Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura de Salvador é acusada de fazer uso indevido do nome “Julho das Pretas”

Criada e patenteada pelo Instituto Odara, a agenda do Julho das Pretas veta a realização de atividades promovidas por secretarias de governos e outros órgãos ligados ao Estado
Imagem: Reprodução Redes Sociais

Por Jamile Novaes

Na última terça-feira (22), a Secretaria Municipal de Gestão (SEMGE), vinculada à Prefeitura de Salvador (BA), publicou em seu perfil no Instagram um vídeo de cobertura de uma atividade intitulada “Julho das Pretas na SEMGE”. Na publicação, uma procuradora do município aparece falando sobre os objetivos da ação que, segundo ela, foi realizada para refletir sobre o papel da mulher negra na sociedade e sobre a importância do Programa de Combate ao Racismo Estrutural (PCRI) da gestão municipal. 

Pouco após o post ir ao ar, ativistas, organizações de mulheres negras e até o perfil oficial do Julho das Pretas começaram a se manifestar nos comentários, denunciando o uso indevido da marca e exigindo a retirada do vídeo. 

Outros comentários apontavam contradições entre o discurso apresentado pela secretaria e o posicionamento da gestão em relação às vulnerabilidades enfrentadas por mulheres negras de Salvador, no que diz respeito à educação, acesso à saúde pública e à falta de representatividade nos espaços de poder e tomada de decisão. Algumas internautas também relataram que a conta da SEMGE estaria apagando comentários que continham críticas ao conteúdo.

Julho das Pretas

Criado em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, o Julho das Pretas é uma agenda de incidência política articulada de forma autônoma por diversos grupos, coletivos e organizações do movimento de mulheres negras de todo o país. Atualmente, a agenda é organizada pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Rede Fulanas – Negras da Amazônia, e conta com 634 atividades sendo realizadas por organizações dos movimentos sociais em todo o Brasil, a partir do tema “Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver”. 

O Instituto Odara é detentor das patentes do nome e marca do Julho das Pretas e não autoriza a realização de atividades por parte de setores do governo ou partidos políticos. Para Naiara Leite, ativista e coordenadora executiva do Instituto, a ação da Prefeitura é uma tentativa de esvaziar o sentido da agenda e um desrespeito à memória coletiva e à produção intelectual do movimento de mulheres negras. “A assessoria de comunicação da Prefeitura e a gestão não se deram ao trabalho de pesquisar a história dos Julho das Pretas, porque se apropria e, inclusive, não faz a referência de onde surgiu, de como surgiu, a partir de quais processos”, afirma.

Ela explica ainda que o Julho das Pretas é uma agenda de incidência política criada para denunciar as violências, ausência de políticas e direitos e as violações de direitos humanos contra as mulheres negras, perpetradas pelo próprio Estado, “principalmente em uma cidade como Salvador”. Naiara aponta ainda que “é importante que a Prefeitura de Salvador e o prefeito Bruno Reis tomem outra posição em relação a isso, porque o papel da gestão municipal é promover políticas que transformem e mudem a realidade das pessoas que vivem nessa cidade, ao invés de se apropriar do que o movimento de mulheres negras ou qualquer outro movimento social nessa cidade produza para reivindicar os seus direitos”.

A ativista revelou que a assessoria jurídica do Instituto Odara foi acionada para formalizar um comunicado oficial a todas as secretarias municipais que estão utilizando o nome ou marca do Julho das Pretas de forma indevida. 

Em resposta à publicação da SEMGE, a organização publicou uma carta aberta à Prefeitura de Salvador:

Nossa insistência em defender o Julho das Pretas como uma construção dos movimentos sociais de mulheres negras não é à toa. É também um ato de prevenção. Já vimos esse filme antes. O Novembro Negro, que também nasceu da luta do movimento negro, foi sendo lentamente sequestrado por instituições públicas que apagaram sua origem política e esvaziaram seu sentido transformador. Hoje, em muitos lugares, virou um roteiro institucional morno, esvaziado, que culmina em caminhadas cada vez menos expressivas e dominadas por representações partidárias que pouco dialogam com  as comunidades negras. Não vamos permitir que o mesmo destino seja imposto ao Julho das Pretas”, enfatiza um dos trechos. 

A carta completa pode ser lida aqui.

A SEMGE e a Prefeitura de Salvador foram procuradas pela equipe da Revista Afirmativa para se pronunciar sobre o caso, mas até o momento do fechamento desta matéria, não emitiram respostas. Após a repercussão negativa, na tarde da última quarta-feira (23), o vídeo foi retirado do ar e uma nova publicação com fotos do evento foi feita, apresentando a ação com o título “Interseccionalidade no Setor Público: Desafios para Mulheres Negras Servidoras”.

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