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Pernambuco pode ter sua primeira desembargadora negra após 202 anos de história

Sessão extraordinária do Tribunal de Justiça do Estado ocorre nesta segunda (3), às 16h, e definirá a lista tríplice do Quinto Constitucional da Advocacia, que pode garantir a vaga à advogada Ana Paula Azevêdo, única mulher negra na disputa

Por Catiane Pereira

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) realiza, nesta segunda-feira (3), às 16h, uma sessão extraordinária que pode marcar um momento histórico: pela primeira vez, o estado tem a chance de ter uma mulher negra entre seus desembargadores. A votação definirá a lista tríplice do Quinto Constitucional da Advocacia, a etapa que antecede a nomeação da nova desembargadora ou desembargador pelo governo estadual.

A advogada Ana Paula da Silva Azevêdo é a única mulher negra na disputa. Em 2024, ela se tornou a primeira advogada negra a compor a lista sêxtupla da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco (OAB-PE) e do TJPE, conquista assegurada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reafirmou a constitucionalidade das cotas raciais e do procedimento de heteroidentificaçãoo.

Na sessão desta segunda, 56 desembargadores estão aptos a votar e cada um pode escolher até três nomes. Os três mais votados formarão a lista tríplice que será encaminhada à governadora Raquel Lyra (PSD), responsável pela escolha final. Entre os concorrentes estão, além de Ana Paula, Adriana Caribé, Carlos Gil Rodrigues, Diana Patrícia Lopes, Alexandre Soares e Paulo Artur dos Anjos — este último, o único homem cotista racial na disputa.

Criado em 1822, o TJPE é um dos tribunais mais antigos das Américas. Em mais de dois séculos, nunca teve uma mulher negra entre seus desembargadores. Atualmente, apenas um magistrado se autodeclara negro entre os 57 integrantes da Corte.

Uma trajetória marcada por resistência

A presença de Ana Paula na votação é resultado de uma longa disputa judicial. Mesmo após ter sua candidatura reconhecida e validada pela banca de heteroidentificação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e conquistar mais de cinco mil votos da advocacia, ela foi temporariamente excluída da lista sêxtupla após decisões judiciais que favoreceram outras candidatas brancas, contrariando o edital que previa cotas raciais e paridade de gênero.

Em julho deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu liminar garantindo o retorno de Ana Paula à lista. Na decisão, o Supremo reafirmou a legalidade das políticas afirmativas raciais e reconheceu que a exclusão da advogada violava o princípio da igualdade e o direito à ação afirmativa. Em outubro deste ano, a decisão se tornou definitiva e Ana Paula retornou plenamente à lista como cotista.

“O que está em jogo não é apenas minha candidatura, mas o direito de uma mulher negra ser considerada uma opção legítima”, afirmou Ana Paula. Para ela, o caso se tornou um marco simbólico na luta por representatividade no Judiciário.

Uma conquista coletiva

Filha de uma família sem tradição na advocacia, Ana Paula é advogada, professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e doutoranda em Direito pela UFPE. Ela ressalta que sua trajetória foi construída com o apoio muitas pessoas e instiuições comprometidas com a diversidade no sistema de Justiça.

O caso mobilizou organizações e coletivos de juristas negras, que denunciaram o racismo institucional na estrutura do Judiciário. Em carta aberta divulgada em julho, integrantes do Congresso Nacional de Juristas Negras afirmaram que a ausência de mulheres negras em tribunais “não decorre de falta de qualificação, mas de barreiras estruturais que perpetuam a exclusão”.

Atualmente, segundo o Censo do Poder Judiciário de 2023, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 14,25% dos magistrados brasileiros se autodeclaram negros — em um país cuja população é majoritariamente negra. Em Pernambuco, o quadro é ainda mais desigual.

“Tem inúmeras estudantes e advogadas negras que, a partir deste caso, podem se inspirar e ocupar novos espaços”, afirma Ana Paula. “Minha presença nesta votação é fruto da luta e esperança coletiva, e representa a possibilidade real de contribuir com a história do Judiciário pernambucano.”

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