Mais de 67% das pessoas trans sofrem com exclusão familiar e violência policial 

Dados da ANTRA mostram que, apesar de redução, país ainda lidera na violência contra a população trans
Imagem: Afirmativa

Por Matheus Souza

Segundo o Dossiê Trans 2025, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 67% das pessoas trans e travestis são expulsas de locais públicos, além de sofrerem violência verbal (85%); mau-tratos em serviços de saúde (74%); violência física (78%); violência sexual (72%); agressão pela polícia (68%) e exclusão familiar (71%). Os números alarmantes refletem o avanço da agenda anti-trans no Brasil, impulsionada pelo acirramento do conservadorismo político e pensamento de extrema-direita ao redor do planeta.

No documento, a presidente da organização, Bruna Benevides, explica como o cenário brasileiro de retrocesso nos direitos de pessoas trans e travestis é reflexo da empreitada reacionária que acontece em todo o mundo. “Testemunhamos o mesmo projeto que neste momento está vigente nos EUA com uma enxurrada de projetos de lei antitrans, sob a justificativa de proteger a ‘moral e os bons costumes’ ou ‘os direitos das mulheres e meninas’, e que na verdade visam restringir direitos fundamentais das pessoas trans”, afirma.

Bruna Benevides presidente da ANTRA- Imagem: Arquivo Pessoal

De acordo com dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, colhidos pelo Disque 100, o número de ocorrências de violência contra a população trans cresceu 45% e o de violações aumentou 73% ano passado, em relação a 2023. Em 2024 foram registradas 1.713 denúncias e 22.293 violações.

Em novembro do mesmo ano, o Brasil alcançou, pela 16ª vez seguida, a marca de país com mais assassinatos de pessoas trans do mundo. Os dados são da ONG Trans Murder Monitoring, que mostram 350 mortes de pessoas trans no planeta entre setembro de 2023 e outubro de 2024, 30% delas ocorridas no Brasil.

Eunico Eunice, jovem trans de 25 anos, oriundo do Jardim São Luís, extremo sul da zona sul de São Paulo (SP) e atualmente morador de São Félix (BA), explica como essa é uma realidade comum para essa parcela da população. “Geralmente o ambiente familiar é o primeiro a te rejeitar, pelo menos no meu meio social, quase todos meus amigues ao transacionar foram expulsos de casa, ou sofreram transfobia até fugir”, desabafa.

Eunico Eunice – Imagem: Arquivo Pessoal

No mercado de trabalho, até ter a chance de conseguir uma entrevista de emprego, cerca de 79% das pessoas trans são discriminadas apenas na etapa da procura. Uma vez dentro das empresas, pelo menos 71% afirmaram sofrer discriminação ou serem logo demitidas. 

“Ter oportunidades e espaços onde eu pense primeiro no meu crescimento como pessoa/profissional e depois talvez quem sabe pensar no meu recorte de gênero me dá respiro. É emocionante você chegar nos lugares e ver seu semelhantes ocupando cargos dignos ao invés de estar na rua”, relata Eunico.“As pessoas precisam entender que dar espaço e oportunidade para pessoas trans não é sobre cumprir cotas, é sobre mudar estatísticas e reparar historicamente todo o apagamento”,complementa.

Transfobia e Racismo

O Brasil é pelo 16º ano consecutivo o país que mais assassina pessoas trans no mundo, e o perfil das vítimas continua sendo o mesmo: majoritariamente jovens trans negras, empobrecidas, nordestinas e assassinadas em espaços públicos, com requintes de crueldade.

Em 2024, dentre os 86 casos em que foi possível determinar a raça/cor das vítimas, foi observado que pelo menos 67 casos, 78% das vítimas, eram pessoas trans negras. 

Para além da violência familiar e das micro e macro violências cotidianas, o estado, que em hipótese deveria defender esses indivíduos, acaba muitas vezes por reforçar as agressões sofridas por essas pessoas diariamente. Quando um corpo trans, já marginalizado, é atravessado por outros marcadores sociais, como a pele negra, a situação fica ainda mais complexa.

“Cansei de ver abordagens violentas. Já passei por abordagens que poderiam ser denominadas assédio, e quando colocamos o recorte de além de ser trans ser um corpo preto tudo fica mais difícil”, conta Eunico, pontuando que a vítima violentada pela polícia dificilmente irá procurar apoio em uma delegacia. “A verdade é que essa polícia feita para nos defender é a que nos mata.”

Como aponta o dossiê, travestis e pessoas trans são frequentemente recebidas muito mais como suspeitas do que como queixosas ou testemunhas. Isso as desencoraja de recorrer à Justiça ou às forças policiais. Nos casos em que os autores fazem parte da força policial, isso também coloca em risco a vida daqueles que tentam solucionar o crime.

“O projeto de erradicação da população trans no Brasil tem falhado porque, mesmo diante de um cenário marcado por ataques e retrocessos, a comunidade trans está organizada, consciente e fortalecida em mais de 30 anos de luta, que marcam a própria história da ANTRA”, afirma Bruna Tavares.

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