo”, finaliza.