A sub-representação feminina e negra na política brasileira se reflete no estado potiguar
Por Allyne Paz
De acordo com o Mapa da Política de 2019, elaborado pela Procuradoria da Mulher no Senado, as mulheres são a maioria da população e do eleitorado brasileiro, porém ocupam apenas 12,32% dos 70 mil cargos eletivos no Brasil. Lamentavelmente o desequilíbrio deste número aumenta mais ainda quando observamos a distribuição racial. Com o intuito de desenvolver ferramentas que colaboram para o aumento da participação das mulheres na política, o Instituto Alzira fez uma pesquisa que concluiu que somente 12% dos municípios brasileiros têm mulheres gerindo a prefeitura, e mesmo representando 27% da população geral do Brasil, mulheres negras são apenas 3% das representantes do executivo municipal. Esses números provam que o racismo e o machismo são problemas estruturais da sociedade brasileira.
O estado do Rio Grande do Norte (RN) reflete a realidade nacional. A Câmara Municipal de Natal, capital do RN, possui apenas uma vereadora preta, Divaneide Basílio (imagem em destaque), do Partido dos Trabalhadores (PT), que é também a primeira vereadora negra da história da Câmara Municipal de Natal. “Ocupar a Câmara me dá a tarefa de levar comigo toda essa história de luta do povo negro, que ainda estamos muito distantes de uma igualdade social e racial, existe o mito da democracia racial que a gente tem tentado desconstruir, tentamos ser voz de muitas vozes que foram silenciadas, mas que não seremos silenciadas nunca mais, esse é o recado que a gente tem dado cotidianamente na Câmara”, enfatiza a vereadora, candidata à reeleição em Natal.
Com o intuito de enfrentar as desigualdades dentro dos espaços de poder, algumas medidas estão sendo adotadas. No último dia 25 de agosto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu obrigar os partidos a destinarem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos. Além disso, a decisão também é estendida para o uso do tempo no rádio e na TV das campanhas. No mês de agosto o TSE havia afirmado que a reserva dos recursos seria utilizada a partir das eleições de 2022, entretanto, o ministro Ricardo Lewandowski decretou uma liminar que irá antecipar a adoção das novas regras para as eleições municipais do ano de 2020. O mecanismo pode agregar na representatividade política das pessoas negras, mas é evidente que isso não será o suficiente.
Futuro da política no RN
É fundamental uma mudança estrutural nos espaços de poder. E para isso muitas mulheres negras têm adentrando à política institucional focadas em promover debates e mover mecanismos de combate ao racismo, buscando uma sociedade menos desigual e mais plural. É notável que o envolvimento e fortalecimento das mulheres negras na política incentiva outras mulheres à participarem ativamente da política. Mulheres potiguares como Divaneide Basílio, Yara Costa, Elizabeth Lima, Aline Juliete, dentre outras, promovem ações voltadas para o combate ao machismo e racismo no estado do Rio Grande do Norte.
Um exemplo de mulher negra que está presente nesses debates e luta para melhorias na sociedade é a Aline Juliete, 30, candidata à vereadora de Natal. Ela é advogada, mestranda em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e tem como objetivo construir coletivamente um novo cenário para a política local. Aline explica que os meios institucionais favorecem essa exclusão de oportunidades do protagonismo negro em relação a ocupar espaço de destaque na política, além disso, reforça que a condição social é formada pela combinação de fatores de gênero, raça e classe social. “A gente percebe que os mecanismos que impedem e criam obstáculos que a gente ocupe lugar de destaque são mecanismos oriundos do machismo, do racismo e da desigualdade social. São muitos desafios a serem enfrentados para ocupar esses espaços”, afirma Aline.
A representação das mulheres na política é fundamental para que ocorra mudanças estruturais e no que diz respeito à essa questão, Aline comenta que essa representatividade não é apenas estar presente, é necessário ir além. “A representatividade não é algo somente essencialista, ela significa que esses espaços de poder e as decisões que ali serão tomadas precisam passar pelo olhar e pela atuação de pessoas que socialmente vivem e sentem as consequências de viver em uma sociedade racista, machista e completamente desigual”, relata Aline, que vem de origem popular.
Desta forma, lutar por representatividade é lutar para que as pautas sobre negritude e feminismo negro sejam levadas a sério em espaços de poder e privilégio da sociedade, afinal, a luta pela representatividade das mulheres negras não diz respeito à retirada de direitos de alguém, mas sim, a preservação de direitos e pluralidade efetiva em todos os espaços da sociedade brasileira. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, assim disse a filósofa e ativista estadunidense Angela Davis, que é referência em temáticas relacionadas ao feminismo negro. É urgente que ocorram mudanças na forma do combate ao racismo e machismo, que existam políticas públicas eficazes em enfrentar estes problemas estruturais e que sejam ouvidas e valorizadas todas as vozes em todos os espaços de poder e privilégio.
Uma mudança interessante que aponta no cenário político de Natal é a candidatura de Elizabeth Lima, militante das causas populares e por políticas públicas de inclusão dos povos de matriz africana, como vice-prefeita do município, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Para a candidata, é fundamental assumir o compromisso de governar com uma visão inovadora e com participação popular. “Estamos comprometidos com uma gestão pública que elabore e implemente políticas que contemple todas as populações do município de Natal, que a periferia seja a centralidade das nossas ações e que existem compromissos com práticas e pautas populares, feministas e antirracistas”, explica Elizabeth. A candidata é mestre em serviço social pela UFRN, uma das fundadoras do movimento negro e de mulheres negras no RN e está na chapa junto com o candidato Jean Paul, também do PT. Além de Elizabeth há outra mulher negra (Tatiana Pires – PSB) também candidata a vice-prefeita de Natal.
A COVID-19 não parou o Movimento de Mulheres Negras no RN
Um exemplo de força e criatividade do movimento de mulheres negras do RN, diante da situação da COVID-19 e respeitando o distanciamento social, foi a realização do Julho das Pretas desse ano. A agenda promoveu lives, ciclo de debates, rodas de conversas, minicursos, dentre outras atividades. Algumas redes sociais de homens negros e brancos e mulheres brancas foram ocupadas por mulheres negras para promover a discussão dessa temática e recordar a importância e força dessa data, para que fosse debatido e apresentado os passos dados até aqui e quais são os desafios para o futuro.
Um dos canais que foi realizado a agenda no RN foi a Ajagun Obínrìn – Organização de Mulheres Pretas Feministas, um dos movimentos negros que Elizabeth Lima integra. “O Julho desse ano contou com mais de 80 atividades realizadas quase que diariamente e se estendeu até a primeira semana de agosto de 2020”, conta Elizabeth.
O Julho das Pretas acontece no Brasil desde 2013 como uma agenda conjunta voltada para o fortalecimento das organizações de mulheres negras. A ação de incidência política coletiva das mulheres negras foi criada na Bahia pelo Odara – Instituto da Mulher Negra e celebra o 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina-americana e Caribenha. A data foi escolhida durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, quando também foi criada a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana.
Aqui no Brasil, desde 2014, a Lei nº 12.987/2014 sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, também definiu o 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma emblemática líder quilombola, que viveu durante o século XVIII no estado do Mato Grosso.