Pressão por mulher negra no STF aumenta e Lula permanece indiferente

Nas próximas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá anunciar o nome de quem ocupará a vaga deixada pela ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF).

Por Elizabeth Souza

Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nas próximas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá anunciar o nome de quem ocupará a vaga deixada pela ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). Em meio ao tempo que avança, movimentos sociais, organizações, coletivos e membros da sociedade civil intensificam campanhas em prol de uma mulher negra no STF, que em 132 anos de história nunca teve uma ministra negra. 

Em jantar com Lula, até mesmo o novo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a indicação de uma mulher negra, de acordo com o portal de notícias Metrópoles. Expectativa defendida também por Cármen Lúcia, ministra do STF, que chegou a afirmar que “não há razão” para não haver essa escolha. No entanto, o presidente petista tem se mostrado indiferente às reivindicações.

Dentre outras coisas, as reivindicações cobram de Lula coerência com os posicionamentos adotados em seus discursos e no dia de sua posse, quando recebeu a faixa presidencial das mãos de Aline Sousa, uma mulher negra.

Lula diz que não vai considerar raça e gênero em sua escolha

Uma das três únicas mulheres a ocupar uma cadeira no STF, Rosa Weber se aposenta em 1º de outubro, quando completa 75 anos. A sua saída abre mais uma vaga na Suprema Corte, que está mais do que na hora de receber uma ministra negra, como avaliam as mobilizações feitas nacional e internacionalmente. 

Em uma coletiva de imprensa realizada na última segunda-feira, 25, Lula disse que gênero e raça não serão critérios de escolha da próxima pessoa que se tornará ministra do STF. A fala ocorreu no mesmo dia em que foi lançada a campanha da  Plataforma dos Movimentos Sociais por  Outro Sistema Político, em prol de uma mulher negra no Supremo. 

Levando em consideração a falta de equidade racial e de gênero entre os nove nomes indicados ao STF por Lula durante seus três mandatos – uma mulher branca, um homem negro e sete homens brancos – a camapanha traz como mote provocador o seguinte título: “‘Nunca antes na história deste país’, tivemos uma mulher negra como ministra do STF: Qual a desculpa agora, presidente!?”.

“Raça e gênero não são critérios de escolha quando se trata de um país diverso e com os direitos humanos sendo respeitados, o que não é o caso infelizmente do nosso Brasil”,  avalia Giselle Santos, diretora de eventos do Instituto Juristas Negras, uma das organizações integrantes da Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político. 

“Se Lula não indicar uma mulher negra ele estará contradizendo a ideia de diversidade que o seu governo passou na posse apoiado na retórica de que estaria governando para todos”, completa Giselle. 

“Diversidade não pode ser só para subir a rampa”, reitera outra campanha nacional, “Ministra Negra no STF”, lançada em agosto. Uma das articulações a integrar essa mobilização, a Coalizão Negra por Direitos realizou, nesta quarta-feira, 27, o ato público “A primeira ministra negra no STF”, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com o intuito de fortalecer a luta em prol de mais juristas negras e negros no Poder Judiciário brasileiro. 

“Para nós, a imagem que Lula vem passando é de falta de diálogo com os movimentos, com as organizações, com a sociedade civil. Não estamos falando apenas do movimento negro e juristas, existe uma expectativa da própria sociedade para que avancemos nisso”, comenta Ingrid Farias, liderança da Coalizão Negra por Direitos, que esteve presente no ato em Brasília. 

Ingrid Farias, liderança da Coalizão Negra por Direitos – Imagem: Yanne Mendes

Ingrid classifica como “totalmente fascista” os argumentos infundados de que não há mulheres negras aptas a ocuparem uma vaga na Suprema Corte. “Temos diversas juristas negras no Brasil, pessoas qualificadas e que são referências. A Coalizão Negra, por exemplo, tem indicado o nome da doutora Vera Lúcia Araújo, que tem um amplo histórico de atuação. Mas sabemos que tem vários outros nomes de mulheres negras que têm capacidade de estarem nesse espaço.” 

Outros nomes que também têm sido ventilados são: Livia Santana Vaz, promotora do Ministério Público da Bahia – apoiada pelas Juristas Negras ; Chiara Ramos, doutoranda em Ciências Jurídico-politicas pela Universidade de Lisboa em cotutela com a Universidade de Roma, professora universitária e procuradora federal; Aline Moreira, advogada e mestra em Políticas Sociais e Cidadania, pesquisadora em direitos humanos, relações raciais e de gênero; dentre outros nomes de mulheres negras progressistas competentes para a vaga. 

“O perfil da ministra que o Brasil necessita é de alguém que, além do notório saber jurídico, deve ter comprometimento com os grupos minorizados, com os direitos humanos e com a Constituição. Hoje temos uma democracia incompleta e o STF tem um papel muito importante de fazer com que a democracia de fato garanta direitos”, opina Giselle Santos.

Giselle Santos, diretora de eventos do Instituto Juristas Negras – Imagem: Arquivo Pessoal

Indo na contramão do clamor social, os nomes que têm surgido como favoritos de Lula, do PT e de parlamentares, são, mais uma vez, de homens: o ministro da Justiça, Flávio Dino; o advogado-geral da União, Jorge Araújo Messias; o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas e o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luiz Felipe Salomão. 

Manifestações pelo mundo

Em reunião da cúpula do G-20, em Nova Deli, na Índia, Lula foi surpreendido por outdoors espalhados pela capital indiana que pediam a indicação de uma mulher negra para o STF. Já nos Estados Unidos, um vídeo relacionado à campanha #PretaMinistra, movida pelo Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) junto com a Coalizão Negra por Direitos, foi exibido na Times Square, em Nova York. No entanto,  Lula prefere fazer suspense e não demonstrar pressa. Para esta sexta-feira (29) o presidente realizará uma cirurgia no quadril, o que deve retardar a indicação.

Guardião da Constituição Federal, o Supremo tem papel chave na garantia e fortalecimento da democracia brasileira, os ministros que compõem a Corte são os mantenedores dessa missão. Em um país formado populacionalmente por maioria negra, não ter pessoas desse grupo ocupando lugares estratégicos de poder e decisão, como a Suprema Corte, é o retrato fiel de como os tentáculos do racismo institucional/estrutural se acoplam à sociedade brasileira e refletem nas estruturas políticas.

Nenhum acordo político deveria sobressair às reais necessidades do povo. Não escolher uma mulher negra para o STF é fortalecer a continuidade de um Estado que desde a sua formação esteve de mãos dadas com os privilégios da branquitude. Adiar o comprometimento com a democracia não deve ser uma opção, e o Brasil já mostrou quão caro isso pode custar. 

Enquanto isso, a sociedade tem alertado em letras garrafais: Mulher negra no STF, já!

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