Skin (2019): um manifesto sobre a beleza da pele negra

O filme nigeriano Skin, produzido pela Be Naya Productions, com direção de Daniel Etim Effiong e lançado em 2019, é um interessante documentário que investiga a pele humana, mais especificamente, as diferentes tonalidades da pele negra e os impactos da imposição de padrões de beleza e estética eurocêntricos, estes que desconsideram as particularidades

Lecco França*

O filme nigeriano Skin, produzido pela Be Naya Productions, com direção de Daniel Etim Effiong e lançado em 2019, é um interessante documentário que investiga a pele humana, mais especificamente, as diferentes tonalidades da pele negra e os impactos da imposição de padrões de beleza e estética eurocêntricos, estes que desconsideram as particularidades negroides, como a cor da pele escura, por exemplo. Na abertura do filme, inclusive, há um bonito ensaio de corpos negros masculinos e femininos, com a narração de um trecho da Bíblia Sagrada (do livro I Coríntios, capítulo 15, versículos 40 e 41), que fala dos vários tipos de beleza entre os corpos celestes e terrestres, tudo isso no intuito de valorizar a magnitude desses corpos, ao mesmo tempo que denuncia a indústria da beleza ocidental, com seus cremes e remédios clareadores e de alto custo, que aprisionam e sufocam sujeitos negros. As gravações ocorreram na própria Nigéria, cuja população é, de fato, majoritariamente negra.

A abordagem adotada foi a documental, na qual a atriz Beverly Naya, popularmente conhecida e admirada nesse país africano, dialoga com diferentes profissionais de estética e da arte, como o dermatologista Akhere Aire, o fotógrafo Mudi Yahaya, a esteticista Leslie Okoye e a empresária e socialite Idris Okuneye (Bobrisky), uma mulher trans que enriqueceu vendendo produtos clareadores. Do ponto de vista médico, Aire afirma que a pele é a parte mais importante do corpo humano. Sobre a busca por produtos e tratamentos clareadores, ele alega que problemas psicológicos, de autoestima e as influências dos meios de comunicação podem incentivar isso. Já o artista visual, analisando a história da fotografia no Ocidente, defende que a própria tecnologia construiu-se como discriminatória em relação à pele escura. Já, tanto a esteticista quanto a empresária, por sua vez, são confrontadas sobre as falsas promessas dos produtos clareadores da pele e de como elas lidam com questões de saúde e ética, em contraste com as ambições financeiras do mercado da estética. A entrevistadora também conversa com crianças para saber como elas lidam com suas aparências. Algumas reforçam o discurso de autoaceitação por serem negras retintas, entretanto, outras, manipuladas pelas grandes mídias e pela sociedade, desejam ser mais claras “sem saber por qual motivo” ou porque acreditam que ter a pele mais embranquecida tornam-nas mais bonitas. Em um tom poético e biográfico, Naya ainda revisita suas memórias pessoais para expressar sua própria relação com a cor da pele.

O documentário se posiciona criticamente em relação ao processo de clareamento de pele realizado por muitos africanos, principalmente mulheres, algo muito recorrente em diferentes países da África, como os próprios dados estatísticos apresentados no filme comprovam: “Segundo a Organização Mundial de Saúde, 77% das mulheres nigerianas usam produtos clareadores de pele regularmente, seguidas pelo Togo com 59%, África do Sul com 35%, Senegal com 27% e Mali com 25%”. Para entender as principais motivações que levam essas pessoas, a todo custo, clarearem suas peles, Naya também ouve relatos de mulheres de classes populares, atrizes e modelos. Por um lado, algumas alegaram que a pele mais clara possibilita uma melhor aceitação social, inclusive para o casamento, maiores possibilidades de ascensão social e melhores oportunidades de trabalho (em especial para quem lida com moda e entretenimento). Por outro lado, algumas divergem dessa ideia e se recusam a aderir a processos de clareamento, ao reconhecer e valorizar suas identidades como pessoas negras retintas, e rejeitar drasticamente esses produtos que, além de traumas na pele (como queimaduras, estrias e manchas), podem reforçar (ou o próprio uso são resultantes de) conflitos e traumas emocionais. Esse, inclusive, é um dos desafios ainda hoje de povos colonizados pela Europa, do qual fala o escritor nigeriano Ngugi Wa Thiong’o: a “descolonização mental e psicológica”. A questão do colorismo também é analisada, denunciando um cenário onde as mulheres negras retintas são comumente preteridas em relação às mulheres negras de tom mais claro.

O ponto alto do filme, na minha opinião, pela sensibilidade e delicadeza, é quando Beverly retorna a sua terra natal, a vila de Igbuzor, em Asaba, localizada no Estado de Delta, região da Nigéria, para reencontrar sua avó, depois de um bom tempo sem vê-la, que, junto com sua mãe, são as suas principais referências de mulheres. As três conversam na própria casa da avó de Naya (construída em 1959, ainda no período colonial, mantendo-se bem preservada), reveem antigas fotos, revisitam memórias, que revelam aspectos significativos para a constituição da personalidade forte e determinada de Beverly, e também conversam sobre racismo durante a colonização europeia na Nigéria e a relação dessas mulheres com seus corpos. O filme está disponível no Netflix.

 

*Professor universitário, pesquisador, escritor, cineclubista, curador e crítico de cinema. Membro da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN). E-mail: leccofranca@gmail.com.

 

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