Por Andressa Franco
Nas últimas semanas, o governo da Bahia comemorou os dados coletados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que apontaram uma redução nas mortes em ações policiais no último ano.
Segundo a pasta, o estado registrou 1.557 mortes em ações policiais no ano passado, contra 1.702 em 2023. O número de mortes vinha em rota ascendente desde 2015. A tímida queda coincide com o período em que as câmeras corporais nas fardas policiais passaram a ser implementadas.
Em nota, o Ministério Público da Bahia defendeu o uso do equipamento, mas chamou atenção para o fato de se tratar de uma medida que ocorreu de forma inicial e restrita, ou seja, ainda não seria possível estabelecer um vínculo direto entre seu uso e a redução das mortes decorrentes de intervenções policiais.
Para Dudu Ribeiro, diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e coordenador na Bahia da Rede de Observatórios da Segurança, é importante valorizar a queda dos números. Porém, alerta para a importância de também ter cautela na análise do que provoca essa queda, sob pena de deixar de fora elementos fundamentais e não conseguir fortalecer pontos da política [do uso das câmeras nas fardas policiais] que favoreça a continuidade dessa queda.
“Nos números da segurança pública é fundamental que haja uma manutenção de médio prazo para medir a efetividade da política do ponto de vista da redução real dos números de morte.”, explica.
Para ilustrar, Dudu lembra quando um agente da Polícia Federal foi morto em Valéria, bairro de Salvador, em 2023, desencadeando uma operação de vingança promovida pelas forças policiais naquele território. Como a operação influenciou no aumento do número de mortes por ações policiais entre agosto e setembro daquele ano, já era possível projetar que naquele mesmo período em 2024 haveria uma queda nos números, justamente pela ausência desse evento específico.
“É importante acompanhar a efetividade da implementação das câmeras, ampliar o alcance, a transparência e fazer um monitoramento contínuo, já que esses dados não são compartilhados com a sociedade civil, nem com as universidades. Então, nós temos uma dificuldade maior de fazer uma boa análise dessa queda”, acrescenta.
A adoção das câmeras corporais pelas tropas baianas é negociada desde a gestão do então governador, e hoje ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), que comandou o estado de 2015 a 2023. Depois de um processo de licitação conturbado, a aquisição do equipamento foi finalmente concluída em maio de 2024, pelo atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT).
Mas essa implementação é embrionária. O governo baiano adquiriu 1.100 câmeras e recebeu outras 200 do governo federal, que passaram a ser usadas por 10 unidades operacionais da Polícia Militar, em Salvador e Região Metropolitana. Em fase de testes, os equipamentos abrangem apenas uma pequena fração da tropa, que soma 33 mil agentes. Foi justamente em cinco dessas 10 unidades que a redução da letalidade foi observada.
Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o jornal Folha de S. Paulo descobriu ainda que no segundo semestre de 2024, as mortes por intervenção policial caíram 47% nas áreas onde os agentes usam câmeras corporais, em relação ao mesmo período de 2023, ou seja, antes da adoção da tecnologia.
Na capital baiana, os equipamentos foram adotados no batalhão do Centro Histórico e nas companhias dos bairros de Pirajá, Tancredo Neves, Liberdade, Pernambués, Boca do Rio, São Cristóvão e Itapuã, além das cidades de Candeias e Lauro de Freitas.
O bairro da Liberdade apresentou a queda mais expressiva no número de mortes em decorrência de ações policiais, caindo de 20 casos no segundo semestre de 2023 para 3 no mesmo período de 2024. Em paralelo, a letalidade cresceu nas áreas do Centro Histórico, Pernambués, Itapuã e São Cristóvão mesmo com o uso das câmeras. No total, foram 27 mortes em ações policiais nas dez unidades operacionais com câmeras no segundo semestre de 2024, contra 51 em 2023 nesse mesmo período.
Ainda assim, a Polícia Militar da Bahia, que completou 200 anos na última segunda-feira (17), permanece como a que mais mata no Brasil. O estado é seguido por São Paulo, com menos da metade do número de ocorrências (749), Rio de Janeiro e Pará. Não para por aí, a Bahia também lidera a maior quantidade absoluta de mortes violentas do país, seguido por Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Minas Gerais.
“Infelizmente, a Bahia vive uma crise que não é de gestão, mas sobretudo de model”, constata Dudu. O ativista ressalta que no acumulado dos últimos 20 anos, o mesmo projeto político à frente do estado não conseguiu oferecer à sociedade baiana um projeto alternativo de segurança pública centrado na proteção da vida. Pelo contrário, argumenta: reforçou a lógica do confronto, investiu de forma sistemática no militarismo e nas forças especiais, que são responsáveis por grande parte da letalidade, em detrimento das instituições de investigação.
“Isso, em conjunto com a reorganização geopolítica do tráfico de drogas e armas, tem impactado de forma significativa nos números da Bahia”, completa.
A despeito desse cenário de longa data, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, creditou a redução da letalidade a investimentos em tecnologia, capacitação das tropas e ações integradas com polícias de outros estados e forças federais. Destacando ainda o uso das câmeras de reconhecimento facial, cujo gasto chega a R$ 665 milhões, e resultou em pouco mais 1.100 prisões no ano passado e 185 pessoas presas em janeiro deste ano.
Para Dudu, trata-se de um investimento de alto custo e pouca eficiência.
“Quando se faz investimentos em política pública sem dados concretos, sem diálogo com outras instituições, sociedade civil e universidades, corremos o risco de investir muitos recursos em políticas pouco eficientes”, pondera o diretor executivo da Iniciativa Negra, que defende que é sim importante o uso das tecnologias na política de segurança pública, mas antes disso é preciso garantir a boa produção de dados, transparentes, robustos e detalhados. “É o que vai nos dar melhores condições de tomar boas decisões na política pública e fazer melhores investimentos.”