“Sou radicalmente esperançosa”, diz Erika Hilton sobre a construção de uma política mais diversa para o Brasil

Em entrevista concedida à Revista Afirmativa publicada neste dia 28 de Junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, a deputada federal levanta temas como, representatividade, futuro político, eleições 2024, governo Lula e mudanças  climáticas

Por Elizabeth Souza e Patrícia Rosa

Afrontosa e sagaz, Erika Hilton é um nome de grande importância para a história da política brasileira e se destaca pela luta dos direitos da população negra, das mulheres e comunidades LGBTQIA+. Eleita em 2022, a primeira deputada federal negra e trans na história do país, Érika vem trilhando caminhos inspiradores. Não à toa, há quem a chame de “futura presidenta do Brasil”.

Filiada ao Psol desde 2016, é em 2018 que sua trajetória política no Parlamento é iniciada, sendo co-deputada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em 2020 vence as eleições e torna-se a vereadora mais votada do país para a Câmara Municipal da capital paulista. Na Casa, liderou por dois anos a presidência da Comissão de Direitos Humanos, pauta que permeia sua  trajetória, como explica em entrevista exclusiva para à Revista Afirmativa.

Sagitariana de 31 anos, Erika Hilton nasceu em Franco da Rocha (SP) e cresceu na cidade de Francisco Morato, onde vivenciou momentos de amor e cuidado, mas  também de dor e abandono, ao ser expulsa de casa, aos 14 anos, pela sua mãe, que passou a alimentar posturas preconceituosas por causa da igreja que frequentava. Nas ruas, a prostituição era o seu meio de sobrevivência, situação em que pôde enxergar mais de perto a desumanização direcionada a pessoas trans.

“Agora tem uma mulher negra travesti, vinda das esquinas, como uma referência na busca por tentar reconstruir o imaginário sobre nós, resgatar nossa dignidade, humanidade e  cidadania. Um peso forte diante de tudo isso, mas que eu consigo carregar com maestria”, destaca a parlamentar.

Revista Afirmativa: Quais foram as figuras de maior representatividade na sua história e construção? 

Erika Hilton: Acho que as maiores figuras de representatividade da minha história foram mulheres, minha mãe, minha tia, minha avó, Chica da Silva. Depois eu encontrei na universidade Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Alexandra Kollontai, Carolina Maria de Jesus, entre outras.

R.A.: Para você, como é ser fonte de inspiração para mulheres que buscam ingressar no campo político?

E.H.: Para mim ser uma influência no país é bom, porque ainda é o primeiro país do mundo que mais mata pessoas trans, travestis. Agora ter uma mulher negra, travesti vinda das esquinas como uma referência na busca por tentar reconstruir o imaginário sobre nós, eu fico honrada. 

R.A.: Qual a importância da construção da política ancorada nas necessidades do direito das mulheres, ampliando o debate da comunidade LGBTQIA+?

E.H.: A construção de uma política que priorize os direitos das mulheres, das pessoas LGBTQIA+, da população em situação de rua, do meio ambiente, do direito à terra e o combate à fome. É uma construção interconectada e interseccional, são lutas complementares, e que não terminam em si. Porque quando a realidade de um grupo marginalizado melhora, ela melhora para todo mundo, e o Brasil todo avança no objetivo de uma sociedade mais justa e inclusiva.

R.A.: O autor do chamado “PL do estupro”, deputado Sóstenes Cavalcante, chegou a dizer que estaria disposto a retirar o projeto, desde que o Psol recuasse de ação protocolada no STF, onde se manifesta favoravel ao procedimento de assistolia fetal. Como a senhora observa essa postura?  

E.H.: Primeiramente, vale lembrar que, pela norma jurídica, é impossível retirar essa ação no STF e que a ação, do PSOL e do Instituto Anis, resultou na suspensão da resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que teria o mesmo efeito prático que o PL do Estupro caso estivesse em vigor. Mas condicionar à retirada de um projeto absurdamente nocivo, como o “PL do estupro”, a retirada de uma ação legítima do PSOL no Supremo, é uma tentativa de barganha que desrespeita a dignidade das mulheres.

Qual a sua opinião sobre a forma como a Câmara Federal vem conduzindo pautas referentes aos direitos das mulheres, especialmente os reprodutivos?

E.H.: A Câmara Federal precisa rever sua abordagem em relação às pautas de direitos reprodutivos, garantindo que as decisões sejam pautadas pelo respeito à saúde, autonomia e aos direitos das mulheres. E entender que, se tentarem negociar esses direitos, haverá reação nas ruas.

R.A.: Lhe agrada a forma como o governo federal vem se posicionando a respeito do “PL do estupro”?

E.H. : No conjunto da obra, a atuação do governo federal sobre o tema está aquém do que poderia ser. O que se pede é a defesa de um direito básico que já é garantido desde 1940, e apoiado pela maioria da população, de um ataque fundamentalista cujo tiro saiu pela culatra. Entendo que não havia necessidade de esperar tanto para se posicionar, e que os posicionamentos podiam ter sido mais incisivos na defesa dos direitos reprodutivos e contra esse Projeto monstruoso.

R.A. : Como a senhora tem avaliado o governo Lula até aqui?

E.H. : Há avanços inegáveis, e inestimáveis, em relação ao inelegível que ocupava a presidência anteriormente. Mas ao mesmo tempo, parece faltar ao governo a coragem de usar a estrutura do Poder Executivo para avançar em pautas sem depender do aval ou de negociações com a direita no Congresso. Nessa falta de coragem, que se torna uma falta de proatividade, o governo acaba sendo pautado e encurralado por monstruosidades que saem da pior ala da política, vide o PL do Estupro ou as mentiras sobre a própria atuação no Rio Grande do Sul, e perde a oportunidade de ser o fio condutor de debates importantes para o país. 

R.A. : Para as eleições presidenciais, o bolsonarismo permanece sendo uma ameaça? 

E.H.: A permanência do bolsonarismo como uma força política relevante representa, sim, uma ameaça constante à democracia e aos direitos humanos no Brasil. A influência de Bolsonaro e suas ideias autoritárias continua forte em todo o campo da direita, o que reforça a necessidade de vigilância e mobilização das forças progressistas para proteger os direitos civis, combater a desinformação e promover uma agenda inclusiva e democrática nas eleições de 2026. 

R.A.: Quais são suas perspectivas políticas para o futuro? Posteriormente, pretende disputar algum outro cargo no Executivo ou Legislativo? 

E.H.: Nas próximas eleições, ainda não terei a idade mínima para concorrer ao Senado ou à Presidência, e minhas perspectivas políticas para o futuro, neste momento, são continuar entregando um trabalho de excelência na Câmara Federal, fortalecendo a luta pela defesa, e avanços nos direitos das populações marginalizadas. 

R.A.: Muitos dos seus apoiadores se referem à senhora como “futura presidenta do Brasil”. No podcast “Todo Dia História Negra”, a senhora disse que não tem essa ambição. Se o Psol indicar seu nome para disputar o Executivo federal a senhora aceitaria? Se sente preparada para isso?

E.H: Caso o PSOL indique meu nome para disputar a presidência, essa decisão seria precedida por uma série de discussões que resultariam na conclusão de que minha candidatura seria viável eleitoralmente. Então, neste caso, sim, aceitaria. Mas sabemos que essa viabilidade é uma realidade ainda um pouco distante, e que precisa ser construída. E essa construção se faz com disputa séria no Parlamento junto a nomes de peso que se comuniquem com a população e a faça entender que é melhor votar pela defesa dos seus direitos do que pela extrema-direita e pelo fim do Brasil. Até porque, não dá pra ser presidente sem base de apoio no Congresso.

R.A.: Qual a sua opinião sobre a forma como o Brasil tem lidado com a questão das mudanças climáticas? 

E.H.: Vejo que há dois problemas graves em todas as esferas de poder na forma como o Brasil lida com isso. O primeiro, é ignorar as mudanças climáticas e a necessidade de mudanças dentro do próprio país para evitá-las; o segundo é maior ainda: não se adaptar a elas. Nenhum País conseguirá impedi-las sozinho, por isso se adaptar às mudanças climáticas é crucial. De cidades resilientes à salas de aula que suportem uma onda de calor, vejo que nada está adaptado. Tudo que for construído no Brasil, da casa subsidiada ao bairro planejado, das UBSs aos hospitais e das escolas às Universidades, teria que estar minimamente adaptado a essa realidade. 

R.A.: Em 2023, a Câmara aprovou um PL de sua autoria que altera os Estatutos da Cidade em prol de medidas de adaptação e mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Como a senhora observa a forma que esses impactos têm afetado a vida da população economicamente vulnerável, especialmente pessoas negras da periferia?

E.H.: Essas catástrofes climáticas afetam desproporcionalmente a população economicamente vulnerável, especialmente as pessoas negras, mulheres, em situação de rua e que vivem nas periferias, expondo-as a riscos maiores e a condições de vida ainda mais precárias. São elas que vivem em áreas de risco, primeiramente não planejadas pelo poder público e então ignoradas por ele. Esse Projeto, chamado de PL das Cidades Resilientes, retira essa obrigação do poder público do campo da eterna promessa e coloca ele no Plano Diretor de cada cidade desse país.

R.A.: O que a senhora tem achado sobre a PEC da Anistia que tem ganhado holofotes nos últimos dias? Como isso pode impactar candidaturas negras e mulheres nas próximas eleições?

E.H.: É um ataque a direitos conquistados, por meio do próprio Congresso, no caso da cota mínima de recursos e de candidaturas para mulheres, e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no caso da verba proporcional para candidaturas de pessoas negras. Essa PEC demonstra o que pensa grande parte dos homens brancos da nossa política, para eles, candidaturas negras e femininas existem para formar coeficiente eleitoral que os eleja. Política se faz com recurso, e sem essas cotas, pessoas negras e mulheres não recebem recursos eleitorais para suas candidaturas. Isso é grave, mas está sendo discutido abertamente no Congresso, e precisamos barrar.

R.A.: Em 2020, dados da Antra – Associação nacional de travestis e Transexuais do Brasil, apontaram um crescimento de 275% no número de candidaturas trans eleitas, passando de 8, em 2016, para 30, em 2020. Para as eleições municipais deste ano quais são suas expectativas nesse sentido?

E.H: Sou sempre radicalmente esperançosa, no sentido freireano de esperançar, acredito que essas candidaturas trans vão crescer porque estamos trabalhando pra isso cotidianamente. Todos os dias, normalizamos um pouquinho mais a nossa presença na política e em espaços de poder, representação e representatividade. E o caminho é tortuoso, mas é possível ser percorrido, e sempre que uma de nós o percorre, ele se abre mais um pouquinho. Então, torço para que nessas eleições municipais, muitas e muitos de nós tenham sucesso em fazer parte das decisões de suas cidades.

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