Narrativas pelo enfretamento à violência sexual – Chamada pública remunerada para profissionais de comunicação

A Revista Afirmativa, em parceria com o fundo internacional Vida Afrolatina, lança nesta terça-feira (24) uma chamada pública convocando jornalistas e videomakers para realização de uma série de reportagens multimídias sobre Mulheres Negras e as diversas formas de Violência Sexual.

Poderão se inscrever: jornalistas, estudantes de jornalismo, profissionais ou estudantes de cinema e audiovisual

A Revista Afirmativa, em parceria com o fundo internacional Vida Afrolatina, lança nesta quinta-feira (26) uma chamada pública convocando jornalistas e videomakers para realização de uma série de reportagens multimídias sobre Mulheres Negras e as diversas formas de Violência Sexual. A convocação abrange profissionais graduadas/es ou em formação do jornalismo, da comunicação e do audiovisual para envio de proposta de pauta (para reportagens de texto) e de roteiro de vídeos (para videorreportagens ou mini documentários) de até sete minutos, a serem produzidos exclusivamente para a Afirmativa, com remuneração de R$ 800,00 a R$ 1.200,00.

A iniciativa não acontece por acaso. De acordo com dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em setembro de 2019, o número de estupros registrados no país atingiu uma marca recorde em 2018, com 66.041. 

Além disso, existe um fator racial a ser analisado, mais da metade das vítimas do crime de estupro de vulnerável no Brasil são crianças negras (50,9%), do sexo feminino (81,8%) e com até 13 anos (53,8%). A última pesquisa nacional de vitimização, realizada pelo Ministério da Justiça em 2013, estima que apenas 7,5% dos casos de violência sexual são denunciados.

“A violência sexual, que afetou desproporcionalmente as mulheres negras nas Américas por 500 anos, é uma questão de justiça de gênero e justiça racial”, afirma Lori Robinson, estadunidense, fundadora e diretora executiva da VidaAfrolatina. “As mulheres afrodescendentes nas Américas continuam traumatizadas e marginalizadas pela violência estatal, corporativa e familiar. Entendemos que ninguém vem para nos salvar, por isso a VidaAfrolatina se esforça para preencher uma lacuna de recursos para fortalecer e expandir o trabalho das organizações de mulheres negras”.

A Vida Afrolatina está no início da construção de um fundo internacional para mulheres que se concentra na violência sexual e com foco em mulheres afrodescendentes na América Latina. A iniciativa tem parceiros donatários inaugurais no Brasil, Porto Rico, Colômbia, e uma iniciativa binacional na Costa Rica e no México. 

Casos recentes que tiveram repercussão 

Casos de recente repercussão chamam atenção para a importância da produção de narrativas que fortaleçam o debate. São exemplos as acusações não reveladas de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, e relatadas pela Agência Pública em abril deste ano. Por meio de reportagens que contam as histórias de meninas abusadas por Klein, falecido em 2014, e do seu filho Saul Klein, hoje investigado por aliciamento e estupro de mais de 30 mulheres.

Um vídeo publicado pelo cantor Wesley Safadão em suas redes sociais em julho deste ano, também provocou discussão sobre o assunto na internet. Na gravação, é possível ver o pastor André Vitor, amigo do cantor, abraçar por trás uma menina de biquíni, colocando a mão na altura dos seios. Depois que a criança se desvencilha do contato, o pastor puxa a camisa para baixo da cintura. Safadão saiu em defesa de André, que se pronunciou afirmando que o ato de abaixar a blusa é uma mania sua para esconder o corpo, tendo apoio da mãe da menina.

Para Lori, sem investimento em soluções de mulheres afrodescendentes para suas comunidades, as questões estruturais e intersetoriais que perpetuam a violência sexual continuarão em grande parte inabaláveis e ignoradas. 

“Para lidar com a violência sexual e, finalmente, acabar com ela, é fundamental primeiro educar as pessoas. Como a violência sexual é normalizada em nossas sociedades, muitas vítimas não entendem que o que aconteceu com elas foi um crime”, explica a Robinson que trabalhou como jornalista por 25 anos, e é autora do livro “I Will Survive: The African-American Guide to Healing from Sexual Assault and Abuse”. 

O Papel do Jornalismo 

O jornalismo é uma ferramenta de luta política e de garantia de direitos que precisa trabalhar a favor dos interesses sociais, e de uma sociedade mais justa e equânime. É o que acredita Alane Reis, editora-chefe da Revista Afirmativa. 

E foi pensando na importância das mídias negras e/ou alternativas na investigação e promoção do debate sobre diferentes perspectivas, colaborando para educação do público geral e evidenciando canais de denúncia e acolhimento das vítimas, que surgiu a iniciativa da chamada pública.

“Esse projeto demarca o quão necessária se faz a produção de narrativas que visem o enfrentamento das violências sexuais, a denúncia da naturalização desse tipo de violência, e que faça o trabalho tanto de trazer para as mulheres a importância da denúncia, quanto um processo de educação para os homens”, pontua. 

Para Reis, o jornalismo tem uma função pedagógica, e capacidade de gerar sensibilização nas pessoas para temas duros e complexos de serem trabalhados. E a chamada funciona como um espaço formativo, tanto pra denunciar como para prevenir a violência sexual.

“Por carregar estigma e vergonha tão significativos, muitos nunca procuram apoio para sua cura. Como o racismo, o sexismo, o patriarcado são tão difundidos, as pessoas nas comunidades, igrejas, locais de trabalho e governos não reconhecem que é uma violação dos direitos humanos que prejudica tanto a saúde da vítima individual quanto a saúde de todos os contextos e corpos coletivos. O projeto narrativo da Revista Afirmativa é justamente o tipo de projeto que ampliará a compreensão das pessoas sobre a violência sexual, transformará comportamentos e catalisará ações”, completa Robinson.

Como Participar 

Poderão se inscrever: jornalistas, estudantes de jornalismo, profissionais ou estudantes de cinema e audiovisual – mulheres, pessoas não binárias; ou homens profissionais e estudantes destas mesmas áreas, que se proponham a produzir exclusivamente sobre o impacto das construções de masculinidade no contexto de violência sexual. As pautas propostas devem ter como foco evidenciar:

1 – a letalidade da cultura machista e racista na vida das mulheres;

2 – as diversas formas de violências sexuais;

3 – a naturalização da cultura do estupro e de outras violências de gênero contra meninas e mulheres negras;

4 – a sexualização infantil das mulheres negras;

5 – a realidade dos casamentos infantis no Brasil;

6 – o abuso sexual de crianças ou vulneráveis em geral;

7 – a ação da cisheteronormatividade na legitimação dos chamados estupros “corretivos” contra mulheres lésbicas, bissexuais e transgêneros;

8 – os impactos negativos da construção de masculinidades tóxicas, sobretudo para as mulheres, mas também para o conjunto de famílias e comunidades negras;

9 – a responsabilidade e negligência do Estado no contexto das violências sexuais;

10 – a responsabilidade e legitimação das instituições religiosas na violência sexual;

11 – o uso das tecnologias digitais para realizar assédio e exposição sexual indesejada;

12 – o abuso sexual por profissionais de sáude;

13 – ataque sexual por múltiplos agressores;

14 – o racismo enquanto cultura e estrutura determinante na naturalização e maior vulnerabilidade das mulheres e meninas negras à violência sexual;

15 – a ação dos movimentos de mulheres negras no Brasil, e movimentos feministas em geral, no acolhimento, cuidado e tratamento das sobreviventes da violência sexual;

16 – a relação entre o problema da violência sexual e a agenda dos direitos sexuais e reprodutivos;

Serão selecionadas entre 5 e 10 propostas de reportagens (textos e vídeos) para serem produzidas e remuneradas no valor de R$ 800,00 reais (as reportagens de texto) e R$ 1.200,00 (as propostas de videoreportagens e minidocs). Os valores serão repassados para a/es respectiva/es profissionais após a aprovação do produto final. 

Após a aprovação da pauta, as/os/xs jornalistas e videomakers precisam se comprometer em participar de uma reunião de pauta para alinhar a proposta editorial da série entre todas as pessoas participantes e a equipe técnica da Revista Afirmativa. A partir deste momento, as/xs profissionais terão o tempo de até 30 dias para o fechamento dos produtos, 21 dias para entrega da primeira versão, e deverão enviar repasses sobre o desenvolvimento dos produtos com 7 e 14 dias da reunião de pauta.

As propostas de pautas e roteiros deverão ser enviadas conforme modelos em anexo. As propostas serão avaliadas conforme os critérios: relevância, pertinência e exequibilidade em tempo hábil. Além disso, mulheres negras, indígenas ou quilombolas, pessoas jovens e LGBTs serão priorizadas como critério de desempate de propostas.

A inscrição na chamada pública será feita mediante o preenchimento de instrumento de pauta e roteiro disponibilizado pela equipe do projeto, assim como apresentação de currículo e portfólio com outros produtos de comunicação desenvolvidos pela(o) candidata(o), que tenha diálogo com as pautas raciais, de gênero e de direitos humanos. As inscrições podem ser feitas até sexta-feira (03) de Setembro.

CLIQUE PARA ACESSAR O FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

ANEXO 1 – MODELO DE PAUTA

ANEXO 2 – MODELO DE ROTEIRO DE VÍDEOS

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