Por Jonas Pinheiro
Imagem: Ícaro Moreno
O Instituto Inhotim é a sede de um dos maiores acervos de artes contemporâneas do Brasil e é considerado o maior museu a céu aberto do mundo. Fica localizado em Brumadinho (MG), cidade que ainda vive à sombra da tragédia do rompimento da barragem da Vale que matou 270 pessoas, cujas fotos estampam hoje um letreiro na chegada da cidade. O Inhotim será a casa do Museu de Arte Negra (MAN) durante dois anos. O projeto idealizado pelo Teatro Experimental do Negro (TEN) sob a liderança de Abdias Nascimento no início dos anos 1950. O lançamento ocorre justamente no ano em que se completa 10 anos da morte do intelectual, que foi um dos mais importantes militantes do movimento negro brasileiro. Abdias foi poeta, escritor, dramaturgo, curador, artista plástico, professor universitário, pan-africanista e parlamentar.
O MAN foi aberto para o público no último sábado, 04 de dezembro, e é a primeira vez que o Inhotim sedia outro museu dentro de seu espaço. A “aquisição” temporária é fruto de uma parceria com Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO), fundado também por Abdias Nascimento. O projeto do museu foi pensado em 1950, no Rio de Janeiro, no 1º Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo TEN, em que se discutiu a “estética da negritude” e modos de visibilização e valorização da produção de artistas negros. Saiu dali a resolução sobre a necessidade de um museu de arte negra, e assim nasceu o MAN.
“Da curadoria dessa coleção e da convivência com o artista Sebastião Januário em um pequeno apartamento no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, surgiu a ‘aventura pictórica’ de Abdias Nascimento (assim ele se referiu à sua própria produção artística)”, afirma Julio Menezes Silva, coordenador do projeto Museu de Arte Negra virtual, organizado pelo IPEAFRO. O Museu, no entanto, nunca havia tido uma sede própria, até agora, em que se instala no Inhotim.
Após sua primeira exposição, em 06 de maio de 1968, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, Abdias foi para os EUA e impedido de voltar pela ditadura. Lá ele continuou a produzir e recolher uma série de obras. “Assim, atualmente uma profusão de artistas nacionais e internacionais integram o acervo do MAN-IPEAFRO, contribuindo para o enriquecimento das narrativas curatoriais sobre a produção artística negra”, comenta Elisa Larkin Nascimento, co-fundadora do IPEAFRO e viúva de Abdias Nascimento.
Em entrevista ao extinto Correio da Manhã quando vivo, Abdias contou que o objetivo do museu era “recolher e divulgar a obra de artistas negros, sem distinção de gênero, escola ou tendência estética, promovendo-se, assim, a documentação de sua criatividade, estimulando sua imaginação e invenção na ampla faixa de expressão plástica”. Uma provocação à “sacralidade” com que era vista o museu e a própria arte naquele período.
Décadas se passaram, o fluxo de artes e concepções mudaram, novos movimentos e estilos surgiram, mas ainda há um distanciamento entre o museu e as camadas negras e populares. Os museus ainda são vistos como espaços de elite pela maioria das pessoas. Não fomos ensinados a vê-los, como espaços para o nosso povo, mesmo sendo a arte desde sempre nossa aliada contra as opressões e violências do colonialismo branco europeu. Abdias, ao pensar o MAN, sabia disso. Como também sabia ao criar o Teatro Experimental do Negro, o jornal o Quilombo, e lutar pelas populações negras nas suas diversas áreas de atuação. É preciso que criemos nossos próprios espaços, já que estruturalmente eles nos são negados desde sempre. “Quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial”, como defende o intelectual em seu livro Quilombismo.
Foi um pouco desse sentimento de acolhimento que senti ao adentrar o MAN e ver as obras de Abdias Nascimento e de Tunga. A exposição será dividida em quatro atos, e este primeiro traz o diálogo entre a obra de Abdias, Tunga e o acervo do MAN. Uma série de obras fantásticas e provocativas nos coloca diante de um espaço que a ancestralidade grita. Orixás e referências à cultura afro-brasileira abraçam o espectador. “Aqui é um quilombo”, comentou Júlio Menezes, ao lado de Elisa Larkin.
Vendo aquele pedaço de nossa cultura, e aquela potência em forma de arte e subversão, não pude deixar de questionar o que tem sido pensado para que pessoas negras, como eu, como ele, pudessem conhecer o museu. Júlio enfatiza que têm sido traçadas estratégias para trazer ao espaço estes segmentos da população, e que a instalação do museu é uma das etapas do processo, cujo a inauguração é um dos primeiros passos. O Inhotim não fica em um local de fácil acesso, e a visitação na maioria dos dias é paga, exceto na última sexta-feira de cada mês. Moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim e Amigos do Inhotim também possuem entrada franca.
Eis o grande desafio do Ipeafro, Inhotim e todos envolvidos no projeto, para que de fato o MAN seja Quilombo. Tornar o museu um local acessível às populações negras e periféricas, como defendeu e lutou Abdias em vida. Para que os nossos saibam desde cedo que nossa arte e ancestralidade também podem estar em um museu.
Museu de Arte Negra – Primeiro ato: Abdias Nascimento e Tunga
Período expositivo: 4 de dezembro de 2021 a 10 de abril de 2022
Local: Galeria Mata | Instituto Inhotim
Visitação: de quinta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30
Ingressos: R$ 22 (meia) e R$ 44 (inteira) no Sympla
*Entrada gratuita na última sexta-feira de cada mês, exceto feriados, mediante retirada prévia através do Sympla
***Moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim e Amigos do Inhotim também possuem entrada franca