No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5783), no dia 17 de maio, em Brasília, que tem a ministra Rosa Weber como relatora, está em jogo a existência dessas comunidades
Texto e Imagem: Divulgação AATR
No próximo dia 17 de maio, estará na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5783 (ADI 5783) sobre o marco temporal das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia. A ministra Rosa Weber é a relatora da ADI, proposta pela Procuradoria Geral da República, em setembro de 2017. O entendimento da PGR é que o estabelecimento de um prazo final (31 de dezembro de 2018) para que as comunidades protocolem os pedidos de emissão da certidão de autorreconhecimento e de regularização fundiária de seus territórios tradicionais é inconstitucional.
Esse prazo foi estipulado no ano de 2013, a partir do art. 3º, §2º, da Lei n.º 12.910, de 11 de outubro de 2013, instituída pelo Estado da Bahia. Com a proximidade do julgamento, mais de 200 organizações da sociedade civil e entidades de classe, já assinaram uma carta na qual pedem que o STF rejeite o marco temporal. (Leia na íntegra aqui). Caso essa ADI não seja acatada, haverá um impacto negativo incalculável ao direito de povos e comunidades tradicionais em geral, que não se limita apenas às comunidades de fundo e fecho de pasto, mas às demais que têm o modo de vida tradicional e a posse ancestral dos seus territórios, ao passo em que também reforça a tese do marco temporal.
Nilza Vieira, da comunidade tradicional de Fundo de Pasto de Várzea Grande, destacou a importância desse momento no qual a mais alta corte do país volta os olhos para essas comunidades localizadas no sertão e no oeste da Bahia. “Se as comunidades perderem o direito de afirmar e de autorreconhecer seu modo de vida tradicional e o uso dos seus territórios, ocorrerão diversas violações. Minhas expectativas e esperança são grandes, eu acredito que os/as ministros/as serão capazes de se sensibilizar e de perceber que esse prazo fere nossos direitos.”
Mais de duas décadas sem novas titulações na Bahia
Apesar de instituir inconstitucionalmente uma data para que as mais de 1500 comunidades de Fundo e Fecho de Pasto fizessem o autorreconhecimento, o Estado da Bahia não tem provido condições para que isso ocorra. Dados da Campanha Cerrado apontam que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, apenas cerca de 130 comunidades tiveram títulos emitidos pelo Estado. Somado a isso, neste momento 192 comunidades estão com seus processos de certificação paralisados.
Sem o reconhecimento legal do direito de se autoidentificar e solicitar a regularização fundiária de seus territórios, a violência, o agronegócio e empreendimentos predatórios avançam sobre esses espaços. Organizações representativas das comunidades de fundo e fecho de pasto, além de parceiros/as e apoiadores/as, estão há mais de uma década apontando o agravamento dos conflitos fundiários e socioambientais, em especial, nos fechos de pasto da região oeste da Bahia. Como aponta Valdivino Rodrigues, integrante da Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto, “A gente percebe o agravamento e aumento da violência nas comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, por conta da disputa pelos territórios dessas comunidades, o avanço da grilagem de terras, dos grandes empreendimentos, do agronegócio, da mineração e dos empreendimentos de geração de energia tidas como limpas, porém com métodos absolutamente sujos.”
Relevância histórica e ambiental dos Fundo e fecho de pasto
Dada a sua relevância, histórica, social, cultural e territorial, as comunidades de fundo e fecho de pasto integram o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, juntamente com quilombolas, indígenas, seringueiros, ciganos e quebradeiras de coco, entre outros. Estima-se que existam aproximadamente 1500 comunidades de fundo e fecho de pasto no Estado da Bahia, vivendo e preservando os seus territórios tradicionais. Desta forma a lei que nega o direito à autodefinição e à regularização fundiária da posse destes territórios corresponde à total vulnerabilidade dessas comunidades com risco até mesmo de extinção.
“Esse marco temporal que nós podemos chamar também de recorte temporal imposto pela lei significa violação aos direitos de existência das comunidades tradicionais. O julgamento favorável a ADI no Supremo Tribunal Federal é para que não tenhamos que ter uma data para dizer quem somos, como vivemos.Nosso sonho, nosso desejo é que o Supremo Tribunal Federal reconheça esse direito das comunidades tradicionais de fundo de fecho de pasto”, salientou Valdivino.
A ADI reivindica a defesa de povos originários e comunidades tradicionais por meio do direito ao autorreconhecimento e o direito à terra e ao território, que é garantido na Convenção nº 169 da Organização do Internacional do Trabalho (OIT), bem como pela Constituição de 1988. As comunidades tradicionais, a partir da sua experiência singular de territorialização, têm contribuído de forma significativa para a preservação de parcelas ainda remanescentes de cerrado e caatinga, tendo papel estratégico na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.