Por Matheus Souza
Um estudo inédito realizado pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em parceria com o Instituto Conviva, revelou que além do profundo impacto ambiental provocado pela mineração ilegal no território amazônico, os garimpos escondem uma grande e elaborada rede de trabalho escravo, exploração sexual e tráfico de pessoas. Intitulada Mapeamento dos Impactos da Mineração Ilegal na Amazônia, a publicação foi disponibilizada este ano.
Com uma equipe de pesquisadores formada por sociólogos, comunicadores e antropólogos, a pesquisa levantou informações de diversos documentos. Também foram realizadas entrevistas em comunidades afetadas pelos crimes praticados nos garimpos clandestinos, entre 2022 e 2024, nas cidades de Manaus (AM), Altamira (PA), Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR).
No início deste ano, uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, resgatou quatro trabalhadores em condições análogas à escravidão em um garimpo ilegal no município de Maués (AM). No local, a equipe de auditores-fiscais do Trabalho identificou indícios de que havia mais de 50 empregados, incluindo garimpeiros, cozinheiras e gerentes. Apenas quatro permaneceram no local e foram resgatados pela equipe.
A investigação foi deflagrada após denúncias de exploração de mão de obra escrava e uso de cianeto – produto com alta toxicidade – na extração ilegal de ouro. Durante a ação, os auditores fiscais do Trabalho constataram que os trabalhadores enfrentavam jornadas exaustivas, sem acesso a direitos básicos, e estavam expostos a riscos devido ao uso de substâncias químicas tóxicas.
Entre os dados trazidos pelo estudo da REPAM, os pesquisadores identificaram que em 2024 as doenças que mais acometeram os garimpeiros foram gota (24%), malária (19%), tuberculose (14%), bronquite (13%), pneumonia (11%) e reumatismo (10%). A saúde dos trabalhadores é diretamente afetada pelas péssimas condições de trabalho – muitas vezes em contato com minerais tóxicos sem equipamento ou treinamento necessário – e as jornadas exaustivas pelas quais são obrigados a passar.
A expectativa de vida desses grupos é de 55 anos, bem abaixo da média nacional, que era de 76,4 anos em 2023, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As principais causas de morte entre os garimpeiros foram afogamento (20%), soterramento (19%), ataque de animais (18%), picadas de cobra (18%), ferroada de insetos (13%) e picadas de aracnídeos (12%).
Apesar de revogados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) em sua posse, dois decretos emitidos pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 possuem relevância direta para o cenário de exploração atual no território amazônico. O Decreto nº 10.966, que institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) e a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape); e o Decreto nº 11.108, que instituiu a Política Mineral Brasileira e criou o Conselho Nacional de Política Mineral.
Críticas na época, como a emitida pelo Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), alertavam que tais medidas poderiam legitimar a exploração e destruição dos recursos naturais e biomas da floresta amazônica. O que poderia estimular e banalizar a exploração de práticas de trabalho abusivas.
Em 2022, a coordenadora do movimento, Isabel Cristina, disse ao portal Brasil de Fato que tais medidas iriam facilitar práticas ilegais nos garimpos do país. “Essas medidas podem oficializar o trabalho escravo e a exploração do trabalho dessas pessoas, que estão necessitadas, e que veem o garimpo como uma alternativa de sobrevivência”, explicou.
Exploração Sexual e Tráfico Humano
Um dos grupos de pesquisa participantes do mapeamento, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), conseguiu mapear 309 pessoas vítimas de tráfico humano por conta da mineração ilegal entre 2022 e 2024 em Roraima, sendo 227 migrantes e 82 brasileiros.
A maioria dessas vítimas foram mulheres (194). Homens (84), crianças (11) e pessoas LGBTQIA+ (20) também estavam nas estatísticas. Entre as 129 mulheres migrantes que foram vítimas do tráfico, grande parte também foi explorada sexualmente nos garimpos. A pesquisa detalha como meninas e mulheres indígenas e migrantes são aliciadas para a prostituição e vivem um ciclo de violências intermináveis dentro dessas zonas de garimpagem.
“As pesquisas constataram que a presença do garimpo em toda região faz com que a questão do tráfico seja inviabilizada, porque as mulheres geralmente não conseguem perceber as estratégias dos traficantes e nem se reconhecem em situação de tráfico durante o tempo que trabalham nos garimpos em situação de exploração”, destaca o mapeamento. O levantamento ainda salienta uma correlação entre a expansão garimpeira e o aumento de feminicídios nas regiões estudadas.
O termo “narcogarimpo” foi dado pela constatação que tais comunidades estão sendo cada vez mais controladas pelo crime organizado, que opera redes de tráfico de drogas, armas e pessoas dentro da Amazônia, aproveitando rotas aéreas e fluviais, sobretudo entre Colômbia, Venezuela e Brasil. O estudo também cita a participação de autoridades locais, políticas e policiais dentro dessas redes criminosas.