Por Claudia Correia
Imagem: Divulgação
A Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD) festeja nesta quinta-feira (16) seus 189 anos em Salvador. A pioneira associação civil negra, presidida pela educadora Lígia Margarida Gomes, celebra a tradição do passado. O homenageado este ano pela SPD é Lucas Dantas Amorim, um dos líderes da Revolta dos Búzios, datada de 1798.
Nas comemorações deste ano, acontece a live de aniversário, quinta-feira (16), 20h, na página do facebook da Associação Protetora dos Desvalidos. O encontro virtual, que será mediado pelo primeiro secretário da SPD Roberto Rodrigues Junior, vai reunir diretores e estudiosos e terá apresentação musical de Lu Santana.
Participam do debate: o bibliotecário Neilton Barros, presidente da Mesa da Assembleia Geral da SPD e membro da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos; o instrutor mecânico do Senai Bahia José Roberto, membro do Conselho Fiscal da SPD; a pedagoga Marlene Rodrigues Ferreira, integrante da Rota dos Quilombos e sócia da SPD; a psicóloga Andrea Souza e a pedagoga Patricia Lopes.
Na sua segunda gestão à frente da SPD, Lígia Margarida lidera um grupo de diretores que executa o plano de preservação do patrimônio institucional e de ações para o fortalecimento da identidade cultural negra, inserido na luta contra o racismo. Ela defende que a instituição precisa estar, cada vez mais, na vida da cidade, discutindo questões como o genocídio dos jovens negros.
Histórico de lutas
A SPD foi fundada em 16 de setembro de 1832, como “Irmandade de Nossa Senhora da Soledade Amparo dos Desvalidos”. O seu criador, o africano Manoel Victor Serra, reuniu 19 homens negros, entre marceneiros, carroceiros, carregadores de água e trabalhadores de ganho para a assembleia de fundação na Capela dos Quinze Mistérios, no Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador. O objetivo era oferecer um sistema de crédito para assistir sócios e suas famílias, como uma junta de alforria, assim como outras irmandades de caráter religioso da época faziam.
Cinquenta anos antes da abolição da escravatura no país, a instituição prestava assistência social através de benefícios em casos de doença, invalidez, prisão, velhice e auxílio funeral, além de pensões aos familiares dos sócios e supervisionava a educação dos órfãos. Em 1851 com a mudança de seu estatuto, a irmandade passou a adotar o termo “sociedade” e o caráter religioso deu lugar a primeira associação civil negra do país, atuando como um órgão previdenciário, regulamentada pelo governo em 1861.
O histórico da SPD e sua função social e política ao longo destes 189 anos são analisados em alguns trabalhos acadêmicos, como o livro Sociedade Protetora dos Desvalidos: Uma Irmandade de Cor, de 1987, do professor e antropólogo Júlio Braga. A dissertação de Mestrado em História da Universidade Federal da Bahia, defendida por Lucas Ribeiro Campos, “A Sociedade Protetora dos Desvalidos: Mutualismo, Política e Identidade Racial em Salvador (1861-1894)”.
Para o pesquisador, que continua investigando o assunto no doutorado, o valor da instituição ainda precisa ser divulgado. Ele destaca que a SPD está numa linha de tradição de ativismo negro que ainda precisa ser reconhecida. “É curioso que uma das primeiras reuniões da nova Frente Negra Brasileira aconteceu na SPD, em março de 2016. Uma associação do século 19 que deu espaço para uma associação do século 21. O legado vai muito no sentido de construir o espaço de luta política”, afirmou em entrevista concedida ao jornal A Tarde.
Dentre as ações de preservação do seu patrimônio, a SPD conta com três livros restaurados pela instituição em parceria com o fundo holandês Prince Claus e com o ateliê Memória & Arte, especializado na conservação de documentos históricos. Um deles traz a ata de criação da Irmandade de Nossa Senhora da Soledade Amparo dos Desvalidos. O documento, que reúne registros de 1832 a 1847, foi reconhecido em 2018 pelo Programa Memória do Mundo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Além disso, através da parceria com a Fundação Pedro Calmon, com incentivo da Lei Aldir Blanc, a SPD restaurou mais quatro livros históricos.
A atual diretoria realiza ações de apoio a 17 comunidades quilombolas na Bahia com cooperação técnica e pequenas doações. A sede da sociedade, no Largo do Cruzeiro de São Francisco, 17, perto do Terreiro de Jesus, também abriga atividades de formação política para a valorização cultural e a ampliação de direitos sociais da população negra.