“Não há regulamentação da fórmula, não há acompanhamento do que compõem esses produtos”, afirma biomédica sobre casos de intoxicação por pomadas modeladoras

Sintomas das reações incluem ardência nos olhos, visão escurecida, coceira e vermelhidão no couro cabeludo 

Por Karla Souza e Patrícia Rosa

A incidência alarmante de casos de intoxicação ocular relacionados ao uso de pomadas modeladoras de cabelo tem despertado preocupação entre usuárias/os e profissionais do ramo da beleza, sobretudo as trancistas. Com sintomas que variam de vermelhidão e irritação a cegueira temporária, o aumento desses eventos é uma tendência preocupante, conforme revelado por dados do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na Bahia, por exemplo, registrou-se um aumento de 121% nos casos em relação a 2023, segundo levantamento do jornal Correio, demonstrando a gravidade do problema. 

Frequentemente utilizadas para a manutenção de penteados, as pomadas modeladoras têm o objetivo de aumentar a durabilidade e melhorar o acabamento. No entanto, sua aplicação inadequada, ou o uso de produtos não regulamentados podem resultar em sérias consequências para a saúde ocular. A preocupação com a segurança dos consumidores tornou-se ainda mais evidente após a Anvisa cancelar os registros de 1.266 produtos em dezembro de 2023. Essa medida foi tomada devido aos eventos adversos e aos crescentes casos de intoxicação reportados em relação ao uso do produto.

A modelo baiana Mila Santana, relatou nas suas redes sociais que foi mais uma vítima das infecções provenientes do uso de pomadas de cabelo. Ela usou o produto para fazer um penteado, em seguida viajou para Semana de Moda de Milão, ao retornar ao Brasil e ter contato com altas temperaturas, a modelo apresentou lesões no olho, provenientes do derretimento e escorrimento do produto. 

@milasantanaoficial

ALERTA DO CONTEÚDO 🚨! E um pedido de socorro! 1. As tranças foram feitas no Brasil, mas como eu viajei logo, não teve o derretimento antes, porque na Itália é inverno. 2. Segundo o Google, a pomada que foi utilizada pelo profissional está liberada SIM pela Anvisa, o que não impediu a minha reação alérgica. 3. Eu precisava retirar o produto num lavatório profissional para que o produto não escorresse nos meus olhos de salão específico mas todos se negaram por não ter especialistas em cabelo AFRO. Exatamente isso que você está lendo! 4. Estou sendo acompanhada pelo quarto especialista oftalmologista mas minha recuperação ainda é lenta. FICA O ALERTA 🚨 @anvisaoficial SUSPENDE O USO DAS POMADAS!

♬ Timelapse – Adrián Berenguer

“Eu fiz esse penteado no Brasil e fiquei apaixonada porque ficou muito lindo, só não tinha prestado atenção no que tinha sido utilizado no meu cabelo. Pomada essa, que chegando no sol escaldante do Rio de Janeiro derreteu nos meus olhos, causando uma reação alérgica extremamente grave”, relatou em suas redes sociais.

O problema vivido pela modelo é semelhante ao que viveu a advogada Aline*. A jovem tomou chuva três dias após a aplicação do produto, ela conta que lavou os olhos para limpá-los, mas não ajudou, e acabou tendo cegueira temporária.“Senti muito ardor nos olhos, ao cair da noite as vistas foram ficando esbranquiçadas, e no  dia seguinte piorou a ponto de não enxergar mais, além de uma dor intensa e ardor.”

Ao procurar ajuda médica, a advogada passou por mais problemas antes de encontrar uma oftalmologista. “Tive que ir pra outra cidade ser atendida por hospital oftalmológico de referência que faz a limpeza e começou a tratar de fato com os colírios adequados.”

No início de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) interditou a comercialização de todas as pomadas modeladoras, essa decisão foi tomada após  o aumento crescente do número de casos de lesões oculares em decorrência do uso dos produtos.  Em abril do mesmo ano, o órgão publicou outro informativo, onde  orientava os usuários, de como poderiam ser feitas as consultas de pomadas autorizadas. 

Ao longo do ano, novas proibições e liberações foram tomadas pela Anvisa. “O uso não é recomendado se a pele, os olhos ou outra parte do corpo estiver irritada. Ao lavar os cabelos, tenha cuidado e lembre-se de inclinar a cabeça para trás para que o produto não entre em contato com os olhos e, em caso de contato acidental, lave imediatamente com água em abundância por, pelo menos, 15 minutos”, reforça o ministério.

Biomédica destaca desafios e soluções na área da saúde

A biomédica esteticista Jéssica Magalhães, destaca a importância das pomadas modeladoras, especialmente para autoestima das mulheres negras que as utilizam com frequência, mas ressalta a necessidade de promover ações efetivas para garantir a segurança das consumidoras. “A gente sabe, a pomada não é fundamental para a realização da trança, mas vai modificar o acabamento, a durabilidade.”

A biomédica defende a regulamentação e maior controle desses produtos, destacando a questão da oferta desenfreada de pomadas modeladoras no mercado. “O aumento dos casos reflete a quantidade de produtos que a gente tem disponível para comprar livre no mercado, onde não há regulamentação da fórmula, não há acompanhamento do que compõem esses produtos.”

Jéssica Magalhães é biomédica esteticista – Imagem: Arquivo Pessoal
Perspectivas e recomendações de profissionais do ramo

Tainá Reis, trancista experiente atuante em cidades da Bahia, apontou que a falta de fiscalização por um longo período permitiu que a produção desses produtos crescesse descontroladamente, abrindo espaço para uma ampla variedade de produtos no mercado. “Junto a isso, esse uso desenfreado dos produtos e também o incentivo de blogueiras, de trançar o cabelo, fazer baby hair e entrar em mar ou piscina, sem deixar o produto secar, influenciou nesse aumento de casos.”

A trancista conta que passou a substituir as pomadas por outros produtos disponíveis, como gel cola. Antes de começar a trançar o cabelo, a trancista diz que sempre comunica o tipo de produto que está sendo utilizado. Ela enfatizou que os clientes costumavam reagir de forma tranquila e positiva a essa comunicação, o que demonstra a importância da transparência e da conscientização sobre os produtos utilizados nos cabelos. 

Tainá Reis/ Trancista –  Imagem: Arquivo pessoal 

Nadja Santos, também trancista e proprietária do espaço de beleza Côrte Afro, expressou preocupação com a falta de regulamentação e controle desses produtos, enfatizando que essa situação pode resultar em sérios riscos à saúde das consumidoras.“A presença no mercado de produtos ilegais ou falsificados também pode contribuir para esses casos de intoxicação, já que esses produtos podem conter ingredientes perigosos ou serem produzidos em condições inadequadas.”

Ambas as trancistas concordaram sobre a importância da conscientização das consumidoras sobre o uso seguro das pomadas modeladoras, bem como a necessidade de campanhas educativas para promover o uso adequado desses produtos. Elas também destacaram a relevância de práticas preventivas, como a espera adequada após a aplicação das tranças antes de molhar o cabelo e a atenção aos sintomas de desconforto ou irritação. 

Nadja Santos, trancista e proprietária do espaço de beleza Côrte Afro  – Imagem: Arquivo pessoal

“A falta de regulamentação e supervisão da Anvisa, que tinha dito que iria investigar e liberar as que não fossem nocivas à saúde, falhou quanto a isso. Lembrando que não estou tirando a responsabilidade dos fabricantes e profissionais que podem está auxiliando dando informações de prevenção”, complementa Nadja Santos.

Veja aqui a lista de pomadas modeladoras para cabelo autorizadas pela Anvisa. O link também pode ser utilizado como canal de denúncia sobre problemas de saúde gerados pelo referido produto.

*Nome fictício pois a fonte preferiu não se identificar.

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