Três anos do assassinato de Kathlen Romeu foi marcado por encontros com autoridades em Brasília e organização de um memorial

A jovem designer de interiores foi atingida por um tiro de fuzil na comunidade Lins de Vasconcelos, no Rio de Janeiro (RJ), quando estava grávida de quatro meses. Até hoje nenhum dos cinco policiais acusados pelo crime foi preso

Da Redação

Familiares e amigos de Kathlen Romeu, assim como moradores da comunidade do Barro Preto, localidade do Complexo do Lins, no Rio de Janeiro (RJ), se reuniram no dia 9 de junho na quadra da Unidos do Cabuçu, uma escola de samba da comunidade. O evento, intitulado Memorial Justiça para Kathlen e seu Bebê foi organizado pela Comunidade Black, coletivo criado em memória de Kath, como era conhecida, para pedir justiça e o fim do genocídio da população negra brasileira. As homenagens incluíram um ato ecumênico, a presença de artistas da música Black e uma programação cultural e educacional para crianças.

No dia 8 de junho de 2021, a jovem designer de interiores, de 24 anos, que estava grávida de quatro meses, caminhava na comunidade do Lins de Vasconcelos com a avó materna, a quem foi fazer uma visita, quando foi atingida por um tiro de fuzil no tórax. Ela tinha se mudado da região menos de dois meses antes, por medo da violência. 

Na época, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) negou que a corporação estivesse em uma operação no local. Em nota, como é padrão, a corporação informou que os agentes foram atacados a tiros por criminosos, e reagiram.

No entanto, testemunhas relataram que os policiais estavam utilizando uma tática conhecida como Tróia, se trata de uma emboscada em que policiais ficam escondidos para atacar “suspeitos”. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) chegou a afirmar que Kathlen foi morta em uma operação ilegal da PMERJ.

“Kathlen foi vítima de uma Troia, que é uma tocaia, organizada por policiais, que se escondem no interior de um território com o intuído de ‘surpreender suspeitos’ da prática de crime, quase sempre produzindo vítimas fatais. A utilização sistemática desta prática já vem sendo denunciada por organizações de direitos humanos e instituições democráticas há anos”, escreveu a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) em suas redes sociais, lembrando os três anos do caso. A mandata da parlamentar apresentou o Projeto de Lei Kathlen Romeu, 4631/2021, que busca proibir as troias em todo território fluminense. O PL ainda está em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A versão dos agentes também foi contestada pelo Ministério Público, que acusou cinco PMs de alterar a cena do local em que a designer foi morta e respondem na Justiça Militar por fraude processual. Dois deles, os policiais Rodrigo Correia de Frias e Marcos Felipe da Silva Salviano, foram denunciados por homicídio.

Até agora, nenhum deles foi preso ou punido. Apesar de o MP ter requerido a prisão, o pedido foi negado pela Justiça. Mas os policiais acusados ainda podem ir a júri popular.

O nome de Kathlen se junta à uma longa e triste lista de mulheres negras vítimas de violência policial, como Cláudia Ferreira, Luana Barbosa, Marvis Machado, Jucilene Juriti – que também estava grávida quando foi atingida e, embora tenha sobrevivido, chegou a ficar em coma e perdeu o bebê. 

Família se encontra com autoridades em Brasília

A família de Kathlen esteve em Brasília no dia 5 de junho para encontros com diversas autoridades do governo, pressionando por um desfecho para o caso. Estavam previstos encontros com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Silvio Almeida, e com representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Houve tentativa de agenda ainda com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, ou com o ministro Flávio Dino.

Em entrevista ao programa Ação Negra, da TV Fórum, Jacklline Lopes, mãe da vítima, contou que encontraram apenas a ministra Anielle, e representantes do ministro Silvio Almeida e do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. 

“Dentro da competência deles, eles se comprometeram a nos ajudar nessa busca por verdade, memória, reparação e justiça”, declarou Jackline.

Familiares de Kathlen recebidos pelo MDHC – Imagem: MDHC

Na reunião com a Secretária-Executiva do MDHC, a família da jovem chegou a entregar uma carta aberta da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), Comunidade Black, Lab Jaca e MeuRio. O documento traça um histórico do assassinato da jovem e solicita medidas protetivas para os familiares devido à exposição de dados, fotos e informações durante os três anos de luta por Justiça. A carta também questiona o fato de os policiais acusados seguirem em atividade, e defende o uso de câmeras corporais para reduzir a letalidade policial.

“Em qual país do mundo se dispara um fuzil dez vezes numa comunidade onde moram quase 20 mil pessoas, próximo a casas e creches em horário escolar? A política de segurança assume e permite este risco”, denuncia um trecho da carta. 

O MDHC se comprometeu a enviar uma comitiva ao Rio de Janeiro, para se reunir com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Ricardo Rodrigues Cardozo, e o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos. Já a ministra Anielle Franco garantiu cobrar à Polícia Militar o afastamento dos cinco PMs envolvidos e celeridade nos processos contra eles. 

“Num crime tão emblemático e tão cheio de elementos que comprovam a autoria do crime, a gente vem se perguntando nesses três anos o que falta e a quem interessa essa morosidade”, desabafou a mãe de Kathlen à TV Fórum “[…] é uma falta de respeito com tudo que a gente fez para educar um ser humano tão do bem, cumpridora dos seus deveres. E eu não abro mão que a memória da minha filha seja respeitada. Eu já perdi, e eles tão vivendo no conforto da vida deles, dos familiares, Dia dos Pais, Natal, aniversário, e a gente está há três anos nesse buraco de dor.”

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