Por Richard Santos*
Com a recente eleição de Donald Trump, um cenário de incerteza toma conta não só dos Estados Unidos, mas também de toda a América Latina. A influência comunicacional dos Estados Unidos já é historicamente significativa na região, e a volta de um líder com tendências ultraconservadoras e postura isolacionista pode intensificar a dominação da mídia e da cultura do EUA sobre os países latinos. Como Trump e seu retorno à Casa Branca podem impactar a comunicação pública e a liberdade midiática na América Latina?
O legado de Trump já é bem conhecido por sua retórica de “América em primeiro lugar”, mas suas políticas de incentivo ao poder corporativo e à desregulação das comunicações podem agora ir ainda mais longe, alimentando uma estrutura de poder midiático que já favorece o domínio dos EUA sobre a América Latina. Esse domínio comunicacional se reflete na estética, na narrativa e na ideologia promovidas pela mídia local, que muitas vezes segue padrões impostos indiretamente pelos Estados Unidos, silenciando a diversidade cultural e promovendo estereótipos e visões alienantes.
A América Latina carrega uma longa história de dependência da infraestrutura e das tecnologias comunicacionais estadunidenses. Desde o início do século XX, os Estados Unidos têm exercido uma influência persistente, oferecendo “cooperação técnica” que, na prática, condiciona os meios de comunicação da região a padrões de estética e conteúdo alinhados aos interesses estadunidenses. Essa hegemonia comunicacional limita a diversidade de vozes e impede que os países latinos fortaleçam suas identidades culturais. Com a recente eleição de Trump, muitos temem que essa influência se intensifique.
Ao retornar ao governo, Trump provavelmente buscará reafirmar o papel das corporações de mídia e tecnologia dos EUA como líderes globais, ao mesmo tempo em que promove uma narrativa que prioriza interesses estadunidenses sobre a autonomia de outras nações. Na América Latina, onde a mídia já é dominada por conglomerados alinhados aos EUA, a presença de Trump pode significar um reforço das barreiras para qualquer tentativa de comunicação pública independente.
Sob um novo governo Trump, é provável que os Estados Unidos aumentem o apoio a conglomerados midiáticos internacionais, incentivando, direta ou indiretamente, a continuidade do controle da mídia local por grupos que seguem a linha ideológica e estética norte-americana. Essa estética, muitas vezes baseada em uma visão “branca” e padronizada, promove uma alienação cultural, em que a diversidade latino-americana é invisibilizada e substituída por representações estereotipadas.
Esse tipo de influência não é visível apenas em grandes canais de TV, mas também nas redes sociais, plataformas de streaming e nos gigantes da tecnologia que dominam a distribuição de conteúdo digital na América Latina. Se Trump expandir a desregulamentação e o incentivo a essas empresas, a América Latina enfrentará uma avalanche de conteúdo “globalizado” que pode sufocar ainda mais as vozes locais.
Com o retorno de um Trump ainda mais radical, a América Latina precisa mais do que nunca de uma comunicação pública forte, democrática e plural. Ao longo dos últimos anos, vimos países como o Brasil e a Argentina tentarem estabelecer redes de televisão pública com o objetivo de garantir uma voz independente e representativa para suas populações. No entanto, essas iniciativas de comunicação pública enfrentaram muitos desafios, principalmente pela falta de investimentos e pela pressão de conglomerados privados.
Para resistir à hegemonia comunicacional dos EUA, os países da América Latina precisam fortalecer suas iniciativas de mídia pública, focando em uma programação que valorize a diversidade cultural e as identidades locais. Com Trump novamente no poder, é essencial que a região busque alternativas de financiamento e cooperação para a comunicação pública, talvez formando alianças com outras nações que compartilham da mesma preocupação com a autonomia midiática.
O retorno de Trump provavelmente significará um período de intensificação do controle estadunidense sobre a mídia latino-americana, mas também pode representar um momento de reflexão e de união para os países da região. Para superar a hegemonia estadunidense, os países latino-americanos precisam adotar políticas de comunicação que priorizem os interesses locais e que incentivem a criação de conteúdo alinhado à realidade multicultural e diversa da região.
A América Latina tem a oportunidade de transformar esse momento de ameaça em um ponto de virada, construindo uma rede de comunicação forte e independente. Trump pode representar o ultra-radicalismo no poder, mas a resistência pode vir na forma de uma mídia pública fortalecida, comprometida com a diversidade e a inclusão.
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*Richard Santos é escritor, pesquisador e docente na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), com atuação nos programas de pós-graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais e em Estado e Sociedade. Coordena o Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e o programa de extensão Jornada do Novembro Negro. Doutor em Ciências Sociais pela UnB e pós-doutor em Cultura e Sociedade pela UFBA, Santos tem experiência como artista multimídia e publicou obras importantes sobre racialidade e mídia, como Maioria Minorizada e Branquitude e Televisão. É membro da LASA e do Observatório do ODS 18.
** Este é um artigo de opinião que está dentro da nossa política editorial, mas não reflete necessariamente o posicionamento da Revista Afirmativa