9 anos sem Claudia Silva Ferreira, e a violência policial contra mulheres negras de todo dia

Seja pela violência física, sexual ou psicológica, as mulheres negras são vítimas cotidianas da violência policial, aspecto mais letal do genocídio da população negra

Por Daiane Oliveira  

Rio de Janeiro, manhã do dia 16 de março de 2014. Claudia Silva Ferreira, mulher negra de 38 anos, foi baleada no pescoço e nas costas durante uma operação da Polícia Militar (PM) no Morro da Congonha, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Claudia, conhecida como Cacau pelos seus amigos e familiares, foi colocada de forma brutal por três policiais no porta-malas da viatura para supostamente ser socorrida.

Durante o percurso, o porta-malas abriu, o corpo desacordado de Claudia Silva Ferreira caiu e foi arrastado por mais de 350 metros. Os agentes da Polícia Militar ignoraram buzinas e sinais de outros motoristas, até que pararam. Colocaram o corpo de Claudia Silva Ferreira novamente na viatura e seguiram em direção ao Hospital Estadual Carlos Chagas, onde a vítima chegou morta.

9 anos após o assassinato de Claudia Silva Ferreira e os seus algozes seguem livres. “A gente conversava com ela ‘mãe, a justiça é assim mesmo’, isso deixou ela mais triste ainda, minha mãe morreu de tristeza. E antes disso ela falou pra mim ‘minha filha, deixa isso pra lá porque não vai trazer a Cacau de volta, e os policiais são muito ruins, vão fazer maldade com vocês”, disse a irmã de Claudia Ferreira, Jussara Ferreira, em entrevista à Revista Afirmativa no ano passado. Dona Sebastiana, faleceu em agosto de 2020.

Imagem: Reprodução

Justiça para Claudia Silva Ferreira após 9 anos de impunidade

Em 2022, 8 anos após o assassinato de Claudia Silva Ferreira, a Revista Afirmativa realizou uma entrevista com a família da vítima. Diante da impunidade e sem que qualquer dos policiais tivesse condenação judicial, a sensação é de que não há Justiça no Brasil para crimes quando as vítimas são negras e pobres.

Apenas em 2019 houve a primeira audiência do processo, 5 anos após o assassinato de Claudia. Os policiais acusados do homicídio e da remoção do cadáver não foram julgados, não responderam nem ao processo administrativo que avalia a conduta dos agentes de acordo com as orientações e valores da corporação. Dois dos PMs que integravam a patrulha se aposentaram depois do homicídio, são eles: Adir Serrano e Rodney Archanjo. Os outros quatro agentes continuaram trabalhando sem qualquer tipo de restrição, como se nada houvesse acontecido, são eles: o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, os policiais Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, Alex Sandro da Silva e Gustavo Ribeiro Meirelles.

O subtenente Adir Serrano Machado desde 2000 acumulava registros de violência policial, estando envolvido em 57 registros de autos de resistência que culminaram em 63 mortos. Já o subtenente Rodney Miguel Archanjo aparece em cinco ocorrências com seis pessoas mortas. Os dois agentes juntos respondiam por 69 mortes quando Claudia Silva Ferreira foi assassinada.

Do Morro da Congonha até o Hospital Estadual Carlos Chagas, na Avenida General Osvaldo Cordeiro de Farias, são 7 km, um trajeto de 15 a 20 minutos para uma viatura que pode usar o recurso da sirene. Claudia Silva Ferreira poderia estar viva, não fosse a Polícia Militar.

Claudia Silva Ferreira é mais uma mulher negra vítima da polícia no Brasil

Parelheiros, Extremo Sul de São Paulo, 13 de julho de 2020. Uma mulher negra de 51 anos foi agredida, jogada no chão e imobilizada por um Policial Militar que posteriormente pisou em seu pescoço sufocando-a e arrastada-a até a viatura. A operação foi filmada e chocou a sociedade pela semelhança com a ação que vitimou George Floyd, nos Estados Unidos da América. 

A vítima teve a perna quebrada durante a ação policial, mas ainda assim ficou trancada em uma sala, que definiu como suja e escura, no 101º Distrito Policial, localizada em Jardim Imbuias, São Paulo.

A Polícia Militar havia parado no local onde a vítima, que é dona de um bar, estava com dois clientes, e na época, um decreto municipal proibia aglomerações e funcionamento desse tipo de estabelecimento, devido a pandemia da covid-19. 

Imagem: Reprodução

Em agosto do ano de 2022, o soldado João Paulo Servato, que pisou no pescoço da vítima, e Ricardo de Morais Lopes, que participava da operação, foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, por três votos a dois. A sentença foi recorrida a pedido do Ministério Público Estadual (MPE-SP) e do advogado de acusação Felipe Morandini, sendo que na segunda instância, com veredito em 2023, os policiais foram condenados.

A decisão da Justiça Militar condena os soldados Ricardo de Morais Lopes e João Paulo Servato, a um ano, dois meses e 12 dias de reclusão, além de mais um ano de detenção ao segundo, responsável por pisar no pescoço da vítima. No entanto, como cabe recurso, os réus respondem em liberdade.

Enquanto isso, a vítima da agressão policial virou réu e responde processo do Ministério Público paulista. A promotora seguiu a versão da polícia, que alegou que a vítima teria desacatado e ferido os agentes, o que contradiz as testemunhas e imagem da abordagem policial. No entanto, a agente da promotoria acusou a mulher de quatro crimes: desacato, lesão corporal, infração de determinação do poder público para conter doença contagiosa e resistência a ato legal por meio de violência ou ameaça. Após a repercussão do caso, a promotoria voltou atrás e pediu mais tempo para avaliar o caso.

Mulher trans é agredida por Policiais Militares na estação de ônibus de Recife

Recife, 29 de janeiro de 2023. Uma professora trans foi agredida por um policial militar no Terminal Integrado de Joana Bezerra, na área central do Recife, Pernambuco. A agressão foi filmada por outros passageiros. No vídeo é possível ver o momento em que a professora, acompanhada de um homem, desce do ônibus e  dois policiais militares apontam as armas para eles. 

O homem está com as mãos na cabeça, já a mulher fala algo aos agentes. Um dos militares vai em direção a professora e dá um tapa no rosto. Em depoimento, a vítima informou que sofreu a agressão quando foi pedir ajuda aos policiais após sofrer transfobia dentro do coletivo. 

Imagem: Reprodução

A vítima ainda foi levada à Central de Plantões da Capital, onde foi ouvida e liberada. De acordo com o marido, os agentes envolvidos na ocorrência chegaram a pedir desculpas. A professora não teve o nome revelado por questão de segurança. O caso segue investigado. 

Mulher é agredida no rosto por um policial militar em Salvador

Salvador, 18 de janeiro de 2023. Marvis Machado, de 24 anos, foi agredida com tapa no rosto e spray de pimenta por um agente da Polícia Militar no bairro Fazenda Grande, periferia de Salvador. A ação foi registrada por uma câmera de segurança e pelo celular da vítima, que ainda teve o pedido de medida protetiva contra os policiais negado pelo delegado que registrou a ocorrência.

A Polícia foi ao local atender uma denúncia de cárcere privado e briga familiar, quando as três mulheres tentaram conversar com o policial para explicar o chamado. É possível ver no vídeo um dos agentes bastante alterado, gesticulando, até que as agressões começam. Segundo a Polícia Civil, a vítima foi acusada de desacato e levada para a Central de Flagrantes, onde foi ouvida e liberada.

No vídeo, é possível ouvir o agente da PM ameaçando de prisão a mulher. “Você vai apagar, se não vou te prender por desacato. Você vai para delegacia. Eu sou formado”, disse. Já o PM, identificado na farda como “cabo Cotorse” lotado na 9ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM), manda que a mulher se cale.

Imagem: Reprodução

Em entrevista à TV Bahia, Marvis Machado informou que o delegado negou o seu pedido de medida protetiva. “Ele [delegado] disse que não haveria necessidade da medida protetiva, pelo fato de que o policial não anda por ali, e não tem por que ele estar andando ali – já que é uma rua sem saída que só mora familiares – e que, como eu sou de outra cidade, não tinha necessidade mesmo dele me dar essa medida protetiva”, disse na entrevista.

Os familiares registraram o caso na Corregedoria da PM e na Polícia Civil. A Revista Afirmativa solicitou através de e-mail por algumas vezes informações sobre a investigação à Corregedoria, mas não fomos atendidos. 

Compartilhar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress