Por Jamile Novaes / Instituto Odara
Imagem: Beatriz Sousa
Na tarde da última segunda-feira (7), um grupo de manifestantes se reuniu na comunidade da Gamboa de Baixo, em Salvador (BA), para pedir justiça pelo assassinato de três jovens negros. O ato aconteceu entre 12h e 16h, fechando as duas pistas de acesso da Avenida Contorno.
Alexandre Santos dos Reis (20), Cleverson Guimarães (22) e Patrick Souza Sapucaia (16) foram mortos a tiros pela Polícia Militar da Bahia na madrugada de 1º de março.
O “Ato em Memória das Vítimas da Chacina da Gamboa de Baixo” foi convocado pela Associação de Moradores Amigos de Gegê da Gamboa de Baixo, mães e familiares das vítimas e contou com o apoio e a presença da Articulação Centro Antigo, Unzô Kessimbi Amazi, Coalizão Negra por Direitos e Ideas Assessoria Popular. Também estiveram presentes parlamentares municipais e estaduais e ativistas de diversos segmentos do movimento negro baiano.
A covereadora Laina Crisóstomo, da Mandata Coletiva Pretas Por Salvador (PSol – Ba), acompanhou a manifestação e criticou a ação violenta da polícia e a conivência do governador da Bahia, Rui Costa (PT – Ba). Ela ressaltou os altos índices de letalidade da polícia militar baiana e afirmou que é necessário que a “Corregedoria (da Polícia) analise, avalie e puna efetivamente, que esses policiais percam a farda e que possam ser punidos pela justiça comum, que infelizmente deixa muito a desejar, pois, é uma justiça extremamente corporativista”.
A equipe do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Odara – Instituto da Mulher Negra, também esteve presente no ato para apoiar a denúncia. Hildete Emanuele Nogueira, coordenadora do projeto, apontou a falta de políticas públicas de valorização da juventude negra nas comunidades periféricas e falou sobre o acolhimento que precisa ser feito para com as mães e familiares de vítimas do Estado:
“Através do Projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar temos buscado fortalecer as mães desses jovens para que as mesmas façam as denúncias necessárias. A nossa presença no ato demarca que estamos ao lado das mães e da comunidade da Gamboa, que choram mais três mortes pela mão armada do Estado”, disse.
“Efeitos colaterais”
Seguindo o script de sempre, a polícia classificou a operação do dia 1º de março na Gamboa como um auto de resistência, afirmando que os policiais foram recebidos a tiros quando entraram na comunidade e apenas revidaram. O comandante-geral da PM, coronel Paulo Coutinho, chegou a dizer que lamenta profundamente o ocorrido e se referiu às mortes como “efeitos colaterais” da operação.
A comunidade, no entanto, vem denunciando o cenário de guerra vivenciado durante a madrugada em que tudo aconteceu. Eles contam que a polícia já chegou disparando tiros e bombas de gás de forma indiscriminada, e só parou depois que moradores de prédios das redondezas começaram a se manifestar.
“Parecia uma guerra… A gente queria sair, mas tinha medo. A nossa sorte foi que o pessoal do prédio começou a ligar a luz e conseguiram trazer a imprensa, porque a gente ligava e eles não vinham”, contou Ana Cristina da Silva Caminha, moradora e presidente da Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa.
Ana Caminha relatou ainda que as práticas de violência policial são recorrentes na comunidade e que policiais “batem e violentam mulheres, mas tem tempo que não acontece uma coisa nesse nível”. Os moradores da Gamboa agora convivem com o medo de que haja um revide e outras pessoas sejam vitimadas pela polícia:
“As pessoas estão com medo de ficar aqui na Gamboa, o medo está instalado. Nesse momento a gente precisa de força, de união para que tenha segurança e não precisemos abandonar nossa casa, nossa comunidade”, contou Ana Caminha.
Partida precoce
Durante a manifestação, Alana de Carvalho, a Mametú T’ Nkissido do Terreiro Unzô Kessimbi Amazi, se posicionou no meio do cordão humano formado na Avenida Contorno e realizou um ritual religioso em memória das vítimas. Revoltada e emocionada, ela espalhou fotografias de Alexandre, Cleverson e Patrick pelo chão, saudou os Orixás e falou sobre as vidas que foram interrompidas repentinamente:
“Esse ato representa o acalanto da ancestralidade diante dessas vidas que foram tiradas de forma tão cruel”.
Mametú T’ Nkissido estava especialmente tocada ao falar sobre Patrick, seu filho de santo, iniciado para o Nkissi Luango desde os 11 anos de idade. Ela descreveu Patrick como um menino cheio de sonhos e riso extrovertido. O garoto de 16 anos era microempreendedor e vendia roupas, bonés e outros produtos pela internet.
A mãe de santo denunciou a omissão do Governo e do Conselho Tutelar, que segundo ela, até o momento não havia sequer procurado as famílias (de sangue e de santo) para prestar qualquer tipo de acolhimento.
Assim como Mametú T’ Nkissido, seguimos nos perguntando “até quando não iremos poder ver nossos jovens completar os 18 anos?”.