“Para buscar políticas públicas, precisamos saber quantos somos”, afirma liderança sobre inclusão de comunidades quilombolas no Censo 2022

O primeiro Censo Demográfico realizado pelo IBGE data de 1940, trata-se da operação estatística mais importante para retratar a realidade sociodemográfica do país.
São Jorge (GO) - O Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que começou no último fim de semana termina no domingo (28), tem uma agenda política reivindicada pelos povos tradicionais. Está previsto na programação, o 2º Encontro de Lideranças Quilombolas de Goiás (GO)

Arilson Ventura fala sobre a importância da inclusão na pesquisa e do desmonte de políticas públicas para comunidades quilombolas, especialmente no acesso à saúde

Por Andressa Franco

Imagem: Agência Brasil

O primeiro Censo Demográfico realizado pelo IBGE data de 1940, trata-se da operação estatística mais importante para retratar a realidade sociodemográfica do país. Mas, o ano de 2022 marca a primeira vez que comunidades quilombolas serão retratadas no Censo. A ação busca preencher a ausência de dados referentes à prestação de serviços básicos, como saúde sexual, reprodução e índices demográficos para as comunidades do país.

Foram considerados territórios quilombolas delimitados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pelos institutos estaduais de terra. A rede do IBGE mapeou ainda agrupamentos identificados em outras regiões não definidas em setores censitários. O órgão conseguiu identificar 5.972 localidades quilombolas no país.

Realizado a cada 10 anos, o levantamento de 2020 foi adiado devido à pandemia de Covid-19, mas também por um corte na verba prevista pelo governo federal, e teve enfim início no último dia 1 de agosto.

Arilson Ventura pertence à comunidade quilombola de Monte Alegre, localizada no município de Cachoeira de Itapemirim (ES). Integrante da coordenação estadual e nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), acredita que a inclusão dos povos quilombolas à pesquisa é um passo muito significativo.

“Desde a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003, a Coordenação de Quilombolas dialogava com o governo sobre a visibilidade e reconhecimento das comunidades.”

Arilson Ventura pertence à comunidade quilombola de Monte Alegre, Cachoeira de Itapemirim (ES). É Integrante da coordenação estadual e nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) – Imagem: Arquivo Pessoal

Invisibilidade estatística

O coordenador lembra que, em 1995, as comunidades quilombolas espalhadas pelo país eram estimadas em pouco mais de 400. Com a criação da Secretaria, o número subiu para 700 comunidades oficialmente certificadas.

“Mas não havia um número oficial porque o IBGE não dava conta disso. E a CONAQ sabia que para essas comunidades terem reconhecimento e buscar políticas públicas precisávamos saber exatamente quantos somos.”, explica.

Um exemplo de como a inexistência de dados pode prejudicar as comunidades, cita, foi o processo de vacinação contra a covid-19. “Trabalhamos em 2022 com o número que o IBGE fornecia em 2010. Uma coisa é a CONAQ falar, outra coisa é o IBGE confirmar que somos mais de seis mil comunidades em 1600 municípios, e organizados em 24 estados da federação.”

Para contabilizar as pessoas que se identificam como quilombolas, o questionário do Censo 2022 organizou duas perguntas. A primeira questiona se a pessoa se considera quilombola, em caso de resposta afirmativa, a segunda pergunta a qual comunidade aquela pessoa pertence.

Para Arilson, são perguntas importantes, porque muitas pessoas ainda não tiveram a coragem ou a oportunidade de se auto afirmar como quilombola. “Com isso, vem outros recortes importantes para vislumbrar. Precisamos saber quanto da nossa população são homens, mulheres e jovens para buscar políticas públicas específicas.”, acrescenta.

Desmonte de políticas públicas

Dentro dessas políticas públicas, a área da saúde em particular preocupa o militante. Principalmente devido à gestão do governo federal em relação aos povos e comunidades tradicionais. “A gente teve que brigar com o governo federal por intermédio do Supremo Tribunal Federal pra garantir vacinação pra nossa gente.”

Ainda na área da saúde, algumas das enfermidades mais frequentes na população negra, a exemplo da anemia falciforme, diabetes tipo II, hipertensão arterial, entre outras, também precisam de atenção na hora de elaborar políticas.

Políticas que não chegam, critica Arilson, devido ao racismo institucional e estrutural. E podem ser notadas na falta de aparelhos públicos como áreas de esporte e lazer, quadras poliesportivas e academia popular. O coordenador denuncia ainda a falta de postos de saúde nas comunidades, bem como de energia elétrica, água potável, saneamento básico e internet. Se comunicar também é um desafio, já que muitas vezes o sinal de telefonia não chega, e nem o da televisão.

“A gente precisa avançar nessa direção pra que a nossa gente possa viver na comunidade produzindo seu alimento, preservando sua cultura, mas com dignidade.”

A produção de alimentos é, inclusive, outro tema que dialoga com a invisibilidade estatística do povo quilombola. A luta pela titulação dos territórios é um direito que as coordenações que representam as comunidades buscam diuturnamente.

“Nós somos mais de seis mil comunidades no Brasil, mas o título definitivo da terra é muito pouco pra essa realidade. É preciso considerar que somos agricultores familiares e temos grandes comunidades produtoras de alimento, hortaliças, legumes. Isso fica na invisibilidade.”, lamenta.

Na última quarta-feira (10), grupos quilombolas de diversos estados se reuniram na conferência “Aquilombar” em Brasília para debater a regularização dos territórios quilombolas e cobrar pelos direitos das comunidades. O evento promoveu painéis sobre temas como educação escolar quilombola, racismo e violência, saúde da comunidade, e agricultura quilombola.

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