Da Redação*
Três famílias baianas foram incluídas na lista suja do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na última semana. A lista é um cadastro de empresas e pessoas físicas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Na Bahia, as famílias mais recentes a serem flagradas são os Jaqueira Cruz, os Spagnuolo e os Peluso Loureiro.
Família Cruz
A primeira, está sendo acusada de explorar uma mulher desde a infância. Hoje com 55 anos, ela foi abandonada quando criança pela família na casa de Edneia Cruz, no bairro da Federação, em Salvador (BA). Na época, estava com sete anos de idade, e sua família, que era de Sergipe, não tinha condições de arcar com sua criação.
A vítima não teve acesso à educação, e desde os sete anos era responsável pelas tarefas domésticas de limpeza da casa. Conforme passaram os anos, passou a cuidar também dos filhos do casal.
A exploração foi denunciada em 2022. Na época, Edneia e seu marido, Francisco, chegaram a alegar para os auditores e, depois, no decurso do processo judicial movido contra ela, que a vítima “sempre viveu de modo igualitário com os demais filhos”. Sobre o analfabetismo, Edneia, que era professora em uma escola privada de Ondina, justificou como “falta de vontade” da trabalhadora.
Em abril de 2024, um juiz penal condenou os dois acusados a três anos de reclusão, mas em regime aberto.
Família Spagnuolo
A segunda família recém inserida na lista suja do MTE é a Spagnuolo. A família tem uma casa na Ilha de Itaparica, onde iria comemorar o aniversário de 74 anos de Giovani Spagnuolo, o dono da casa, um engenheiro civil, filho de italianos, e dono de dois prédios na Federação. Ele e sua esposa, Noemia Correia, precisavam de ajuda para organizar a festa, e encontraram uma mulher nativa da Ilha, de 32 anos.
Satisfeitos com seu trabalho, demitiram o antigo caseiro, e a tornaram responsável por também limpar a piscina e aparar a grama, recebendo R$ 20 por dia.
Em 2017, propuseram que ela passasse parte do mês cuidando da casa na Ilha, e a outra parte na casa do casal no bairro de Vila Laura, em Salvador. Noemia, servidora púbica aposentada, estava com câncer, e à medida que seu quadro piorava, maior o expediente da funcionária. Sua jornada de trabalho ia das 6h às 20h30, quando Giovani chegava do trabalho.
A vítima nunca recebeu salário, ou folga. Apenas nos primeiros meses, o casal chegou a depositar os R$ 150 mensais que foram prometidos. Foi um vizinho que começou a desconfiar das condições de trabalho, durante a pandemia de covid-19. Na época, ela estava grávida, e saía de casa para fazer as compras. Ela então foi contando sua história, e o vizinho entrou em contato com uma advogada.
Mas a trabalhadora não reconheceu a gravidade da situação de imediato. Foi só quando a filha já estava com dois anos, que ela arrumou suas coisas e voltou para a Ilha, afirmando que iria comemorar o aniversário da menina. Então a advogada deu início ao processo judicial contra os empregadores e acionou o MPT e o TEM, que identificaram trabalho análogo à escravidão.
O argumento de “ser da família” também foi apresentado como justificativa para não cumprir com o pagamento do salário. Mas, em agosto deste ano, o juiz do trabalho acatou a denúncia do MPT e condenou a família ao pagamento de R$ 100 mil de indenização por dano moral. O valor é destinado a ações de combate ao trabalho escravo organizadas pela instituição. O processo trabalhista movido pela vítima ainda está em curso.
Noemia faleceu em maio deste ano, e a ação será respondida pelos seus três filhos, e por Giovani.
Família Peluso Loureiro
A terceira família, os Peluso Loureiro, descendem de italianos e portugueses que chegaram ao Brasil no fim do século 19. Uma de suas herdeiras era Heny Peluso Loureiro, falecida no ano passado. Ela era proprietária de uma fazenda, e morava em Porto Seguro, litoral sul da Bahia, onde mantinha uma mulher em situação análoga à escravidão desde a infância.
Os MTE recebeu uma denúncia sobre as condições de trabalho da vítima em 2021, e os auditores-fiscais do trabalho descobriram durante a fiscalização que a mulher trabalhava ininterruptamente desde a infância na casa, sem direito a folga, férias, salário, ou qualquer reconhecimento de vínculo trabalhista.
A trabalhadora viveu dos sete aos 53 anos na casa de Heny. Existe a suspeita de que ela não seja brasileira, e tenha sido deixada pelo pai em um abrigo em Canavieiras, município no Sul da Bahia. Foi onde Heny conheceu a menina e a levou para casa. Sua intenção, no entanto, não era adotá-la. Ela emitiu uma certidão de nascimento com nomes falsos de mãe e pai. Enquanto seus filhos foram para a escola, a menina encontrada no abrigo não estudou.
Além das condições de trabalho análogo à escravidão, os patrões ainda a submeteram a uma cirurgia de retirada do útero, após o diagnóstico de um mioma. Também chegaram a solicitar benefícios sociais em seu nome.
No fim de setembro deste ano, o MPT firmou um acordo com os representantes do espólio de Heny, e seus dois filhos. No documento, homologado pela Justiça do Trabalho, eles não reconheceram culpa, mas, assim como as outras famílias, alegaram que a empregada era da família e, por isso, não precisaria receber salário. Eles terão de pagar R$ 500 mil de indenização.
Lista Suja do MTE tem 69 baianos
A Lista Suja do MTE é um cadastro de empresas e pessoas físicas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. Ela funciona como uma ferramenta de transparência pública, atualizada semestralmente. Estar na lista pode resultar em restrições de crédito, bloqueio de financiamentos públicos e sanções econômicas. Para ser incluído, o infrator passa por um processo administrativo que verifica as irregularidades constatadas em fiscalizações.
Na sua última atualização, o trabalho doméstico foi a atividade econômica com maior número de empregadores inclusos, com 43 casos.
Dos 727 empregadores brasileiros acusados de manter pessoas em situação de trabalho escravo, 69 são baianos.
A pena prevista para o crime é reclusão de 2 a 8 anos, além de multa, de acordo com o Código Penal. Mas não há ninguém preso em regime fechado na Bahia por negar salário ou férias, que são algumas das características que configuram trabalho análogo à escravidão.
Acesse a Lista Suja do Trabalho Escravo.
*com informações do Correio