Lideranças indígenas da Bahia protestam em Brasília contra ataques e morosidade na demarcação de terras

Em audiência com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, os indígenas ouviram que a demarcação não pode avançar enquanto o Supremo Tribunal Federal não decidir “quem tem razão”

Por Andressa Franco

Na manhã desta quinta-feira (13) cerca de 200 indígenas dos povos Pataxó e Tupinambá, originários do sul e extremo sul da Bahia, realizaram um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília (DF). 

Desde o início da semana, organizações e lideranças indígenas da Bahia estão na capital federal denunciando os recentes ataques sofridos e cobrando a regularização fundiária das Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte, localizadas nas regiões Sul e Extremo Sul do Estado da Bahia.

Em audiência pública no Auditório Juscelino Kubitschek, da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na última terça-feira (11), foram denunciadas as consequências sofridas por esses territórios. Há mais de uma década os indígenas aguardam a publicação das portarias declaratórias, essenciais para garantir a posse permanente dos povos.

Enquanto o processo permanece paralisado, invasores seguem ocupando ilegalmente as terras, desmatando as florestas e agravando os conflitos e a violência na região. Se tratam de territórios já demarcados, que dependem apenas da assinatura da portaria pelo Governo Federal para oficializar a posse dos povos indígenas. 

“A audiência pública é um instrumento para dar visibilidade às questões que vêm ocorrendo nos territórios indígenas. Mas nós clamamos também os encaminhamentos”, enfatizou em sua fala na audiência Dinamam Tuxá, militante social indígena, advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). 

“Temos portarias declaratórias na iminência de ser assinadas, não há impedimento técnico, mas político. Precisamos que sejam encaminhadas medidas para superar essas interferências em processos que tem ocasionado um aumento significativo da violência, como aconteceu nessa madrugada”, completou.

Ele se refere ao assassinato do indígena Vitor Braz na noite da última segunda-feira (10), durante um ataque contra a comunidade Pataxó no Território Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, na região de Porto Seguro (BA). Vitor foi vítima de disparos de arma de fogo, que deixaram outro indígena ferido. O crime ocorreu na área de retomada do território, que está em processo de demarcação.

Enquanto acontecia a Audiência Pública em Brasília, houve a denúncia de mais um ato de violência ao povo Pataxó, no Território de Comexatibá, extremo sul da Bahia: a casa do Cacique Gilmar, da Aldeia Monte Dourado, foi incendiada.

Não são casos isolados. De acordo com o ‘Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2023’, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a morosidade na demarcação de terras representaram a maioria dos registros de violência contra os povos indígenas em 2023.

“Compete ao governo federal um posicionamento mais claro das instituições sobre o que está sendo feito para sanar tal violência e que medidas vão ser tomadas a partir de agora. Porque não há um retorno a contento para conter tais violações de direitos”, concluiu Dinamam. 

Ministro da Justiça afirma que demarcação não pode avançar enquanto STF não decidir “quem tem razão”

Das articulações feitas através da sessão, as organizações e lideranças conseguiram audiências com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que anunciou a criação de um gabinete de crise com prioridade para o Sul da Bahia.

Foi também realizada uma audiência com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável por declarar os limites das terras indígenas e determinar sua demarcação física. No entanto, segundo o relato de uma fonte que participava da reunião, o ministro da pasta, Ricardo Lewandowski, chegou duas horas depois do horário marcado. Ao chegar, informou que não poderia ficar muito tempo, pois iria para uma festa árabe, que integrava o calendário do Ramadã, como forma de demonstrar o repúdio do Brasil à Guerra na Palestina.

Também afirmou que não assinaria nenhuma portaria nesse momento, por conta de um processo que está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Eu sei que vocês estão aguardando a demarcação, mas ela não pode avançar enquanto o STF não decide quem tem razão. Ou sem essa lei editada pelo Congresso Nacional, que reconhece o marco temporal. Enquanto essa lei não for derrubada pelo STF, nós, que temos que seguir a lei, temos que aguardar a solução do caso”, declarou.

Trata-se da Lei 14.701, de outubro de 2023, que reconhece a tese do Marco Temporal. Segundo ela, os povos indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já estavam habitando em 5 de outubro de 1988, desconsiderando os milhares de povos que foram expulsos dos seus territórios.

Em abril de 2024, o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu todas as ações judiciais do país que questionavam a constitucionalidade da lei do marco temporal e em agosto deu início à Comissão Especial. Mas logo na segunda sessão, representantes da Apib deixaram a Comissão, argumentando que a tentativa de conciliação era forçada, e denunciando a falta de paridade e de ambiente para um acordo.

O projeto recentemente apresentado pelo ministro Gilmar Mendes na Comissão propõe inclusive que, em troca da extinção do marco temporal, medidas como a autorização da mineração em Terras Indígenas; restrições ao processo de demarcação; indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua; realocação de comunidades indígenas e o uso da Polícia Militar em despejos de retomadas. A proposta tem sido amplamente rejeitada por organizações indígenas e indigenistas.

Quatro lideranças foram ouvidas por Ricardo Lewandowski, e todas pontuaram que a vida dos indígenas “não valia de nada”, porque ele estaria mais preocupado com o Ramadã, enquanto os assassinatos estão acontecendo. Indígenas que estavam presentes, receberam ainda a informação de que, enquanto ocorria a audiência, mais de 40 homens armados, do Movimento Invasão Zero, estariam no Território Barra Velha. Eles se levantaram antes do fim da sessão, “como protesto ao desrespeito”.

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