Por Matheus Souza
Nascida durante o conflito racial dos Estados Unidos na década de 1960, o Kwanzaa é uma festa de caráter religioso e político, que busca resgatar o papel histórico do povo africano e a necessidade de comunhão e memória na diáspora negra.
A criação da data é atribuída ao professor e ativista americano Maulana Karenga, que enxergava no Natal a predominância da cultura branca e procurava fortalecer aspectos culturais, econômicos e políticos da comunidade afro-americana. Após um massacre policial provocado por motivos raciais, o professor criaria a data como forma de reafirmação social, política e cultural.
Em 11 de agosto de 1966, Marquette Frye, jovem negro de 21 anos, foi detido por policiais brancos no distrito de Watts, em Los Angeles, acusado de dirigir embriagado. Na época, as Leis de Segregação Racial regiam a vida e cotidiano da população negra, que era reprimida pelo estado através da força policial, muitas vezes resultando em episódios de violência e fatalidades, o que tornou o caso a gota d’água que levou à revolta da população.
Foram seis dias de conflitos nas ruas, que terminaram com 34 mortos e mais de mil feridos. A tragédia serviu como impulso para que o professor Karenga criasse a cerimônia. O episódio ficou conhecido como “Os Tumultos de Watts”.
O Kwanzaa surge então como ferramenta de visibilidade à cultura negra dos EUA, que até então não tinha representatividade nas datas comemorativas e feriados no país. A festividade foi celebrada pela primeira vez de 26 de dezembro de 1966 a 1º de janeiro de 1967.
Espiritualidade e simbologia
Kwanzaa significa “os primeiros frutos” e tem origem Suaíli, a língua banta mais falada no continente africano, com aproximadamente 150 milhões de falantes.
Embora seja comemorado próximo do Natal, no dia 26 de dezembro, o Kwanzaa não foi criado para competir com a festa cristã. Apesar de não ser considerada uma data religiosa pelo seu fundador, o Kwanzaa adquiriu contornos espirituais ao longo dos anos, inspirado nas festividades e celebrações para colheita feitas por povos africanos, como Núbia, Ashanti e Zulu.
Baseados nos ideais desses rituais, Karenga desenvolveu os sete princípios “Nguzo Saba”, que representam os valores da família, comunidade e cultura para os africanos e toda a diáspora. São eles:
- Umoja: união
- Kujichagulia: auto-determinação
- Ujima: trabalho coletivo e responsabilidade
- Ujamaa: economia cooperativa
- Nia: propósito
- Kuumba: criatividade
- Imani: fé
O Nguzo Saba é representado por um castiçal com sete velas chamado kinara. Durante cada uma das sete noites, uma das vela é acesa. As velas possuem as mesmas cores que a bandeira do Kwanzaa: três vermelhas (à esquerda – representando a luta), três verdes (à direita – representando a esperança) e uma única vela preta, que é colocada no centro – representando o povo.

Cada uma das diferentes partes do castiçal é acesa durante um dia da celebração:
- As três velas vermelhas representam Umoja, Kujichagulia e Ujima, e pertencem aos dias 26, 27 e 28 de dezembro, respectivamente.
- A vela preta central é Ujamaa, e é acesa no dia 29 de dezembro.
- As três velas verdes restantes são: Nia, Kuumba e Imani, acesas nos dias 30 e 31 de dezembro, e 01 de janeiro, respectivamente.
Existe, além do ritual simbólico do castiçal, uma rotina de reflexões, saudações e atividades que buscam explorar os princípios da festividade. No primeiro dia do Kwanzaa, 26 de dezembro, o líder ou ministro convida todos a se juntarem e os cumprimenta com a pergunta oficial: “Habari gani?” (O que está acontecendo?), à qual os presentes devem responder com o nome do primeiro princípio: “Umoja”.
O ritual é repetido em cada dia de celebração do Kwanzaa, mas a resposta muda para refletir o princípio associado àquele dia. No segundo dia, por exemplo, a resposta é “Kujichagulia”. Em seguida, a família diz uma prece. Depois, eles recitam um chamado de união, Harambee (Vamos nos Unir).
A libação – o ato de derramar algum líquido, como água ou vinho, em oferta à divindades ou antepassados – é então realizada por um dos adultos mais velhos, e uma pessoa, geralmente a mais jovem, acende uma vela do Kinara. O grupo discute o significado do princípio do dia e os participantes podem contar uma história ou cantar uma música relacionada a esse princípio. Os presentes são oferecidos um a cada dia ou podem ser todos trocados no último dia do Kwanzaa.
O banquete, ou ceia, do Kwanzaa é no dia 31 de dezembro. Além da comida, o dia também é reservado para cantar, rezar e celebrar a história e a cultura do povo africano.
No dia 1º de janeiro, o último dia do Kwanzaa, é um momento de reflexão para cada um e para todo o grupo. A última vela do Kinara é acesa e então todas as velas são apagadas sinalizando o fim do feriado.
Kwanzaa no Brasil

No Brasil, o Kwanzaa ainda é pouco conhecido e restrito aos pan-africanistas, um movimento político, social e filosófico que busca a harmonia entre os povos africanos e a diáspora.
Muitas vezes, as celebrações do Kwanzaa no Brasil podem conter adaptações à cultura e costumes locais, exaltando as tradições afro-brasileiras. A comida, por exemplo, pode incluir pratos tradicionais afro-brasileiros, como acarajé, vatapá, feijoada e outros pratos à base de dendê, inhame e coco. As danças tradicionais, como o samba de roda, podem ser parte das cerimônias.
Em um país tão influenciado pela cultura africana, e carente de consciência racial, o Kwanzaa funciona como uma ferramenta de conexão e troca entre povos irmãos, oriundos de uma mesma terra. Através da festividade é possível homenagear o legado àqueles que deram origem à esse sentimento de irmandade, e influenciar positivamente a nova geração com os valores por eles deixados.
Para os interessados em participar e celebrar o Kwanzaa na Bahia, o grupo Irmandade Afrikana Asantewaa promove encontros anuais para construir, celebrar e refletir sobre os princípios que regem a data.

