Por Jonas Pinheiro
Neste fim de semana o Flamengo sagrou-se campeão da Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro de Futebol, tudo isso em menos de 24hs. O fato levou milhares de torcedores às ruas do Rio de Janeiro e do Brasil para comemorar os títulos.
Tudo isso gerou uma série de acontecimentos, processos, opiniões, que somente o futebol é capaz de proporcionar. Entre leituras rasas puramente “futebolísticas” e outras mais “políticas” não se falou, e não tem se falado, de muitas outras coisas.
Como flamenguista, que vibrou com o gol de Gabigol nos acréscimos (e no pós-jogo ao ignorar Witzel), e que se emocionou com o roteiro pouco provável da final, estive a observar também toda a efervescência proporcionada pela conquista da competição que em seu nome homenageia aqueles que lutaram por uma América Latina Livre.
Desta forma, começo minha “análise” com um trecho do comentário feito no twitter pelo advogado e militante negro Silvio Almeida após o titulo. “Quem realmente quiser mudar o Brasil não pode desprezar o futebol. Poucas coisas são tão capazes de mobilizar as energias populares e reconfigurar o imaginário social”.
O pesquisador foi rechaçado por “uma esquerda branca” que sabe muito pouco do nosso povo, e que brada acerca da falta de consciência de classe das populações brasileiras. Multiplicaram-se os chavões superficiais ao lado das fotos da festa, uma espécie de estratégia que serve para viralizar e angariar seguidores neste mundo de redes sociais.
O primeiro ponto a ser pensado é que o Flamengo é um time de massas. A maior torcida do país é majoritariamente formada por pessoas negras, pobres e periféricas. O urubu, hoje símbolo do time, era a forma racista e pejorativa pela qual a torcida do clube era chamada pelos adversários. E foram essas pessoas, que sofrem por mazelas sociais em um Rio de Janeiro sitiado, que por 24 horas ousaram ser felizes. Essas mesmas pessoas, apanharam da polícia em meio à festa, talvez para lembrar que aquilo ainda é o Rio de Janeiro governado por fundamentalistas religiosos e fascistas.
Para parte de uma esquerda branca, que pouco conhece de seu povo além das leituras confortáveis em suas salas com ar-condicionado, o que lhes falta, no entanto, é “consciência de classe”.
Em contrapartida, surfando na “onda rubro-negra”, o governador neofascista Wilson Witzel (que nem sequer é flamenguista, é corintiano), pousava ao lado dos jogadores e da diretoria flamenguista. O fato por si só dá indícios do porque a esquerda carece de líderes e perde eleições. Enquanto “povo” for uma palavra distante e presente apenas nos livros, será difícil convencer a maioria das pessoas que o caminho é à esquerda.
Há de se ressaltar alguns outros pontos. Nem tudo foram e são flores. Houve quem preferiu lembrar do flerte da nova diretoria com os políticos bolsonaristas e com o próprio governador do Rio, Witzel. É um capítulo triste desta conquista, mas como ressaltado em artigo do El País, o presidente do clube, Rodolfo Ladim, já esteve ao lado de Dilma e Lula, e faz seu papel mais uma vez estando do lado de quem se encontra no poder para barganhar ganhos políticos.
Outros preferiram criticar o clube acerca da situação dos garotos do Ninho, e cobrar da diretoria as indenizações devidas aos familiares. Apesar da boa assessoria do time dedicar os títulos aos garotos, apesar de diversos jogadores do elenco lembrar deles no momento de alegria, esta mesma diretoria que flerta com o fascismo destes novos tempos, negligencia e dificulta os acordos com as famílias das vitimas. Isso também é um fato, que não diminui em nada as conquistas do time, mas sim daqueles que atualmente o gerem.
Como os loucos que acompanham o esporte costumam dizer (estou entre eles), futebol não é apenas um jogo. No Brasil isso é evidente a cada esquina. Lembro-me de uma entrevista de Eduardo Galeano em que o autor comentava que nos países da América Latina é comum que em cada localidade tenha uma igreja, oriunda da tradição colonial cristã. No Brasil ele disse que era possível encontrar lugares onde não havia igreja, mas nunca um que não houvesse um campo de futebol, por mais castigado e improvisado que seja.
Foi de um desses campos que saiu Bruno Henrique, negro de origem humilde e que foi eleito melhor jogador das américas. Volto à segunda parte do tweet de Silvio Almeida: “Em sua magia, o futebol nos faz pensar que podemos virar o jogo mesmo quando tudo parece perdido”.
Todos os corações rubro-negros que desceram da favela para comemorar o título, experimentaram por algumas horas esta esperança de que ainda é possível sorrir, mesmo em um país tão castigado pelo neoliberalismo e conservadorismo, e não foi nenhum teórico marxista que proporcionou isso. Foi o futebol.