Perto de completar 80 anos, Lia de Itamaracá diz viver “velhice gostosa”, mas reclama falta de incentivo à cultura pernambucana

Patrimônio vivo de Pernambuco, Lia será homenageada no Carnaval do Recife, em 2024

Patrimônio vivo de Pernambuco, Lia será homenageada no Carnaval do Recife, em 2024

Por Elizabeth Souza

Imagem: José de Holanda/Divulgação

Com seu 1,80m de altura, a pele preta reluzente e o sorriso inconfundível, Lia é parte da beleza salgada e ensolarada do lugar que também é seu nome: Itamaracá. Ilha azul, assim como a orixá que lhe guarda e protege: “Primeiramente, em matéria espiritual sou filha de Iemanjá e também sou católica apostólica romana”, diz em entrevista exclusiva à Revista Afirmativa

Nascida com o nome Maria Madalena Correia do Nascimento, Lia iniciou sua trajetória artística aos 12 anos e desde então não parou mais, se tornando uma das cirandeiras mais famosas do Brasil e do mundo. O nome artístico surge do trecho da canção “Esta ciranda quem me deu foi Lia, que mora na Ilha de Itamaracá”, acrescentado por Teca Calazans, na década de 1960, após incorporar versos da cantiga de Antônio Baracho.

Prestes a completar 80 anos, no próximo dia 12 de janeiro, Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco, se diz muito feliz com a chegada da nova idade, afirmando viver “uma velhice muito gostosa”. Aposentada como merendeira de uma escola pública, Lia não esconde o desejo de se aposentar enquanto artista. “Iria ficar mais feliz ainda, mas ninguém fala sobre isso”. No entanto, ela afirma que mesmo assim, não pararia de cantar.

Além da nova idade, o próximo ano também trará mais homenagens. A cirandeira será enredo de duas escolas de samba: Império da Tijuca, do Rio de Janeiro, e Nenê de Vila Matilde, de São Paulo. No Recife, Lia  também será homenageada no carnaval de 2024, ao lado do saudoso Chico Science, fundador do movimento Mangue Beat. “Amo essa cidade”, revela Lia, que recebeu o título de cidadã recifense em 2022.  

Apesar das honrarias recebidas e das que estão por vir, Lia de Itamaracá não nega seu descontentamento com a falta de reconhecimento  que o  seu trabalho ainda enfrenta no estado. “Pernambuco deveria reconhecer mais o que Lia faz. Eu sou mais reconhecida lá fora”, confessa. 

Revista Afirmativa: A Prefeitura do Recife anunciou recentemente, que você será a homenageada do carnaval da cidade em 2024, ao lado de  Chico Science. Como recebeu essa notícia?

Lia: Amo essa cidade, minha relação com o Recife parte do amor que tenho à cultura da cidade, ao povo recifense.  No carnaval do próximo ano serei homenageada e estou muito feliz e animada com isso.

RA: Tem havido no Recife um movimento de reocupação do centro da cidade pela cultura negra, nesse sentido se destaca o Pátio de São Pedro, que é uma fonte pulsante dessa cultura. Recentemente, participando da programação da “Quinta Nagô” você falou dessa importância. O  que você acha dessa retomada?

Lia: O Pátio de São Pedro é o foco da brincadeira, não pode deixar aquilo se acabar não. Desde muito tempo que eu saio da Ilha de Itamaracá para ir para o Pátio de São Pedro viver a cultura do lugar. Hoje aquele espaço tem poucas pessoas ocupando, queria entender o que está acontecendo com o Pátio, na verdade com Recife todo. 

RA: 2024 será muito especial em meio às homenagens que virão além da nova idade que se aproxima. Como você está se sentindo com a proximidade da oitava década de vida?

Lia: Chego muito feliz aos 80, é uma velhice muito gostosa, uma idade muito bacana. E só Deus é quem sabe até onde eu posso chegar. 

RA: Se você pudesse fazer algum pedido em seu aniversário de 80 anos que com certeza seria realizado, qual seria? 

Lia: Se eu pudesse fazer um pedido no meu aniversário seria para que todos comemorassem meu dia muito feliz como Lia é e está. A felicidade vai dobrar, não vejo a hora que chegue meu aniversário, que é no dia 12 de janeiro. Vão vir muitas novidades para esses meus 80 anos, que não posso revelar agora, serão três dias de festejo. 

RA: A Ilha de Itamaracá, onde você mora, é um lugar muito marcante em sua vida, na sua carreira, tanto é que seu nome artístico carrega o nome do lugar. Nessas quase oito décadas de história, alguma coisa mudo na sua relação com a Ilha?

Lia: A minha relação com a Ilha continua a mesma, apesar de não ter incentivo, os gestores não chegam perto de Lia, não explicam nada, não há apoio na hora de eu levar a nossa cultura, o nome de Itamaracá para o mundo, mesmo assim eu levo e trago. Pretendo ficar aqui até quando Deus quiser, não abandono a minha Ilha apesar dos problemas que existem aqui. Me sinto muito feliz, enquanto eu puder aguentar.

RA: Você acha que há um reconhecimento maior do seu trabalho fora do estado pernambucano?

Lia: Pernambuco deveria reconhecer mais o que Lia faz, eu sou mais reconhecida fora, do estado e do país. Também deveria ser mais reconhecida no lugar que eu moro, Itamaracá. Não tem o investimento que precisa na área da Cultura, temos tantos mestres e mestras pelo estado que também não recebem o devido reconhecimento.

RA: E o Centro Cultural Estrela de Lia, em Itamaracá, retomará suas atividades?

Lia: O Centro Cultural está em reforma e quero que ele volte a funcionar logo para eu dar continuidade ao meu trabalho aqui na Ilha. [A previsão] é que no meu aniversário, em janeiro, sejam feitas programações lá. 

RA: Lia de Itamaracá pensa em se aposentar?

Lia: Sou aposentada como merendeira em uma escola. Se eu tivesse direito a aposentadoria enquanto artista iria amar bastante. Ai que delicia se fosse, iria ficar mais feliz ainda, mas ninguém fala sobre isso. Queria que me dissessem “Lia, você vai se aposentar pela música”, mas eu não ia parar de cantar. Só paro quando Deus disser: “minha filha, chegou seu tempo, você já cumpriu sua sentença na terra”.Mas vou deixar muitas sementes bem plantadinhas por aqui, viu?

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