O concurso foi suspenso em setembro do ano passado pelo MP por “suspeitas de ilegalidades”. Apesar de convocados, os professores não foram nomeados. Estudantes da Uneb já realizaram protestos devido à falta de professores, que pode resultar no fechamento de alguns cursos.
Por Andressa Franco
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Na manhã desta terça-feira (16), aconteceu na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) uma audiência pública para tratar da situação das universidades do estado. Boa parte da audiência foi marcada por falas relacionadas ao concurso docente 34/2022 da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
As provas foram aplicadas em junho do ano passado. No entanto, no dia 6 de setembro de 2022, o concurso foi suspenso por decisão do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) através de Ação Civil Pública (ACP), por denúncia de “inúmeras ilegalidades”, que comprometeram a lisura do processo. Entre elas: identificação das folhas de respostas da prova escrita; problemas para composição das bancas examinadoras; modificações da composição da banca para a vaga; mudança do regramento existente às vésperas da realização do certame; entre outras.
Na audiência, a reitora Profa. Dra Adriana Marmori deu o posicionamento da universidade na defesa da legalidade do processo. Questionou os porquês do travamento quanto à UNEB já que os editais das outras universidades foram iguais. Manifestou ainda solidariedade a todos os aprovados e convocados.
“Nós vamos defender esse concurso com unhas e dentes porque nós entendemos como se faz uma universidade pública. Falar de 134 vagas é falar de 10 anos sem concurso público, de 134 bancas formadas em toda a Bahia, de pessoas que saíram de outros lugares do Brasil para buscar um lugar dentro da Universidade do Estado da Bahia”, ressalta.
Carta aberta dos convocados
Uma carta aberta à sociedade civil e aos poderes judiciário, executivo e legislativo da Bahia foi publicada pelos docentes selecionados. Ela também foi enviada pelo Coletivo dos Aprovados a todos os deputados estaduais, federais e senadores da Bahia. O texto relata a situação dos professores convocados no concurso para preencher vagas por diversos campus da Uneb, e que ainda não foram nomeados.
“É de se ressaltar que todos os examinadores, como convém à função, são pessoas de alta envergadura acadêmica e profissional, além de dotadas de reputação ilibada”, diz um trecho da carta aberta, que contesta a decisão do MP-BA.
Os docentes argumentam que a ação civil pública que contesta o resultado da prova, parte de “pessoas insatisfeitas” com os resultados, e que alegavam que em duas ou três das 134 bancas de avaliação, teria havido alguma possibilidade de benefício. “Observe-se que apenas lançaram a acusação, não a provaram”, acrescenta.
No momento da suspensão do concurso, os convocados já haviam apresentado documentos, passado na perícia médica, e já sabiam inclusive as disciplinas que iriam ministrar e seus horários. Além de, seguindo determinação do setor de recursos humanos da reitoria, se desligado de outros vínculos de trabalho.
“Muitos desses profissionais, oriundos de lugares distantes do Brasil, migraram para a Bahia a fim de estabelecerem […]. No entanto, todos foram impedidas de assumirem seus postos. Desprovidos, inclusive, de sustento e relegados à uma condição de desamparo emocional e psicológico”, continua o documento.
A carta se baseia ainda no princípio da não-culpabilidade da Constituição Federal. Ou seja, aponta que os responsáveis pelas acusações devem prova-las, antes de que se imponham sanções aos acusados. Chama atenção também para a necessidade de participação de aproximadamente mil pessoas, dentre avaliadores, suplentes de banca, candidatos e funcionários de apoio logístico para que o resultado tenha sido fraudado.
“Não há um honesto sequer em todo esse processo? Admitamos que é inconsistente tal narrativa”. Além disso, ressalta os impactos para os estudantes, já que muitos cursos podem se encerrar por falta de corpo docente efetivo. “Estudantes que, em esmagadora maioria, pertencem a grupos minoritários são cada vez mais excluídos”. Aproximadamente 70% do alunado da universidade é formado por mulheres; outra maioria, aponta a carta, é formada por negros. De acordo com o documento, estudantes indígenas também estariam sendo impactados.
“A suspensão prejudicou a população negra e pobre”
Em resposta à demora por uma definição, alguns professores convocados formaram uma comissão para representar os concursados, conseguindo uma reunião com o MP-BA apenas no dia 10 de abril.
“O processo foi legítimo. A lisura do concurso é deferida quando a gente vê aprovados de 17 estados do país, muitos nunca estiveram aqui, não conhecem absolutamente ninguém da própria UNEB”, defende Andrews Pedra Branca, integrante da comissão de aprovados. O professor destaca a urgência da situação de colegas aprovados que estão passando por dificuldades financeiras por pedir saída de seus trabalhos, ou que já tinham transferido suas famílias para as cidades onde assumiriam a docência, “todo um transtorno criado em cima de um plano de vida. Entendemos o concurso em uma universidade pública como um plano de vida”.
Entre esses colegas está Tasciano Santa Izabel, de Feira de Santana (BA), doutor em Botânica e professor do estado. Ele pediu redução da carga horária pela metade, para que fosse possível conciliar com a carga horária da UNEB, conforme solicitado. Desde setembro sem a nomeação, Tasciano tem vivido com apenas metade do seu salário.
“Estou passando necessidade, com dívidas. Esse concurso mexeu com a vida da gente. Defendemos que ele seja liberado integralmente. Mas se for verificada alguma denúncia verdadeira, que se apure e puna. Porque não é fácil fazer um concurso com 134 vagas na Bahia toda”, desabafa o docente, que lecionaria no município de Coité.
Andrews argumenta ainda que outros concursos públicos de outras universidades do estado foram feitos no mesmo período, seguindo os mesmos trâmites da UNEB, como a identificação por meio de CPF, “que é um documento sigiloso. Você não consegue identificar, não é informação pública”.
“No edital não diz qual é a forma de identificação”, completa Tasciano. “Concursos de universidade são diferentes. Cada uma tem sua autonomia”. Apesar dos transtornos que tem enfrentado, a maior preocupação do biólogo é com os estudantes do curso de Agroecologia, onde foi convocado para lecionar, e até então não tinha professores efetivos.
“É um curso muito importante, envolvido com movimentos sociais. A suspensão prejudicou muito a população negra e pobre que vive em lugares distantes e não têm condição de se deslocar para capital”. Enquanto homem negro, Tasciano se identifica com a preocupação dos alunos. “A gente está buscando ser professor em universidade pública para incentivar o interesse de outras pessoas negras pela vida acadêmica e pela docência.”
Para Wagner Lemos uma das possíveis causas do “entrave” é o fato do concurso da Uneb ser em grande parte ocupado por pessoas negras. “Concursos universitários costumam ter pouquíssimas vagas, porém o da UNEB contou com 134 e, desse modo, alcançou, em termos absolutos, o maior com convocados cotistas negros: 40. Além desses, há professores negros que ingressaram pela ampla concorrência e mais dezenas de aprovados que já passaram pela banca de heteroidentificação. Não se tem notícia de nenhum outro dessa monta”, afirma o professor que foi selecionado para cadeira de Literatura Brasileira do campus de Euclides da Cunha.
Estudantes se posicionam: falta de professores é problema antigo
No dia 27 de abril, estudantes em um ato organizado pelo Centro Acadêmico de História (CA) gritavam entre as palavras de ordem “Professores já, queremos formar!”, em cobrança ao governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT).
Eduardo Arruda é estudante de História da UNEB, integrou a última gestão do Diretório Central dos Estudantes da UNEB, e relata que a falta de professores é um problema antigo da instituição. Mas, tem se aprofundado na medida que estes profissionais se aposentam, ou por outros motivos, deixam a universidade sem que haja uma reposição dos quadros.
“Foram 10 anos sem concurso docente. Não achamos que esse único concurso irá resolver esse problema histórico, mas é muito importante que os professores aprovados nele sejam convocados pra ontem, para que inclusive possamos pautar novos concursos”, pontua.
Para ele, o problema afeta duramente a formação dos estudantes, tanto porque estes prolongam sua graduação, já que não encontram as matérias ofertadas pela falta de professores; como também afeta a qualidade do ensino ofertado, “pois a falta de docentes especializados obriga a universidade realocar um profissional de determinada área em outra que não a sua, comprometendo a qualidade do ensino”.
O estudante acredita que não basta criar cursos novos, mas dar as condições para que eles existam com estrutura física. “Houveram manifestações importantes, em especial no campus IX em Barreiras, e XIII em Itaberaba. Os estudantes ocuparam a universidade para manifestar sua insatisfação com a qualidade do ensino”, explica.
Eduardo aponta outro problema enfrentado pelos estudantes: as cooperações de professores de um departamento/campus para outro. Segundo ele, muitas delas foram negadas, e a maioria das aprovadas estão sendo realizadas de forma remota, “o que não é o ideal, tendo em vista que não nos matriculamos em cursos EaD”.
Embora não haja previsão de um novo ato, ele afirma que o movimento estudantil seguirá se mobilizando de diferentes formas até que os problemas sejam resolvidos.
Na última quarta-feira (3), Andrews, Tasciano e outros membros da comissão estiveram na Alba para levar o caso para a comissão de educação da Casa.
“Quando se fala que teve denúncias do MP, a população condena, sem entender que é um processo muito complexo. Queremos ser escutados pela comunidade e pelo MP. São vidas afetadas”, avalia Tasciano.
Entramos em contato com a UNEB e o MP-BA, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos retorno.