Organizações negras enfrentam desigualdade estruturais e financiamento, revela estudo

O levantamento foi realizado pelo Fundo Agbara com base 834 organizações

Por Karla Souza

Existe uma ampla rede de organizações negras da sociedade civil que atuam no combate ao racismo e às desigualdades raciais no Brasil. Essas iniciativas promovem a participação política da população negra e estão presentes em territórios periféricos, quilombolas e tradicionais. No entanto, a sustentabilidade dessas ações enfrenta desafios significativos, especialmente no acesso a financiamento e na distribuição de recursos.

O Fundo Agbara, através do Núcleo de Pesquisa e Memória da Mulher Negra (NUPEMN), apresentou o estudo “Diagnóstico sobre Filantropia e Raça no Brasil: Do centro das lutas às margens dos recursos”. A pesquisa analisou 834 organizações negras e instituições de financiamento filantrópico, evidenciando a necessidade de descentralizar e ampliar investimentos para garantir a continuidade do trabalho dessas entidades. O levantamento utilizou bibliografia especializada, formulários online e entrevistas com lideranças do setor.

A maior concentração de organizações negras está nas regiões Nordeste (45,6%) e Norte (23,6%), áreas marcadas por históricos de resistência territorial e disputas por terra. No Sul e no Centro-Oeste, a presença dessas iniciativas é menor, correspondendo a 10% e 7,1%, respectivamente. Cerca de 90% dessas organizações atuam em territórios majoritariamente negros, onde os desafios sociais incluem o acesso limitado a serviços públicos e altos índices de violência.

A pesquisa apontou que 42,6% das organizações atuam em territórios quilombolas e 37,6% em comunidades tradicionais de matriz africana. Esses espaços enfrentam históricas invasões e disputas, tornando a atuação dessas entidades essencial para a preservação cultural e a garantia de direitos. Também há presença expressiva em territórios ribeirinhos (18,1%), indígenas (12,8%) e marisqueiros (5,4%), ampliando o impacto das ações em diferentes contextos.

Entre os formatos organizativos, os coletivos representam 30% das iniciativas, seguidos por associações (22,9%) e comunidades (9,8%). A maioria dos coletivos (89%) não possui CNPJ, enquanto 90% das associações são formalizadas. Mais da metade das comunidades (68%) também não tem registro formal, embora 70,8% delas existam há mais de 10 anos. A pesquisa também destacou que a liderança matriarcal é predominante, com mulheres ocupando 91,5% dos espaços de decisão.

O estudo revelou que 69,3% das organizações têm mais de cinco anos de atuação, sendo que 41,1% existem há mais de uma década e 21,7% ultrapassam 20 anos. A interseccionalidade é uma característica marcante, com 89,3% das iniciativas atuando em mais de uma frente, incluindo cultura, educação, direitos e empreendedorismo. As mulheres cisgênero lideram a maioria das organizações (89,2%), seguidas por homens cis (43,8%), mulheres trans (6,8%), pessoas não binárias (6,2%) e homens trans (3,5%). A presença significativa de mães na liderança (82,7%) indica a necessidade de conciliação entre responsabilidades familiares e o trabalho nas organizações.

São múltiplos desafios pela gestão das organizações, sendo a captação de recursos o mais citado (89,1%), devido à dificuldade de acesso a financiamentos e à complexidade de editais e documentação. A escrita de projetos é outro grande obstáculo, mencionado por 56,5%, seguida pela carência de planejamento estratégico (48,3%) e pela dificuldade em mapear editais relevantes (47,8%). O desenvolvimento institucional, um desafio para 45,2%, reflete a necessidade de fortalecer estruturas internas para lidar com demandas complexas.

A falta de habilidades em línguas estrangeiras (33,9%) e a mobilização de pessoas (33,7%) também limitam a expansão e o impacto dessas organizações. Áreas como comunicação (30,7%) e prestação de contas (24,8%) exigem melhorias para garantir credibilidade e transparência. Em média, cada organização enfrenta cinco desafios, destacando a complexidade e a interdependência dessas barreiras.

As organizações negras demonstram significativa capacidade de impacto social, com 29,5% atendendo entre 251 e 1.000 pessoas por ano. Em seguida, 20,7% atendem entre 101 e 250 pessoas, e 18,8% entre 51 e 100. Um grupo menor, mas relevante, de 13,7% atende entre 1.001 e 10.000 pessoas. Apenas 1,4% das organizações atendem mais de 11 mil pessoas, e 1,8% indicaram não realizar atendimentos diretos. Esses números refletem a abrangência do trabalho dessas organizações em seus territórios e em esferas regional e nacional.

A captação de recursos de instituições nacionais é um desafio estrutural para organizações negras. Embora 58,8% conheçam instituições filantrópicas no país, apenas 37,5% conseguiram captar recursos. Notavelmente, 62,5% das organizações não conseguiram captar, e 37,5% delas nunca tentaram, evidenciando uma exclusão que antecede os processos seletivos. Esse contexto reflete as barreiras sistêmicas de racismo e sexismo que restringem o acesso ao financiamento, reforçando a necessidade de um ambiente mais inclusivo e equitativo no setor filantrópico brasileiro.

A captação de recursos financeiros em instituições internacionais é ainda mais desafiadora. A barreira do não acesso ao conhecimento dessas instituições financiadoras é realidade de 64,0% dessas organizações, enquanto apenas 36,0% afirmaram conhecer instituições internacionais que financiam ações filantrópicas. Além disso, apenas 12,1% conseguiram captar em instituições internacionais, enquanto 47,7% não captaram e 40,2% sequer tentaram.

As organizações negras no Brasil sustentam-se majoritariamente com recursos próprios e doações individuais, enfrentando barreiras para acessar financiamentos estruturados que são vitais para a garantia da sustentabilidade e ampliação do impacto da sua atuação. 95,2% das organizações afirmaram ter dificuldades de acesso a recursos. O racismo estrutural também se manifesta na burocratização dos editais (79,5%), na falta de abertura das empresas para diálogo (71,2%) e nas dificuldades de acesso à documentação exigida (64,6%).

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