Movimento Negro Evangélico pede à igreja protestante que abra arquivos sobre  período da escravidão

A campanha “388 anos de escravidão: e a igreja com isso” também solicita às instituições religiosas um pedido oficial de perdão ao povo negro brasileiro

Por Elizabeth Souza

Com o intuito de romper o silêncio sobre a participação da igreja protestante no período escravocrata no Brasil, o Movimento Negro Evangélico (MNE) lançou o manifesto “388 anos de escravidão: e a igreja com isso”. Buscando ampliar os conhecimentos acerca de um dos períodos mais violentos e sanguinários da história humana, o MNE cobra da igreja a abertura de arquivos da época da escravidão e também um pedido público de perdão ao povo negro brasileiro. 

“Entendemos que a escravidão colonial, foi um dos maiores crimes da história da humanidade (…) responsabilizar as instituições que lucraram e se beneficiaram do sistema escravocrata e defender a reparação dos povos escravizados como um direito fundamental para conseguirmos construir um país mais justo e igualitário que tem um compromisso radical com a justiça social”, diz trecho do documento, que pode ser assinado aqui

A iniciativa, publicada no dia 13 de maio – data que marca a “Abolição” da escravatura no Brasil – tem como objetivo reparação e memória, compreensões expandidas através da Conferência Mundial das Nações Unidas de 2001 contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância, ocorrida em Durban, na África do Sul. Durante a ocasião  foram adotadas a Declaração e Programa de Ação de Durban, documentos que apresentam iniciativas internacionais de combate ao racismo. 

“Ela emerge, assim, como um grande debate e como a grande provocação dos afrodescendentes, em diáspora pelo mundo. A partir da compreensão de que sem memória e verdade, a gente não consegue alcançar nunca a reparação”, explica Zé Vitor, coordenador de Incidência Política do MNE. 

Articulação

Nesse sentido, o manifesto “388 anos escravidão: e a igreja com isso” é imperativo ao enxergar na memória e reparação ferramentas indispensáveis para a pavimentação de caminhos rumo à efetivação de direitos que historicamente foram negados ao povo negro no Brasil. 

De acordo com Zé Vitor, já foram realizadas 12 atividades em oito estados brasileiros. “Já tivemos o aceite da disponibilização dos arquivos mais antigos da Igreja Anglicana do Brasil. Já começamos o processo para ter acesso aos documentos”, revela o coordenador de Incidência Política do MNE. Ele informa que o manifesto foi entregue à Bispa Primaz anglicana, maior autoridade da igreja no Brasil. 

Zé Vitor, coordenador de Incidência Política do MNE – Imagem: Arquivo Pessoal

Também foi apresentada ao MNE a opção de acessar arquivos da Capelania Britânica, instituição que chegou ao Brasil antes da Anglicana. “Demos início ao processo de diálogo sobre isso”, adianta. Além disso, foram feitos contatos com as igrejas Metodista e Luterana, estando estas em fase de diálogo. “⁠Ainda falta avançarmos de maneira oficial com os batistas, presbiterianos e congregacionais”, completa Zé Vitor.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças negras foram sequestradas de África e servidas como mercadorias no Brasil, país do continente americano que mais importou pessoas escravizadas. 

“Eu acho que essa campanha é importante para a comunidade negra brasileira, porque ela elucida esse nosso capítulo da história, que tem sido construído historicamente a partir de uma narrativa única”, destaca Zé Vitor, em uma compreensão partilhada por Flávia Rios, professora de sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Afro/Cebrap.

Flávia Rios, professora de sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Afro/Cebrap Imagem: Arquivo Pessoal

“Por isso é fundamental ter acesso aos documentos vinculados às igrejas protestantes. São esses documentos de batismo, que costumam ter informações sobre maternidade, paternidade, filiação. Ter informações sobre cartas que eram enviadas entre pastores, membros da igreja e autoridades religiosas”, analisa. “É importante também saber sobre títulos de propriedade das igrejas em relação às pessoas escravizadas, os vínculos de trabalho que eventualmente foram se constituindo no contexto da escravidão e suas transformações ao longo dos anos”, completa. 

Pedido de perdão

Além do acesso aos arquivos históricos, a campanha do MNE também pede à igreja protestante um pedido oficial de perdão ao povo negro brasileiro pela participação e incentivo ao sistema escravagista no Brasil. “Essa é uma importância simbólica e diversas dessas denominações já se manifestaram pedindo perdão em outros países. Isso é importante, mas é só o ponto de partida  para uma longa jornada de busca por reparação para essa população negra que segue alijada de uma série de direitos, inclusive dentro dos próprios espaços religiosos”, avalia Zé Vitor. 

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