Povos de Terreiro lançam manifesto sobre o PL das Fake News

O documento apresenta 10 contribuições ao debate e cobra comprometimento com o enfrentamento ao racismo religioso

O documento apresenta 10 contribuições ao debate e cobra comprometimento com o enfrentamento ao racismo religioso

 Por Andressa Franco

Sacerdotisas, sacerdotes, autoridades de matriz africana, pesquisadores e militantes sociais de todas as regiões do país encaminharam na última segunda-feira (1) o documento “Manifestação dos Povos de Terreiro Sobre o PL das Fake News (PL 2630/2020)” ao relator do Projeto de Lei e para todos os deputados federais.

A votação do PL estava prevista para a última terça-feira (2). No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), adiou a votação a pedido do deputado federal e relator do projeto Orlando Silva (PCdoB-SP). A proposta torna crime a promoção ou financiamento de divulgação em massa de mensagens com conteúdo inverídico por meio de conta automatizada, as contas-robôs.

A Manifestação surgiu como uma reação dos povos de terreiro em face da pressão de parte de denominações evangélicas e de representantes da Frente Parlamentar Evangélica por mudanças no PL. Ele já conta com mais de 300 assinaturas.

Documento cobra comprometimento com enfrentamento ao racismo religioso

Ao longo do seu conteúdo, a Manifestação apresenta 10 contribuições e cobra comprometimento com o campo do enfrentamento ao racismo religioso. Entre elas:

  • Só com o Estatuto da Igualdade Racial – Lei 12.288/2010 – pela primeira vez na história, em nível federal, surgiu um Capítulo inteiro sobre a proteção às expressões religiosas dos povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana;
  • As previsões genéricas sobre liberdade religiosa da Constituição Federal de 1988 nunca impediram que os templos de matriz africana sofressem repressões e não conseguiram garantir-lhes o reconhecimento jurídico dado a outras religiões;
  • Denominações religiosas cristãs sempre gozaram de liberdade religiosa e, historicamente, atuaram na repressão aos povos de terreiro, sob a justificativa do exercício da liberdade de expressão;
  • A liberdade de expressão deve conviver em harmonia com outros preceitos constitucionais, especialmente a não-discriminação, a igualdade e a proteção dos direitos humanos, sob pena de enquadramento como discurso de ódio;
  • O discurso de ódio contra os povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana é uma realidade, e aponta três casos para justificar a afirmação: Reportagem da Folha Universal de 1999 que desencadeou a morte de Mãe Gilda; O programa de TV “A voz das religiões afro”, resultante de condenação em Ação Civil Pública ajuizada diante dos ataques veiculados no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de Descarrego”, da Igreja Universal do Reino de Deus, transmitidos pelas Rede Record e Rede Mulher, e; O caso que foi parar na polícia do Estado de Sergipe, em 2020, após uma influenciadora ter divulgado um vídeo nas redes sociais com ataques a religiões de matriz africana;
  • Que, nesses casos os meios de comunicação foram usados para promover o ódio
  • Lamenta que o Relator na nova redação do PL, inseriu um novo inciso para garantir que as religiões podem fazer exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados, mas não se referiu ao Estatuto da Igualdade Racial e à Lei Caó como princípios a seguir no mesmo artigo, e nem mencionou dentro das obrigações de dever de cuidado, as previsões sobre discurso de ódio constantes no Estatuto da Igualdade Racial;
  • Outras leis abordam o controle do discurso de ódio, como o Código Brasileiro de Telecomunicações e a Lei nº 9.612, que institui o serviço de radiodifusão comunitária;
  • Critica, ainda, a última versão do PL por ter excluído que o Poder Público deve desenvolver ações direcionadas para responder aos danos coletivos resultantes de condutas de que trata a Lei das Fake News, incluindo a criação de áreas especializadas, pois, a Constituição já estabelece o combate à discriminação racial e religiosa como objetivos fundamentais, atribui ao Ministério Público tal função e a Lei de Ação Civil Pública prevê a proteção aos grupos raciais, étnicos e religiosos;
  • Que tais direitos já são reconhecidos em normas de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração de Princípios sobre Tolerância (1995), a Declaração e Plano de Ação de Durban (2001) e a Convenção Interamericana contra o Racismo (2013).

A Manifestação finaliza, dizendo que o curso da história de conquistas de direitos do povo de terreiro “não dará um passo sequer para trás e que estarão sempre atentos e prontos para a luta, sobretudo diante das tentativas históricas, que se atualizam, de os exterminar”.

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