Por Wellington Ricardo da Silva
É preciso muito mais do que boa vontade para implementar políticas institucionais antirracistas. Existe um hype mercadológico sobre diversidade em andamento, mas que só alcança os analistas nas grandes instituições.
Uma grande movimentação começou a surgir na internet após a entrevista da co-fundadora do Nubank, Cristina Junqueira, ao Roda Viva[i] no último dia 19 de outubro. Ao ser questionada sobre ações afirmativas para pessoas negras na sua empresa, Cristina afirmou que existe uma alta exigência e que era difícil encontrar candidatos integrantes de minorias para os cargos de alta liderança.
No último domingo (25), o Nubank divulgou uma carta aberta dos fundadores do banco[ii], onde consta uma retratação pública muito bem redigida e coerente. Resta a dúvida se é um posicionamento deles ou da assessoria de gestão de crise. De nada vale uma boa retratação se os CEO’s não souberem exatamente o que está posto em jogo.
Junqueira afirma também na entrevista que é difícil “nivelar por baixo”, mas de onde parte essa procura? Quais os requisitos? Temos mais de 213 milhões de habitantes no Brasil. Destes, 54% são pessoas pretas e pardas. É racista e danoso achar que nenhuma pessoa negra tem o grau de qualificação exigido pelo mercado.
Se fizermos um exercício de entrevistar as pessoas à frente da alta gestão das empresas brasileiras, veremos que a fala da Cristina Junqueira é bem mais “comum” do que imaginamos. De acordo com o levantamento do Vagas.com[iii], levando em consideração as auto-declarações feitas pelos 200 mil candidatos no site. pessoas negras representam apenas 8,9% dos cargos de nível pleno e 0,7% dos cargos de direção. Por outro lado, pessoas negras ocupam 47,6% dos cargos operacionais e 11,4% dos cargos técnicos.
Vale ressaltar que, de acordo com o mesmo levantamento, pessoas negras possuem maiores participações em formações concluídas em quase todas as faixas de escolaridade (fundamental, médio, profissionalizante e superior).
Antes de torná-las uma vitrine, as políticas de diversidade e inclusão precisam escoar primeiro in loco, visando uma transformação na política organizacional interna. Diversidade é muito mais que convidar consultores e ONG’s para criar novos processos, é sobre ter a capacidade de valorizar potências, mesmo diante das diversas limitações. É sobre enxergar que pessoas negras são fruto de todo esforço de outras gerações que vieram antes e que por isso representam muito mais que sua própria presença.
É evidente que apostar na diversidade não só gera visibilidade, mas também lucro. Segundo dados da pesquisa “O Mercado da Maioria”[iv], desenvolvida pelo instituto Locomotiva, a população negra brasileira movimenta R$ 2 trilhões por ano na economia nacional.
Diversidade não pode ser apenas um rótulo, é preciso incorporar posturas de correção e reparação dentro das organizações. Pessoas negras precisam ocupar cargos para além das politicas de diversidade racial, sendo observadas por suas inúmeras capacidades e sua dignidade humana. A “boa vontade” às vezes só demarca e reforça o lugar do outro com relação ao branco, colocando pessoas negras no lugar do ”diferente”.
Os processos de certificação são necessários dentro de uma ótica capitalista, mas diversidade precisa ir muito além de um selo, tornando-se um compromisso efetivo e diário. A comunidade negra não aceita mais ser posta no lugar da subalternidade e da dúvida. Por mais que o racismo negue, pessoas negras são múltiplas.
O mercado coorporativo necessita entender que a população negra foi empobrecida intelectualmente e monetariamente ao longo dos séculos de colonização, roubo, encarceramento, escravização e morte. É preciso compreender que existe o racismo epistêmico, que corresponde a inferiorização dos conhecimentos produzidos por mulheres e homens com outros corpos políticos e outras geopolíticas de conhecimento, longe da normatividade branca eurocêntrica.
Existe capital humano negro qualificado para ocupar os cargos disponibilizados pelas empresas e startups, mas é preciso comprometimento de quem toma as decisões. Para “facilitar” a vida dos empreendedores que buscam profissionais negros para ocupar seus cargos, muitas iniciativas buscam criar banco de talentos formados apenas por pessoas não brancas. É o caso do PretaLab (https://www.pretalab.com/perfis), uma rede que reúne perfis de mulheres negras que trabalham no campo da tecnologia; assim como o Banco de Talentos Negros (https://www.bancodetalentosnegros.com.br/sobre-nos), uma iniciativa que disponibiliza currículos de profissionais negros para empregadores na área de comunicação.
Nubank, se vocês desejam ser tudo isso que colocaram na carta aberta, comecem pelo executivo. Transformar significa mudar completamente a nossa postura diante dos cenários e nunca, jamais, será confortável. Nada adianta implementar processos inovadores se vocês não sabem como o racismos infecta toda sua estrutura empresarial. Isso não foi um simples equívoco.
Nos bastidores da “diversidade” existem vidas subalternizadas historicamente, é preciso ter responsabilidade. Vocês são 3 pessoas brancas a frente de uma organização que tem metas desafiadoras, nunca esqueçam disso. A Nubank é, e sempre será, parte do status quo.
* Estudante de comunicação social/jornalismo, pesquisador sobre comunicação, mídias independentes e redes sociais. Também sou produtor cultural de projetos que englobam noções sobre negritude, memória e africanidades.
[i] Entrevista da co-fundadora do Nubank, Cristina Junqueira, ao Roda Viva no ultimo dia 19/10 (https://www.youtube.com/watch?v=2vYX8B-Ro7M).
[ii] “O Nubank Errou” (https://blog.nubank.com.br/nubank-erramos/)
[iii] Pesquisa do Vagas.com sobre disparidade no mercado de trabalho (https://www.vagas.com.br/profissoes/acoes-afirmativas/)
[iv] Pesquisa “O Mercado da Maioria”, desenvolvida pelo Instituto Locomotiva (https://0ca2d2b9-e33b-402b-b217-591d514593c7.filesusr.com/ugd/eaab21_e1c8781e78f1483b86c524eebf2bae67.pdf)