Consulta feita pelo Unicef e Instituto Aliança pretende coletar informações de 2 mil agentes do Sistema de Garantia de Direitos em Salvador e Recôncavo baiano
Por Udinaldo Júnior
Imagem: Anastácia Flora
Na madrugada do dia 5 de dezembro de 2020, o jovem Davi Pereira Santos (22), foi morto a tiros por agentes da Polícia Militar na cidade de São Félix, no Recôncavo baiano. Embora a polícia tenha afirmado por nota oficial que Davi havia atirado contra os agentes, dezenas de testemunhas afirmaram que o rapaz tinha nas mãos apenas uma máquina de cortar cabelo, seu instrumento de trabalho. A partir do dia seguinte, um conjunto de manifestações tomaram a cidade denunciando o racismo e a violência institucional que vitimou Davi, sua família e comunidade.
O relatório “A cor da violência na Bahia”, produzido pela Rede de Observatórios de Segurança, investigou as taxas de homicídio e violência sexual da última década no estado. Como reflexo da realidade nacional, a pesquisa confirmou que jovens negros são a população mais afetada por crimes violentos na Bahia, onde a taxa de homicídios entre negros chega a ser 4,5 vezes maior do que entre brancos. É na faixa etária de Davi (15 a 29 anos) que esses jovens são mais vitimados, chegando a 236 por 100 mil habitantes, enquanto os jovens brancos apresentam taxa de 55 por 100 mil habitantes.
Ainda que os números das violências do Estado, racial, feminicídio, doméstica e intolerância religiosa sejam crescentes no Brasil, há uma rede de silenciamento em torno deles que inviabiliza tanto uma abordagem direta para resolutividade de casos, quanto a elaboração de estratégias de prevenção e acesso à justiça.
Visando identificar as principais representações sociais em torno das violências sistêmicas, e evitar seus impactos na vida de crianças, adolescente e jovens, o Projeto Àwúre está realizando uma pesquisa de percepção do racismo, sexismo e intolerância religiosa com agentes e profissionais do Sistema de Garantias de Direitos (SGD) à infância e juventude. A consulta pública pretende registrar e analisar as percepções de pelo menos 2 mil pessoas que atuam nos SGDs de Salvador e de nove municípios do Recôncavo baiano: Cachoeira, Cruz das Almas, Maragogipe, Muritiba, Nazaré, Salinas da Margarida, Salvador, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus e São Félix.
O questionário, disponível para preenchimento virtual neste link, está voltado para gestores(as) municipais; profissionais da saúde, educação, assistência social, justiça e segurança pública de todos os setores e níveis; conselheiros de direito de diversas áreas e conselheiros tutelares ou de quaisquer outros órgãos ou serviços do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) à infância e juventude, incluindo instituições da Sociedade Civil que atuam com direitos das crianças, adolescentes e jovens.
Jalusa Arruda, coordenadora da pesquisa, conta que a iniciativa pretende traçar uma visão geral das violências sistêmicas pela percepção dos principais atores, agentes e profissionais do SGD. “A partir da coleta e análise das informações, iremos propor sugestões para que a rede de atendimento do município esteja mais preparada e atenta para identificar, atender e encaminhar casos de racismo, sexismo e intolerância religiosa contra crianças, adolescentes e jovens, bem como, contribuir para ações de prevenção e enfrentamento destas violências”.
Maria da Conceição, historiadora, liderança quilombola do Quilombo Engenho da Ponte, em Cachoeira (BA), reafirma a importância da pesquisa. “Nós sentimos todos os dias o impacto destas violências em nossa própria pele, mas muitas vezes faltam dados estatísticos e científicos para a reivindicação de políticas públicas, já que a maioria das pesquisas são mais gerais sobre o estado e quase não há pesquisas mais detalhadas sobre o cenário local”, afirmou. Em entrevista, ela ainda destacou a relevância da pesquisa como uma forma de inibir e constranger os agressores.
Comentando sobre a violência cotidiana na região do Recôncavo, Maria da Conceição destacou que seu aspecto fica ainda mais agressivo no imbricamento com o racismo. “A gente sabe que o racismo é grande, eu e a minha comunidade, meu povo, a gente sofre isso todos os dias. Por ser uma mulher preta, de terreiro e quilombola, não posso esquecer que o sofrimento do racismo é diário”.
Ilma Oliveira, Diretora da área de Direitos Humanos do Instituto Aliança, destaca a importância da relação íntima que o Projeto Àwúre desenvolve com o território, dialogando firmemente com as ações já protagonizadas por agentes locais. “O enfrentamento ao racismo, ao sexismo e a intolerância religiosa, precisa ser coletivo e multifacetado. O Àwúre não é uma ação solitária, mas um movimento que se liga a todas as práticas históricas que as comunidades do Recôncavo e de Salvador desempenham contra as violências que às atingem”, reafirma a diretora.
O preenchimento da pesquisa dura entre 5 e 10 minutos e fica disponível até o dia 31/03 através do link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdgaLxU-8uS2LjnskbzKQ1GOAhb7Gb0XEKB-YTcQgpZif3lbA/viewform
Sobre o Àwúre:
O Àwúre é uma iniciativa nacional realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e na Bahia conta com o apoio e parceria técnica do Instituto Aliança e da Plan International.