Por Késsia Carolaine e Luana Miranda
No dia 12 de agosto, comemora-se o Dia Internacional da Juventude. Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999, a data surgiu como resposta às deliberações da Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude, realizada em Lisboa em 1998. Apesar da criação desse marco, a juventude – especialmente a negra – quase não é o centro de discussões de políticas públicas.
No Brasil, conforme estabelece o Estatuto da Juventude, os jovens são classificados como pessoas na faixa etária de 15 a 29 anos. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, o país abriga aproximadamente 48 milhões de jovens, o grupo corresponde a 23% da população total. De acordo com o Atlas das Juventudes, 61% desses jovens são negros. Esses números são em parte responsáveis pelo chamado “bônus demográfico”, quando a população em idade ativa, incluindo os jovens, corresponde a maioria de um país. Esse fenômeno é considerado uma janela de oportunidade para o crescimento social e econômico.
Mas, para que isso ocorra, são necessários incentivos e espaços propícios para o desenvolvimento e atuação dos jovens, e o racismo é um dos principais obstáculos nessa conta.
O Índice de Vulnerabilidade da Juventude Negra à Violência (IVJ-N 2024) – ferramenta de monitoramento das condições de vida dos jovens negros no Brasil – aponta que nos últimos 10 anos cerca de 229 mil adoslecentes e jovens negros foram assassinados. Em comparação com jovens brancos, negros tem 3,2 vezes mais risco de serem vítimas de homicídio. E nem mesmo a escolaridade os protege. Jovens negros na universidade tem 2 vezes mais chances de serem mortos do que jovens brancos.
Esses dados são reiterados e atualizados pelo Atlas da Violência de 2025, que indica que 79% das vítimas de mortes violentas intencionais em 2024 eram negros. Na faixa etária de 15 a 19 anos, a letalidade entre negros é 4,5 vezes maior do que entre brancos.
Ao pensar nas condições de vida da juventude negra no Brasil, a situação toda ganha uma nova camada ao incluirmos a intersecção de gênero na equação. Os dados da Síntese de Indicadores Sociais, divulgada IBGE em 2023, registram que 22,3% dos jovens do país não estudam nem trabalham, desses, 43,3% são mulheres negras. Fenômeno diretamente influenciado pelo fato das mulheres serem as principais responsáveis pelas atividades de manutenção do lar e pelos cuidados dos seus familiares. Trabalhos que não são remunerados e que são pouco valorizados socialmente. Entre os 4,7 milhões de jovens que não procuraram trabalho, 2 milhões são mulheres cuidando de parentes e dos afazeres domésticos.
Também são as mulheres negras que seguem como as principais vítimas de violência contra a população feminina. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 apresenta que 63,3% das vítimas de feminicídio são negras.
Construindo futuros
Quando se é jovem, há uma certa pressão para fazer “a coisa certa”, pois sempre se ouve dos mais velhos que a juventude é o futuro. Mas como construir esse futuro quando milhares de jovens negros são mortos pela polícia todos os dias? Como ter esperança em dias melhores, se meninas e jovens negras lideram persistentemente as estatísticas de violência e feminicídio?
É para buscar soluções para essas questões que jovens negras do país inteiro estão se reunindo e se preparando para a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que acontecerá no dia 25 de novembro, em Brasília (DF). Mulheres que carregam o legado de suas ancestrais na luta pela construção de um país melhor para a juventude e população negra.
“As nossas mais velhas lutaram bastante e continuam lutando, mas acho que a gente está aqui para dar esse gás e levar nossas perspectivas para além dessa missão de continuidade. Para nos formar politicamente e saber dos problemas que a gente vive e dos direitos que a gente tem”, declara a estudante Raíra Zahara, jovem negra de 17 anos, sergipana, candomblecista, bissexual e comunicadora na Redes de Mulheres Negras do Nordeste.

Zahara segue o legado da mãe, uma ativista e educadora popular negra. Cresceu em meio aos movimentos sociais e permanece neles. Hoje, atua na produção de material gráfico para as redes sociais, na construção de metodologias para as atividades e se for preciso, brinca a estudante, “até de cirandeira a gente acaba contribuindo”. Em preparação para a Marcha, a jovem comunicadora passou a integrar o GT de Juventudes da Rede de Mulheres Negras do Nordeste. “É um momento muito emocionante. Eu já tinha experiência de construir entre mulheres negras, mas construir entre jovens negras tem sido maravilhoso, assim como participar ativamente da preparação da Marcha e do nosso Bem Viver.”
Juventudes em Marcha

No dia 18 de novembro de 2015, ocorreu em Brasília (DF) a Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem-Viver. O evento reuniu cerca de 100 mil mulheres de todo o país. Entre cantos e palavras de ordem, as manifestantes dirigiram-se à capital não apenas para lutar por seus direitos, mas também pelos de seus filhos e filhas.
Neste ano, as mulheres negras voltarão a se reunir em Brasília, dessa vez, dando continuidade a uma luta histórica por Reparação e Bem Viver. Entre as participantes estará Janaína Omnirá, de 20 anos, natural de São Luís (MA). Ela integra a Rede de Mulheres Negras do Nordeste desde o início deste ano, como integrante da Escola de Ativismo e Formação Política Beatriz Nascimento de jovens ativistas negras do Nordeste.
Desde criança, Janaína via sua mãe, que trabalhava na Secretaria de Estado da Mulher do Maranhão, envolver-se em diversos movimentos sociais, principalmente o movimento negro e feminista. “Quando eu tinha por volta de oito anos, fizemos uma viagem pelo interior, cidades bem remotas, às vezes sem internet, tecnologia, eletricidade, para falar com as mulheres sobre violência”, lembra. Foi acompanhando sua mãe e vendo-a tão de perto que Janaína percebeu que sua voz e suas ações poderiam ser importantes na luta contra a misoginia e o racismo.
Estudante de Relações Internacionais, Janaína percebeu por meio de sua formação, que poderia contribuir para mudanças significativas. Este ano, ela participou do curso “Comunicação como Estratégia de Prevenção e Enfrentamento às Violências Contra Mulheres Negras”, promovido pela Rede de Mulheres Negras do Nordeste. Ao final do curso, Janaína produziu um artigo em que discute o tratamento da imprensa sobre a violência contra mulheres negras.

O período escolar para muitas meninas negras é difícil e doloroso, devido às diversas violências, implícitas ou explícitas, sofridas nessa fase. Com Janaína, que estudava em uma escola particular, não foi diferente. Foi nesse período que ela começou a lidar com questões de autoestima. Após suas experiências no ambiente escolar, a maranhense começou a ter interesse e a participar ativamente de coletivos e movimentos sociais. Foi também nessa época que ela entendeu a importância da autoestima e do amor-próprio, principalmente para meninas e mulheres negras.
A estudante de relações internacionais está desde janeiro acompanhando a organização das mulheres do seu estado para a 2ª Marcha das Mulheres Negras. Nessa articulação, é importante a participação de meninas e mulheres de todo o país. Para Janaína, a juventude negra tem um papel importante para isso. “A juventude tem o papel de perpetuar essa luta. A gente é jovem por enquanto. A gente também tem o papel de rejeitar as ideias conservadoras da nossa geração. Eu diria que essa é uma das partes mais difíceis”, reflete. Ela complementa dizendo que as meninas mais novas devem continuar na busca pelos seus direitos e de espalhar a mensagem de luta e resistência.
Nem sempre o impulso para a atuação ativista parte do seio familiar. No caso de Eduarda Oliveira, jovem negra de 23 anos, estudante de psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e trancista, o engajamento para os trabalhos sociais começou a partir da igreja. Foi aos 15 anos, em uma atividade da paróquia no Quilombo Pontal da Barra, em Sergipe, que a estudante começou a ter contato com o letramento racial e a entender o que era de fato ser uma mulher negra.
“Acho que foi aquele momento em que você olha e percebe que se eu não modificar essa realidade, estou fadada a violência submetida às mulheres negras. Esse foi o processo de retomada da minha identidade, da minha raiz. No momento, eu também estava passando pela transição capilar”, lembra.

Atualmente candomblecista, Duda, como é conhecida nos movimentos sociais, integra o GT de Juventudes da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, e a Rede de Mulheres Negras de Sergipe. A trancista acredita que a participação da juventude é essencial para dar continuidade à transformação social e para trazer novas perspectivas de vida para essa parcela da população.
“É comum ver pessoas jovens negras sem sonhos, sem perspectivas, porque o racismo é uma máquina de moer gente, tratora todo mundo e nos empurra a acreditar que não existe futuro possível. Estar organizada em um movimento traz um sentido coletivo para a vida, impulsiona para outros caminhos”, afirma a ativista.
Sobre a experiência da juventude negra, Duda avalia que é um momento delicado para uma população que sofre com altos índices de violência, de mortalidade, de perseguição e de questionamento social. Para ela, se juntar à Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver é uma maneira de construir outra sociedade. “Estamos construindo uma vida em que a gente tenha acesso à saúde, à educação, ao lazer, à cultura. À uma vida digna, com direitos, uma vida em abundância”, conclui.