Surpresa nenhuma na Província da Bahia

PT de Rui Costa silencia a força do movimento de mulheres negras desde sempre, e há muito declara adesão à militarização da política

Por Naiara Leite

A estética política da capital mais negra fora do continente africano segue a mesma: menino negro morre e nossas dores seguem invisíveis. Triste Salvador da Bahia! Ontem foi anunciada a escolha da candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) a prefeitura de Salvador. O nome e os métodos do partido não eram novos, não surpreende. Depois de ter ensaiado fazer os processos de eleição interna, quando filiad@s votam nas suas preferências a partir da escolha das suas tendências – nenhuma novidade.

A indicação das tendências segue a orientação negociada no âmbito das forças partidárias (correntes e tendências) e do governador Rui Costa, que desde o inicio dos debates já havia manifestado sua preferência. Afinal sabemos que as decisões há muitos anos não vem d@s filiad@s e sim das negociações internas com o alto escalão do PT.

Rui Costa e o PT seguiram sua coerência política. Optaram pelo projeto político que defendem desde o inicio da primeira gestão do PT no estado da Bahia. Refiro-me ao projeto encabeçado pel@s seus\suas artilheir@s. Ou será que nos esquecemos da chacina do Cabula, na madrugada do dia 06 de fevereiro de 2015, quando a Policia Militar da Bahia executou 12 meninos, adolescentes e jovens negros, na Vila Moises, e apenas com um mês e meio a frente da gestão o governador declarou: “a PM precisa ter a frieza e a calma necessárias para tomar a decisão certa”. “É como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol”, comparou. “Depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores da arquibancada irão bater palmas e a cena vai ser repetida várias vezes na televisão. Se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado, porque se tivesse chutado daquele jeito ou jogado daquele outro, a bola teria entrado”, continuou.

Após declaração, Rui Costa foi questionando pelo Movimento Negro e de Mulheres Negras da Bahia. Na época o espanto foi grande e vergonhoso: o governador esquerdista, aliado do presidente Lula, comparou a execução de 12 adolescentes e jovens negros a uma partida de futebol. Esse foi um dos primeiros sinais que o governador e seu partido nos enviou. Ali o governador enviou uma mensagem direta e objetiva a população negra sinalizando o projeto e os métodos de sua gestão. Um método eficaz já que a Bahia lidera o ranking da PM que mais mata no país.

Na ocasião, a Rede de Mulheres Negras da Bahia lançou carta pública destinada ao governador Rui Costa e a sociedade Baiana intitulada: 13[1] – “AZAR PARA OS NEGROS BAIANOS, GOVERNADOR?”, questionando o pronunciamento do governador e exigindo justiça pelo assassinato dos jovens negros no estado. Em trechos da carta, as mulheres negras questionam: “Até quando Governador, as sextas feiras serão dias temidos pelas mulheres negras e suas famílias, servindo de prenúncio de mais um fim de semana de morte, sangue e terror. Na segunda-feira correndo para sepultar mais um filho, sobrinho, irmão, vizinho, marido, sobre o pretexto de um suposto envolvimento com o tráfico”.

Sem respostas, o movimento de mulheres negras seguiu se organizando e se mobilizando na luta de enfrentamento ao racismo e à violência contra a população negra. Outras respostas ainda estavam por vir dos políticos petistas na Bahia. Prestem atenção, vários foram os indícios.

No processo de articulação da Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver, realizada em 2015 (Brasília), o movimento de mulheres negras da Bahia organizou a I  Marcha das Mulheres Negras, em Salvador, em maio do mesmo ano, da Avenida Paralela até o Centro Administrativo da Bahia (CAB), especificamente, até a porta da governadoria. Era uma marcha grande com representação de várias de lideranças de Salvador, Região Metropolitana, do Recôncavo e municípios de outros territórios. Mais uma vez as mulheres negras optaram pelo caminho do diálogo, queriam ser recebidas pelo governador para falar sobre a morte dos jovens negros e das mulheres negras no estado.

Desta vez, a assessoria de Rui Costa informou que o governador não poderia receber as mulheres negras, fechou as portas e disse que iriam fazer contato. Mentira! O silêncio seguiu.

Revisitar os fatos é necessário para entender que estamos falando de projetos políticos distintos e que o governador nunca respeitou as mulheres negras do lugar de sujeitas políticas, não há nenhuma novidade na sua decisão. O projeto político de militarização da política, da intensificação do racismo, do capitalismo segue vitorioso na província da Bahia.

“Agora é ela” é o slogan político criado pelo movimento de mulheres negras para lançar o nome de Vilma Reis como pré-candidata a prefeitura de Salvador. Para Rui Costa e outros homens brancos e negros, militantes do PT, é apenas um slogan que pode ser adequado a qualquer projeto político sem nenhuma conexão com a memória e responsabilidade com a história de luta da população negra da Bahia. Afinal não vamos esquecer que os 32 votos de aprovação da candidatura da Major Denice Santiago refletem a opinião de Rui Costa, mas também de outros brancos e negros do PT. Ressalto que os posicionamentos não são contra a mulher negra, Denice Santiago, mas sim a instituição PM-Ba, a militarização da política e a forma como o PT e o governador conduziram os processos.

O AGORA É ELA não pode ser utilizado para referenciar o projeto político do PT da Bahia e de Rui Costa, que defende @s artilheir@s da PM. O AGORA É ELA, do movimento de mulheres negras da Bahia, foi criado para salvar e dar voz as vidas negras e não o contrário.

O PT da Bahia nunca escutou as vozes das mulheres negras, do povo negro. Depois dos finais de semana, seguimos enterrando nossos mortos pela polícia da Bahia. O PT segue em silêncio. Quando vão escutar o projeto político das mulheres negras para Salvador e para Bahia?

[1] Na época houve jornais que publicaram que o número de vítimas eram 13.

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