Por Matheus Souza
Auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) autuaram cinco cafeicultores flagrados utilizando mão de obra análoga à escravidão na colheita de café deste ano. Segundo relatórios de fiscalização e autos de infração que descrevem os flagrantes, os produtores possuíam histórico de relações comerciais com a Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé), maior cooperativa de café do país.
Segundo informações obtidas pelo Repórter Brasil, os casos aconteceram entre maio e junho deste ano. Uma criança de 12 anos, um adolescente de 16 e um idoso de 72 estavam entre as 81 vítimas que foram resgatadas das lavouras. Os cafeicultores submetiam os trabalhadores à condições degradantes de trabalho e moradia, restringindo a liberdade das vítimas através de ameaças utilizando dívidas ilegais que, supostamente, teriam de ser pagas.
Os trabalhadores atuavam sem registro formal de trabalho e sem equipamentos de proteção para a colheita, que deveriam ser fornecidos pelo empregador. Além disso, as vítimas não tinham acesso a água potável e banheiros no campo.
Os produtores autuados na operação de fiscalização do MTE e suas respectivas fazendas são:
- Fazendas Rio Claro e Recanto, propriedades do cafeicultor Luiz Carlos Avelar, localizadas em Conceição da Aparecida (MG).
- Fazenda São Thomaz, em Caconde (SP), propriedade do cafeicultor André Pereira Alves.
- Fazenda Martha Helena, em Conceição de Aparecida (MG). A propriedade pertence ao produtor Ornelas Rodrigues Borba.
- Fazenda do Meio, do produtor Nilceu Patrocínio Muniz Junior, em Divisa Nova (MG).
- Fazenda Engenho Novo. A propriedade pertence a Wagner Luiz de Lima, em Passos (MG).
Em 2024, a Cooxupé registrou o maior faturamento de sua história: R$ 10,7 bilhões. Das 6,6 milhões de sacas de café recebidas pela cooperativa no ano, 80% foram exportadas. A exportadora é responsável por 10% das exportações brasileiras.
A Cooxupé bloqueou a matrícula dos produtores na cooperativa. A interrupção do recebimento de café, a segregação dos lotes eventualmente recebidos e a devolução integral desses lotes são outras das providências cabíveis adotadas pela cooperativa.
A organização declarou ao Repórter Brasil que “pauta sua atuação no respeito às pessoas, na dignidade do trabalho e na responsabilidade social” e que possui um programa de orientação sobre direitos humanos.
Recomeço para os trabalhadores
A descoberta de situações como a descrita acima tem sido cada vez mais recorrente no país. Em 2025, o Brasil completou 30 anos do reconhecimento oficial da existência de formas contemporâneas de escravidão. Desde então, as inspeções do Ministério do Trabalho e Emprego tiraram 66 mil trabalhadores de condições análogas à escravidão, em quase 8,5 mil ações fiscais.
Em 2024, foram identificados 471 trabalhadores chineses trazidos de forma irregular ao Brasil pela multinacional chinesa BYD, para trabalhar na fábrica da empresa em Camaçari (BA). Do total de vítimas resgatadas, 163 foram encontrados em condições análogas à escravidão.
Mais recente, em agosto deste ano, uma idosa de 64 anos foi resgatada em situação semelhante à escravidão em Itabuna, no sul da Bahia. Segundo informações do MTE, a vítima trabalhou mais de 50 anos para a mesma família em uma residência da cidade, sem receber salário. Além de não ser paga para trabalhar, a vítima tinha os valores da sua aposentadoria retirados mensalmente pelos suspeitos, sem receber nenhum repasse.
Tratada como propriedade, a idosa era “transferida” de uma geração para a outra. A aposentada era proibida de sair de casa, sofria maus tratos e precisava ficar à disposição para trabalhar durante todo o dia. A vítima foi encontrada sem nenhum dente e sem acesso a atendimentos de saúde.
Frente aos casos, o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT) decidiu promover o projeto Vida Pós Resgate. Formado por uma rede de instituições públicas, o programa fomenta e apoia associações de trabalhadores resgatados para a produção de alimentos saudáveis em seus locais de origem.
O objetivo do projeto é proporcionar a formação de associações para a produção de alimentos saudáveis, entre as vítimas resgatadas, preferencialmente nos seus locais de origem. Assim, os trabalhadores teriam renda suficiente para não serem novamente cooptados em redes de trabalho forçado. Com apoio do projeto, as associações são estabelecidas e seus membros não precisam sair de suas respectivas cidades nem ficam vulneráveis a formas extremas de exploração.
Para denunciar algum caso de trabalho análago a escravidão, o disque 100 (através do número 100) ou acessar o endereço do Sistema Ipê, do MTE. Em caso de exploração de mão-de-obra infantil, também é possível realizar uma denúncia online através deste link.