A marcha marca 30 anos desde que o movimento de mulheres negras da América Latina e Caribe declarou o 25 de Julho como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha
Por Andressa Franco, Daiane Oliveira e Patrícia Rosa
Imagem: Milena Sant’Ana
Nesta segunda-feira (25), foi realizada em Salvador (BA) a Marcha das Mulheres Negras no Poder, construindo o Bem Viver e o Festival das Pretas. A concentração aconteceu na Praça da Piedade com saída em direção à Praça Terreiro de Jesus, no Centro Histórico, onde ocorreu o Festival das Pretas.
A marcha integra a programação da 10ª edição do “Julho das Pretas – Mulheres Negras no Poder, construindo o Bem Viver!” e marca os 30 anos desde que o movimento de mulheres negras da América Latina e Caribe declarou em 1992, o 25 de Julho como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. No Brasil, desde 2014, o 25 de Julho é instituído também como o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
Para Naiara Leite, coordenadora executiva do Instituto Odara, a marcha é importante para trazer a mulher negra para o centro e topo dos debates. “Mas, que a gente deixe a demarcar: as mulheres negras não querem negociar subalternidade, a gente tá marchando pra dizer qual é o nosso lugar, e que a sociedade, os partidos políticos nos leiam desse lugar”, afirma.
“É o momento de escutar o que o movimento de mulheres negras tem a dizer”
Fortalecer as vozes e as denúncias das mulheres negras foi um dos objetivos da Marcha de acordo com Naiara. “Esse ano as candidaturas não vão falar, é o momento de escutar o que o movimento de mulheres negras e de comunidades têm a dizer em relação às violações que sofrem”. Pensar a continuidade do movimento de mulheres negras, a partir das jovens presentes no encontro, também estava entre as expectativas. Além de, tornar a marcha ainda mais diversa, com representações quilombolas de cinco territórios, movimentos de mulheres lésbicas e trans.
Para o artista Mário Ferreira, a marcha é importante para dar visibilidade e protagonismo aos corpos das mulheres negras. “Essa marcha é o momento de colocar a nossa voz na rua, como um ato político, revolucionário, um ato desobediente, insubmisso e protagonizado por mulheres negras”. O artista acredita na importância de “somar às lutas, mesmo que elas não sejam as nossas. É preciso perceber que a luta das mulheres negras, latino americanas e caribenhas, também fazem parte da luta das pessoas não binárias, LGBTs, periféricas.”
O retorno às ruas depois de dois anos de pandemia de covid-19, também é um ponto essencial a ser lembrado. “Hoje eu confesso que estou muito emocionada porque faz já tempo que a gente não se encontra de forma auto organizada entre mulheres pretas”, destaca a doutoranda em literatura Samira Soares.
A pesquisadora percebe na Marcha uma oportunidade de trazer demandas para uma perspectiva além do feminismo tradicional, considerando as pautas das mulheres negras, “que de fato levam a estrutura desse país nas costas e são sobrecarregadas por essa estrutura.”
A Ialorixá do Terreiro Oya Matamba, Thiffany Odara, acredita que a marcha seja importante para dar visibilidade aos corpos negros. “Ela vai denunciar e colocar em evidência as violências que nossos corpos passam diariamente, principalmente na conjuntura política que nós estamos vivenciando.”
Conjuntura política e ano eleitoral: “a alternativa é preta e feminista”
Para Denice Santiago (PT), Superintendente de Prevenção da Violência da Secretaria de Segurança Pública, 2022 é um ano emblemático para a vida do país, e as mulheres negras não podem ficar fora disso. Para ela é preciso reivindicar mais mulheres negras nos espaços de poder, considerando que este é o maior grupo social do país, compondo 28% da população de acordo com o IBGE.
“São mães solos que estão lamentando a morte de seus filhos ou se angustiando, pois esses filhos não tem uma educação que possa fazer sonhar. Ter mulheres negras nesses lugares é representar essas mulheres promovendo políticas públicas.”
A co-vereadora da mandata coletiva Pretas por Salvador, Laina Crisóstomo (PSOL), chamou atenção para a principal reivindicação do encontro, que dá tema à 10ª edição da Marcha: Mulheres Negras no Poder, “construindo o Bem Viver”. Para a parlamentar, 2022 já dá sinais de que estamos presenciando a eleição mais violenta da história do país.
“Apesar de todo o horror do bolsonarismo, a gente ainda tem esperança: eleger mulheres pretas. Várias iniciativas potentes tem surgido para mostrar que a alternativa é preta e feminista. Não adianta derrubar a figura de Bolsonaro e continuar com esse Estado colonial.”, alerta.
A secretária da Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Fabya Reis, também estava presente na Marcha, e saudou as mulheres negras, tradicionais e quilombolas baianas “que ajudam a construir esse estado e lutam pelo direito das mulheres e pelo bem viver.”
O Festival das Pretas, logo após a marcha, reuniu no Terreiro de Jesus, Centro Histórico de Salvador, mulheres artistas de Salvador e de outras cidades da Bahia. O evento contou com as apresentações de: Samba Ohana, Matilde Charles, Iane Gonzaga, Amanda Rosa e Rebeca Tárique.
Sobre o Julho das Pretas
Criado em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, o Julho das Pretas é uma ação de incidência política e agenda conjunta e propositiva com organizações e movimentos de mulheres negras do Brasil. Tem como objetivo o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade brasileira.
A agenda celebra o 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Afro LatinoAmericana e Caribenha. Desde o início, o Julho foi aderido e potencializado pela Rede de Mulheres Negras do Nordeste, ganhando em poucos anos toda a região e logo depois o Brasil. Todos os anos, diversos movimentos de mulheres negras se reúnem para decidir um tema para o Julho das Pretas que dialogue com a conjuntura política.
Marcha aconteceu também em outros estados
Em João Pessoa, a data foi marcada por um Cortejo das Mulheres Negras, que saiu da comunidade de Aratu. A ação está na sua 3ª edição e teve como objetivo reverenciar a ancestralidade e fortalecer a luta antirracista.
Para Edvania Macedo, uma das organizadoras do cortejo e integrante do Movimento de Mulheres Negras da Paraíba, a Marcha veio para rearticular o Movimento de Mulheres do estado, para melhor organização política. “Desde a nossa preparação para a marcha de 2015 e depois dela, a gente retomou a organização de nossa incidência política, aqui na Paraíba, o ato traz esse marco do que é a auto organização das mulheres negras”, declarou a ativista.
Janaína Cardoso, integrante do Clube de Mães da Comunidade de Aratu, participou do cortejo e falou sobre a importância do evento. “Quero muito somar com essa mulherada negra, planejar nossos próximos passos, para ocupar a comunidade com ações, oficinas. É importante puxar mulheres negras para essa luta, mulheres como eu, que nem sabia que essa luta tão massa, tão linda estava acontecendo.”
Com o tema, “30 anos de luta, nossa marcha continua e se renova: mulheres negras amazônicas em luta por justiça ambiental e racial”, a 7ª marcha de Belém camimhou em direção ao Quilombo da República.
Em São Paulo, também na sua 7ª edição, o lema deste ano foi “Nem fome, nem tiro, nem cadeia, nem Covid: Parem de nos matar! Mulheres negras nas ruas e nas urnas para derrotar o fascismo, o racismo, a LGBTfobia e o genocídio! Por comida, emprego, educação, saúde e demarcação das terras quilombolas e indígenas! Por nós, por todas nós, pelo Bem Viver!”.
No Rio de Janeiro, a 8ª edição da marcha acontece no próximo domingo (31), a partir das 10 horas, com saída do bairro de Copacabana.