“Para buscar políticas públicas, precisamos saber quantos somos”, afirma liderança sobre inclusão de comunidades quilombolas no Censo 2022

O primeiro Censo Demográfico realizado pelo IBGE data de 1940, trata-se da operação estatística mais importante para retratar a realidade sociodemográfica do país.

Arilson Ventura fala sobre a importância da inclusão na pesquisa e do desmonte de políticas públicas para comunidades quilombolas, especialmente no acesso à saúde

Por Andressa Franco

Imagem: Agência Brasil

O primeiro Censo Demográfico realizado pelo IBGE data de 1940, trata-se da operação estatística mais importante para retratar a realidade sociodemográfica do país. Mas, o ano de 2022 marca a primeira vez que comunidades quilombolas serão retratadas no Censo. A ação busca preencher a ausência de dados referentes à prestação de serviços básicos, como saúde sexual, reprodução e índices demográficos para as comunidades do país.

Foram considerados territórios quilombolas delimitados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pelos institutos estaduais de terra. A rede do IBGE mapeou ainda agrupamentos identificados em outras regiões não definidas em setores censitários. O órgão conseguiu identificar 5.972 localidades quilombolas no país.

Realizado a cada 10 anos, o levantamento de 2020 foi adiado devido à pandemia de Covid-19, mas também por um corte na verba prevista pelo governo federal, e teve enfim início no último dia 1 de agosto.

Arilson Ventura pertence à comunidade quilombola de Monte Alegre, localizada no município de Cachoeira de Itapemirim (ES). Integrante da coordenação estadual e nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), acredita que a inclusão dos povos quilombolas à pesquisa é um passo muito significativo.

“Desde a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003, a Coordenação de Quilombolas dialogava com o governo sobre a visibilidade e reconhecimento das comunidades.”

Arilson Ventura pertence à comunidade quilombola de Monte Alegre, Cachoeira de Itapemirim (ES). É Integrante da coordenação estadual e nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) – Imagem: Arquivo Pessoal

Invisibilidade estatística

O coordenador lembra que, em 1995, as comunidades quilombolas espalhadas pelo país eram estimadas em pouco mais de 400. Com a criação da Secretaria, o número subiu para 700 comunidades oficialmente certificadas.

“Mas não havia um número oficial porque o IBGE não dava conta disso. E a CONAQ sabia que para essas comunidades terem reconhecimento e buscar políticas públicas precisávamos saber exatamente quantos somos.”, explica.

Um exemplo de como a inexistência de dados pode prejudicar as comunidades, cita, foi o processo de vacinação contra a covid-19. “Trabalhamos em 2022 com o número que o IBGE fornecia em 2010. Uma coisa é a CONAQ falar, outra coisa é o IBGE confirmar que somos mais de seis mil comunidades em 1600 municípios, e organizados em 24 estados da federação.”

Para contabilizar as pessoas que se identificam como quilombolas, o questionário do Censo 2022 organizou duas perguntas. A primeira questiona se a pessoa se considera quilombola, em caso de resposta afirmativa, a segunda pergunta a qual comunidade aquela pessoa pertence.

Para Arilson, são perguntas importantes, porque muitas pessoas ainda não tiveram a coragem ou a oportunidade de se auto afirmar como quilombola. “Com isso, vem outros recortes importantes para vislumbrar. Precisamos saber quanto da nossa população são homens, mulheres e jovens para buscar políticas públicas específicas.”, acrescenta.

Desmonte de políticas públicas

Dentro dessas políticas públicas, a área da saúde em particular preocupa o militante. Principalmente devido à gestão do governo federal em relação aos povos e comunidades tradicionais. “A gente teve que brigar com o governo federal por intermédio do Supremo Tribunal Federal pra garantir vacinação pra nossa gente.”

Ainda na área da saúde, algumas das enfermidades mais frequentes na população negra, a exemplo da anemia falciforme, diabetes tipo II, hipertensão arterial, entre outras, também precisam de atenção na hora de elaborar políticas.

Políticas que não chegam, critica Arilson, devido ao racismo institucional e estrutural. E podem ser notadas na falta de aparelhos públicos como áreas de esporte e lazer, quadras poliesportivas e academia popular. O coordenador denuncia ainda a falta de postos de saúde nas comunidades, bem como de energia elétrica, água potável, saneamento básico e internet. Se comunicar também é um desafio, já que muitas vezes o sinal de telefonia não chega, e nem o da televisão.

“A gente precisa avançar nessa direção pra que a nossa gente possa viver na comunidade produzindo seu alimento, preservando sua cultura, mas com dignidade.”

A produção de alimentos é, inclusive, outro tema que dialoga com a invisibilidade estatística do povo quilombola. A luta pela titulação dos territórios é um direito que as coordenações que representam as comunidades buscam diuturnamente.

“Nós somos mais de seis mil comunidades no Brasil, mas o título definitivo da terra é muito pouco pra essa realidade. É preciso considerar que somos agricultores familiares e temos grandes comunidades produtoras de alimento, hortaliças, legumes. Isso fica na invisibilidade.”, lamenta.

Na última quarta-feira (10), grupos quilombolas de diversos estados se reuniram na conferência “Aquilombar” em Brasília para debater a regularização dos territórios quilombolas e cobrar pelos direitos das comunidades. O evento promoveu painéis sobre temas como educação escolar quilombola, racismo e violência, saúde da comunidade, e agricultura quilombola.

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