“Parecia que eu era um bandido”, diz pai de santo após sofrer episódio de racismo religioso pela PM de São Paulo

Em entrevista exclusiva à Revista Afirmativa, o babalorixá do  Ilê Asè Alaketu Oluwáie deu detalhes sobre a chegada truculenta da Polícia Militar que interrompeu uma cerimônia e ainda conduziu o líder religioso à delegacia dentro do camburão policial

Em entrevista exclusiva à Revista Afirmativa, o babalorixá do  Ilê Asè Alaketu Oluwáie deu detalhes sobre a chegada truculenta da Polícia Militar que interrompeu uma cerimônia e ainda conduziu o líder religioso à delegacia dentro do camburão policial

Por Elizabeth Souza

Imagem: Arquivo Pessoal

Um dia antes de participar de audiência com o Ministério da Igualdade Racial, nesta sexta-feira (02), após sofrer racismo religioso em sua própria casa, Pai Emerson concedeu entrevista à Revista Afirmativa, onde comentou detalhes sobre o ocorrido. A Polícia Militar chegou ao Ilê Asè Alaketu Oluwáie, localizado no município de Franca (SP), na noite do dia 26 de janeiro, quando acontecia a cerimônia Águas de Oxalá. 

Os policiais interromperam a celebração e informaram que estavam ali por causa de uma denúncia de perturbação de sossego feita por um vizinho. Durante a abordagem da polícia, Pai Emerson teve seu corpo revistado sendo proibido de utilizar seu eketé, indumentária religiosa e ainda foi conduzido à delegacia. 

Afirmativa: Como o senhor está após o episódio de intolerância religiosa em seu terreiro?

Pai Emerson: Hoje estou preocupado porque a gente vive em uma comunidade simples. Franca é interior de São Paulo, nunca ocorreu um caso como esse por aqui de um outro sacerdote ser escoltado pela polícia como um bandido. Isso me deixa mal porque tiraram a minha autoridade perante toda uma comunidade. 

A:.Quais os seus receios referente à relação daqui pra frente com a comunidade em que reside?

P.E:. Não sei os olhos que a vizinhança agora tem sobre mim depois do ocorrido, muitas vezes por falta de informação a respeito de religiões de matriz africana. Ver a polícia na porta de um terreiro em uma periferia gera um transtorno psicológico enorme para mim, que sou líder religioso, e para o meu entorno. Acho que essa é uma luta de todos, a gente espera apenas o respeito. Respeitar o nosso culto, respeitar as pessoas de terreiro.

A:.O que estava acontecendo no momento em que a Polícia Militar chegou em seu terreiro?

P.E:. Estava acontecendo a cerimônia Águas de Oxalá aqui na minha casa, estávamos em função quando o meu Pai de Santo chegou para fazer os orôs, no momento estávamos tocando apenas o agogô, tinha cerca de umas 15 pessoas, a casa é pequena. Terminamos as funções e fomos cantar com os orixás no barracão, desta vez com os atabaques, quando de repente vi uma iluminação diferente aqui dentro. Olhei rumo ao portão da garagem e o policial já estava a uns dois metros pra dentro.

A:.Como foi a atuação dos policiais?

P.E:. O policial estava gritando perguntando pelo responsável do local, ele pediu meus documentos e que eu o acompanhasse até a delegacia. Eu o questionei se seria por causa do som, informando que já estávamos terminando e que não havia necessidade daquilo. O vizinho que denunciou exigiu que fossemos para a delegacia prestar depoimento. Eu entrei, troquei de roupa, pus um eketé azul, minha indumentária religiosa. Já que eu ia prestar queixa por perturbação por conta da minha religião eu optei por ir paramentado. 

A:. No vídeo divulgado nas redes sociais, o policial aparece lhe proibindo de utilizar a indumentária sagrada e, após um corte nas imagens, o senhor surge entrando no camburão sem o seu eketé. O senhor pode detalhar como foi esse momento?

P.E:. O policial me revistou, então retirei meu eketé,  a quem o agente se referiu como “chapéu” me proibindo de usá-lo e ainda queria ver o que tinha dentro dele.  Eu informei que ele não iria tirar a minha indumentária e também disse que não iria no camburão. Meu pai de santo se ofereceu para que eu fosse no carro dele e o policial disse que não. Insisti pedindo pra ir sentado na frente da viatura porque não sou bandido, mas o policial não levou isso em consideração e continuou insistindo que eu tirasse o eketé. Agi de boa fé, tirei e fui colocado no camburão.

A:. Durante o percurso para a delegacia, mais alguém além dos policiais foi com o senhor?

P.E:. Não, fui sozinho com os policiais. O meu medo era de algum momento eles me levarem para algum canto da cidade e me baterem, e falei isso para eles após descer do camburão.

A:. O vizinho que realizou a denúncia compareceu à delegacia? Já houve algum outro tipo de desentendimento com ele anteriormente?

P.E:. O vizinho que me denunciou foi na moto dele e eu fui no camburão como se eu fosse um marginal. Moro aqui na comunidade há sete anos e nunca ocorreu um episódio desse em minha casa, nunca tive problema com a polícia, nem com outros vizinhos.  Não imaginava que essa pessoa que me denunciou poderia estar incomodada porque quando ele chegou para morar aqui eu estava ao portão de minha casa, à época, e ele me perguntou o que eu achava da localidade e eu disse que era um bairro tranquilo. Há cinco meses perdi meu companheiro que dividia o axé comigo, estou vivendo um luto debilitado e vários outros transtornos pessoais e era a volta da casa após o luto, era uma cerimônia importante para a comunidade após a perda do líder no qual eu herdaria a casa. O vizinho com a intolerância religiosa dele agiu de má fé junto com os policiais e ocorreu todo esse transtorno. 

Como foi a chegada à delegacia? 

Na delegacia eles me colocaram em uma sala fechada com um policial na porta como se eu fosse fugir dali e aquilo me deixou apreensivo porque parecia que eu era um bandido. Eu falei para o policial que eu não era bandido e que não sabiam com quem estavam mexendo, que sou um homem preto, gay e macumbeiro, e que aquilo que eles  estavam fazendo era intolerância religiosa, e que era um crime.

Quando o senhor comentou que o episódio se tratava de um crime de intolerância religiosa como os policiais reagiram?

Eles disseram que eu estava equivocado, que não existia intolerância, mas que aquela era a forma como eles tinham que agir.

O senhor recebeu apoio jurídico na delegacia?

Ao chegar na delegacia, desci do camburão e o policial me abordou querendo conversar e eu disse que não conversaria com ele a não ser na presença de um advogado, apoio esse que eu não tinha. Em seguida, chegaram três advogados porque eu faço parte do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Franca (COMDECON). As pessoas se uniram para me ajudar e os advogados tomaram conta. Prestei um depoimento esclarecendo a minha versão dos fatos e em seguida me liberaram, mas fiquei lá umas duas horas e meia

Em nota, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) disse ter recebido com “indignação” as notícias sobre a sua condução à delegacia. Em seguida, representantes do MIR entraram em contato com o senhor e já está marcada uma audiência nesta sexta-feira, dia 02 de fevereiro. Como foi esse diálogo?

O contato também foi através de um  dos participantes do COMDECON, o Ministério entrou em contato com essa pessoa que em seguida entrou em contato com meu líder religioso e ele me informou que a gente teria uma audiência virtual amanhã com o MIR, às 11h, porque a ministra Anielle Franco estava querendo saber do ocorrido e como está o caso.

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