Por Andressa Franco
A equipe da Travessia Filmes veio a público no último domingo (6) para repudiar a publicação de uma crítica sobre o filme da produtora, baseada em Cachoeira (BA), “Passos Retumbantes”. “Não se trata de uma análise cinematográfica, mas de um ataque carregado de preconceitos e desinformação”, declararam.
A “crítica” em questão foi feita pela doutora em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Bruna Frascolla, em um texto publicado na plataforma Substack. Nele, ela faz um relato das programações de que participou durante o mês de março, em Cachoeira (BA), em razão do aniversário de 188 anos da elevação de Cachoeira de vila a cidade. Eventos que classificou como “culturais e ‘culturais’”.
Logo de partida, critica os shows que “incluíam cantores que exaltam o estilo de vida de traficantes putanheiros”.
Eis os artistas que compuseram a programação: Oh Polêmico; Vanessa Aragão, Sine Calmon, Filhos de Jorge, Tayrone, Letícia Brasil, Brotou Samba, Juninho Cachoeira, Yure Trindade, Edson Gomes, Silfarley, Black Style.
Sobre o filme “Passos Retumbantes”, Bruna classificou como “afrochato e neocarlista”. Bruna atacou o fato da obra ter sido apoiada pela Lei Paulo Gustavo, edital que destina recursos federais ao setor cultural, afirmando que o instrumento dá “vantagens” a quem se declarar negro, ou “membro da sopa de letras”, ao se referir pejorativamente à comunidade LGBTQIA+.
Para ela, o filme de Allan Maia é como uma reportagem da Rede Bahia – onde o diretor também trabalha – “porém voltado para o nicho afrochato da classe média que querem redescobrir suas raízes africanas na Bahia, mais precisamente em Cachoeira”.
Em sua nota, a Travessia Filmes pontua que a crítica desconsidera qualquer avaliação técnica ou narrativa séria, recorrendo a termos pejorativos e desqualificações generalizadas, “que demonstram um incômodo evidente com a valorização da identidade negra e do afroturismo”. Destacam ainda que o uso do termo “afrochato” e a tentativa de invalidar políticas afirmativas mostram um “viés excludente e incompatível com um debate artístico e intelectual de qualidade.”
No decorrer do texto, Bruna revela uma visão distorcida e reducionista sobre a cultura e religiosidade afro-brasileira ao tratar o candomblé como uma espécie de fetiche turístico para a classe média em busca de raízes. A autora tenta deslegitimar a centralidade do candomblé na história de Cachoeira, ironizando o conceito de “afroturismo” e colocando em dúvida a veracidade dos relatos sobre a ancestralidade dos terreiros, minimizando a complexidade e a profundidade de uma tradição religiosa que resiste há séculos.
“Essa abordagem não só ignora a riqueza da herança cultural afrodescendente na Bahia, como também reforça um olhar colonialista que deslegitima narrativas não brancas. […] Nosso compromisso segue sendo com um cinema que valoriza histórias negras, que amplia diálogos sobre pertencimento e identidade e que não se curva a ataques que buscam deslegitimar narrativas afrodiaspóricas”, respondeu a Travessia Filmes.
Série de ataques
Para além dos comentários a respeito do filme, Bruna também deu suas impressões a respeito das palestras a que compareceu, em trechos que revelam um racismo disfarçado de ironia e suposta crítica à superficialidade dos debates contemporâneos feita por quem chama de “afrochatos”.
“A hora de brilhar é a das perguntas. E hoje a TV e as celebridades já ensinaram que é chique no úrtimo problematizar as questões de gênero e raça. […] O que é um afrochato? É um mestiço de evidente origem africana cujo único assunto negritude, raízes, candomblé etc. Praticamente diz: ‘Oi, sou negro. Já falei que sou negro? Quero cumprimentos pela minha produção de melanina.’ Ele acha que tem uma estrela na testa por ser escuro e ter apreço pelos orixás”, disparou ela, que é autora do livro As ideias e o terror, que defende que os “movimentos identitários” são, no século XXI, uma continuidade dos movimentos fascistas do século XX.
Não parou por aí. Sobre o lançamento do Dicionário Histórico-Biográfico dos Moradores da Heroica Cachoeira (Século XIX), seu incômodo foi com a “adesão politicamente correta” à palavra “escravizado” como substituta de “escravo”.
“Oxalá os tempos melhorem e as pessoas voltem a escrever ‘escravo’, em bom português, sem ter medo de nada”, escreveu, saudosista de uma época em que não se questionava a linguagem que reduzia africanos sequestrados e submetidos a trabalhos forçados a uma condição tida como natural, apagando o agente da violência, e disfarçando o fato de que essas pessoas não nasceram escravas, mas sim foram escravizadas por um sistema brutal e imposto.Seu comportamento não é diferente no Twitter, onde compartilha com seus mais de 15 mil seguidores postagens contra a “cultura woke”, o “vitimismo” e a “ideologia de gênero” — termos recorrentes na extrema direita. Repostou, por exemplo, uma foto do ator trans Elliot Page ao lado de Jair Bolsonaro: “Garota gasta milhões de dólares em cirurgias plásticas para ficar igual ao seu ídolo”, em referência à visita de Elliot ao Brasil em 2016, quando entrevistou Bolsonaro para a série Gaycation, que discute a homofobia. Também escreveu que transexualidade e autismo são “manias que acometem um dado tipo de adolescente que se contagia pela internet […] o autismo não é um diagnóstico sério. É, na melhor das hipóteses, a patologização de um tipo de personalidade.”