Por Matheus Souza
Após representação feita pelo movimento Quilombo Raça e Classe (QRC), o Ministério Público Federal (MPF), intimou e deu prazo até 15 de setembro de 2025 para que a Caixa Econômica Federal informe quais medidas adota para organizar, catalogar e digitalizar seu acervo histórico referente ao destino das poupanças abertas por indivíduos escravizados no país no século XIX.
Uma audiência realizada no dia 15 de agosto debateu a respeito da retenção dos valores após a Abolição e a responsabilidade do Estado e das instituições financeiras na perpetuação do sistema escravista. Representantes da Caixa, do movimento social QRC e a historiadora Keila Grinberg (UNIRIO/Universidade de Pittsburgh) participaram da reunião.
O Movimento QRC declarou que o Estado brasileiro e as instituições econômicas, como o Banco do Brasil e a Caixa, cooperaram com a escravidão por meio do financiamento do tráfico e da coleta de recursos de escravizados por meio da poupança.
Segundo o procurador da República Julio José Araújo Júnior, responsável pelo inquérito, a investigação busca esclarecer não apenas o destino dos recursos, mas também preservar a memória histórica do processo. “Onde estão essas poupanças, esses recursos, e a eventual responsabilidade de quem deixou de repassá-los? E o acesso à informação por descendentes e por toda a população em relação a um fato tão relevante”, afirmou ao G1.
A Caixa Econômica foi criada em 1861, dez anos antes da lei do Ventre Livre ser aprovada. Com a nova legislação, o Estado passou a permitir que pessoas escravizadas pudessem ter poupança em instituições financeiras. Com o dinheiro, elas poderiam comprar a própria alforria, documento que concedia a liberdade. Sobre o inquérito, a instituição afirmou em declaração ao UOL que “antes mesmo da Lei do Ventre Livre, já permitia a abertura de poupança para compra da carta de alforria pelas pessoas escravizadas”
A Caixa informou ainda que a documentação do Acervo Caixa, responsável pelo armazenamento e catalogação dos documentos, não identifica, em pesquisas feitas até o momento, nenhuma conta de escravizado que tenha sido sacada pelo seu senhor após a abolição.
Banco do Brasil
Um dos precedentes para a intimação foi o inquérito aberto pelo MPF contra o Banco do Brasil em 2023. Na época, o Ministério Público questionou as ligações da instituição com o comércio de indivíduos africanos escravizados. A investigação é baseada no estudo de 14 pesquisadores de universidades brasileiras e americanas. Eles revelaram ligações do BB com o comércio de africanos escravizados.
Ainda em 2023, o MPF abriu uma consulta pública para receber da sociedade civil sugestões de reparação que possam ser realizadas pelo banco estatal. Foram obtidas mais de 500 propostas, apresentadas por 37 entidades, entre elas o Movimento Negro Unificado (MNU), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil), universidade e grupos culturais e religiosos.
Em maio deste ano, o MPF reforçou a cobrança para que o Banco do Brasil (BB) apresentasse ações de reparação à população brasileira afrodescendente. A instituição financeira reconhece que teve ligação com a escravidão e, em novembro de 2024, emitiu um pedido público de desculpas à população negra.