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Relator da ONU alerta para revitimização de Sônia Maria de Jesus e cobra do Brasil medidas de proteção

Tomoya Obokata exige ações concretas para garantir dignidade e reparação à vítima e diz estar alarmado com a decisão do judiciário brasileiro
Imagem: Divulgação

Por Patrícia Rosa

Durante sua passagem pelo Brasil, o Relator Especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão, Tomoya Obokata, afirmou estar “alarmado” com a decisão do Judiciário brasileiro que autorizou o retorno de Sônia Maria de Jesus, de 50 anos, à casa do desembargador Jorge Luiz de Borba e de sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, em Florianópolis (SC).

Obokata esteve no país entre 18 e 29 de agosto de 2025 para avaliar a atuação do Brasil no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo. Durante a missão oficial, ele se reuniu com familiares de Sônia e recomendou ao Governo Federal a adoção de medidas para garantir os direitos das vítimas de servidão doméstica, incluindo o caso de Sônia Maria, assegurando a não revitimização e o acesso à reparação.

Como parte da agenda, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) se reuniu com o Relator Especial. A reunião também integrou o XIII Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas – Sônia Livre. Na ocasião, a FENATRAD pediu atenção especial ao caso de Sônia Maria.

“Além de favorecer um sentimento de impunidade na sociedade brasileira, especialmente nos casos de trabalho escravo, a morosidade no julgamento que busca a liberdade de Sônia perpetua as graves violações de direitos humanos identificadas na ação fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, e desrespeita garantias específicas de celeridade na tramitação de processos em favor de pessoas com deficiência”, afirmou a FENATRAD por meio de nota.

Relembre o caso

Sônia passou mais de 40 anos submetida a trabalho doméstico em condições análogas à escravidão: sem salário, sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e sem acesso à educação. Isolada da família, com perda auditiva bilateral e cegueira parcial, cresceu sem aprender Libras e só na vida adulta pôde obter seus documentos de identificação.

Durante uma audiência pública sobre o trabalho escravo no ambiente doméstico, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, que ocorreu em maio do ano passado, Marta de Jesus, irmã da vítima, relatou que a menina foi tirada do convívio com a mãe aos nove anos. A mãe, dona Deolinda Ana de Jesus, vivia um relacionamento abusivo e confiou no apoio de uma psicóloga para proteção da criança. “A ideia era que a Sônia fosse cuidada e que minha mãe tivesse acesso a ela, só que não foi isso que aconteceu, ela foi levada.”

Dona Deolinda faleceu em 2016 sem conseguir reencontrar a filha. Anos depois, em junho de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) realizou a operação de resgate na casa do desembargador. Porém, cerca de três meses depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o retorno de Sônia à residência da mesma família que a explorou por décadas. Após a decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, manteve a decisão do STJ.

Em abril deste ano, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, reafirmou o compromisso do Ministério com a dignidade de Sônia e de todas as trabalhadoras domésticas do país.

“Temos no Brasil o primeiro caso de desresgate de uma trabalhadora que foi enviada de volta para o ambiente de exploração. Nós, ministério e sociedade civil, estamos na luta para reverter essa decisão e garantir efetivamente que Sônia possa reconstruir sua vida com dignidade e restabelecer o vínculo com sua família de origem.”

Ana Cristina Gayotto de Borba na Lista Suja do trabalho escravo

Em abril deste ano, a esposa do desembargador, Ana Cristina Gayotto de Borba, foi incluída entre os mais de 700 nomes da Lista Suja do trabalho escravo. Apesar disso, e a despeito da internacionalização do caso, a realidade da revitimização da vítima não mudou: cerca de dois anos depois ela segue na casa de quem a explorou e a negou direitos básicos.

O caso de Sônia não é isolado. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre 2017 e 2023 foram realizados 119 resgates de pessoas em trabalhos domésticos em situação análoga à escravidão no Brasil. A cadeia de casos é crescente: em 2021, foram 31; em 2022, o número passou para 35; e em 2023, saltou para 41 resgates.

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